03 Outubro 2022
A declaração do card. Kurt Koch, após o protesto e pedido de desculpas do presidente da Conferência Episcopal Alemã, Mons. Bätzing, não serviu para consertar o episódio nem para reconciliar as partes. Na verdade, jogou mais lenha na fogueira.
A reportagem é do teólogo italiano Marcello Neri, professor da Universidade de Flensburg, na Alemanha, publicada por Settimana News, 30-09-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Justamente a passagem que deveria ter servido para mitigar a polêmica acabou, ao contrário, por relançá-la. “Não era minha intenção ferir ninguém - escreve Koch. Eu simplesmente parti do fato de que também hoje podemos aprender com a história, mesmo quando ela é difícil. Como mostra a forte reação do bispo Bätzing e de outras pessoas, devo reconhecer a posteriori que essa tentativa foi malsucedida. E devo também constatar que a menção a episódios e fenômenos da época nacional-socialista ainda é evidentemente um tabu na Alemanha”.
Essa última frase acabou por confirmar Bätzing na pertinência e legitimidade da sua crítica – expressa ontem na conferência de imprensa no final da assembleia plenária de outono da Conferência Episcopal Alemã.
“Não posso aceitar a resposta dada à minha crítica pública porque não é suficiente, porque o card. Koch afinal não se desculpou por sua expressão insustentável – pelo contrário, até a piorou.
A frase a seguir, na declaração de ontem à noite, do card. Koch (“e devo também contatar que a menção a episódios e fenômenos da época nacional-socialista ainda é evidentemente um tabu na Alemanha”) – fere ainda mais. De fato, ele sugere que nós, na Alemanha, não nos questionamos sobre o tremendo legado do nacional-socialismo.
Remeto firmemente de volta ao remetente essa nova insinuação. Não somos nós que criamos um tabu, mas sim – diante das vítimas do nacional-socialismo – é um tabu fazer comparações entre o pensamento nacional-socialista, que é a causa que produziu essas vítimas, e qualquer pensamento de hoje”.
O que Bätzing exige é uma distinção clara entre o conteúdo do documento de orientação, elaborado pela presidência do Caminho Sinodal Alemão e votado por grande maioria pelos participantes, e o regime de insinuações sem referências claras e objetivas aos textos que acompanha grande parte das críticas feitas ao Caminho Sinodal - tanto por parte de alguns episcopados como por parte das instâncias vaticanas.
“A reiterada afirmação de uma comparação absurda, que não dá razão das razões teológicas subjacentes, bem calibradas, do texto de orientação (sobre o qual se pode absolutamente discutir com objetividade), não representa para mim nenhuma desculpa. Ao contrário, a frase acima lembrada ressoa, em sua ingenuidade, desconcertante para um cardeal da Igreja universal ainda no exercício de suas funções e reconhecido internacionalmente com seus inúmeros contatos de trabalho e pessoais na Alemanha”.
Tanto as declarações de Koch quanto aquela de Bätzing continuam para esclarecer a razão da disputa, cada uma dando sua própria visão da relação entre revelação e fontes epistemológicas da fé - onde, olhando com atenção, pelo menos na abordagem metodológica de ambos não é que existam tantas diferenças, e certamente não são inconciliáveis (mas, justamente, para chegar a um ponto comum é preciso conversar entre si sem envolver o assunto com insinuações francamente insustentáveis ou sem fundamento nos textos produzidos pelo Caminho Sinodal).
O exegeta Thomas Söding, membro do Caminho Sinodal Alemão e também membro da Comissão Teológica Internacional, também falou sobre a questão. "Meu ponto é que Kurt Koch não percebeu a maneira como nós no Caminho Sinodal falamos dos 'sinais dos tempos' - insinuando uma nossa adaptação ao chamado 'espírito dos tempos', sem ver como nos posicionamos criticamente em relação às manifestações do nosso tempo. O cardeal não pode recusar um desenvolvimento da doutrina.
A Igreja, porém, não aprende apenas por si mesma. Aprende o que significa participação de uma sociedade democrática – mesmo quando deveria o ter aprendido há muito tempo das Escrituras e da tradição”.
Passando depois à questão objetiva da disputa, ou seja, as fontes da revelação, Söding observa: "O Caminho Sinodal tem críticos porque o magistério não é visto como uma instância de censura que inflige sanções disciplinares à teologia, mas como um órgão que aprende e que está vinculado às pessoas - isto é, ao sentido de fé do povo de Deus. A teologia pode sempre pensar alternativamente, mas não possui um magistério como os bispos. As fontes de revelação também desempenham um papel na controvérsia. As fontes de revelação, de quais pede explicação o cardeal, são um conceito que pertence mais a um modelo de revelação de caráter instrutivo-teórico e não comunicativo, pessoal e eclesial - que é o que se pode derivar do Vaticano II.
Por isso o documento de orientação não utiliza esse conceito, e menciona aqui e ali, para desenvolver as categorias apropriadas, aquilo que se tornou comum no léxico teológico como o termo testemunho. Há sempre um fator de mediação humana, social e cultural”.
O Espírito não é propriedade privada da Igreja Católica, mas também circula no mundo amado por Deus – e isso tem um fundamento bíblico que pode ser encontrado “na teologia da Sabedoria” (Söding). Gaudium et spes recuperou essa dimensão sapiencial para o magistério e a teologia juntos, mas não esclareceu seus termos e a conceituação adequada.
E é precisamente isso que o Caminho Sinodal busca fazer, tanto no texto básico de orientação como nos outros documentos - e o faz em um texto que é eclesial.
Enfim, trata-se de entender onde está a Igreja Católica: em mera contraposição ao mundo, fechada em si mesma; ou em saída para o mundo, como pede o Papa Francisco? Saindo de si mesma, a Igreja aprende sua própria fé de uma nova maneira e não reivindica para si o monopólio absoluto do saber da revelação.
Trata-se de uma Igreja "que está sempre em busca do Deus maior que se mostra nos pobres, naqueles que vivem à margem e nos esquecidos" deste mundo (Söding).
Se os corredores vaticanos pudessem deixar de lado seus sentimentos antigermânicos, então haveria muito o que discutir, juntos e de forma construtiva, a partir do processo sinodal da Igreja alemã. Infelizmente, trata-se de uma oportunidade desperdiçada - com responsabilidade de ambos os lados dos Alpes; que corre o risco de empobrecer até mesmo o processo sinodal mais amplo de toda a Igreja Católica.
Ainda não compreendemos, de fato, que a sinodalidade é a forma da Igreja que quer manter juntos os diversos - e não declarar a ortodoxia de alguns e a heresia de outros; pois se trata de uma riqueza inscrita nas próprias linhas da escrita evangélica de Deus.
Mas, talvez, seja precisamente isso que tememos: que o outro também tenha o direito de fazer parte plena da comunidade dos discípulos e das discípulas do Senhor.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
O sentimento antigermânico - Instituto Humanitas Unisinos - IHU