01 Setembro 2022
As imagens do Telescópio Espacial James Webb não nos falam apenas sobre os objetos cósmicos: falam também sobre nós mesmos. Elas nos dizem quem somos.
O comentário é de Giuseppe Tanzella-Nitti, padre italiano e diretor do Centro de Documentação Interdisciplinar de Ciência e Fé da Pontifícia Universidade da Santa Cruz, em Roma, onde também é professor de Teologia Fundamental.
O artigo foi publicado em Settimana News, 05-08-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O dia de terça-feira, 12 de julho de 2022, está destinada a permanecer por muito tempo na memória dos cientistas como uma das grandes datas da astrofísica. Foram divulgadas pela Nasa, pela ESA e pela CSA, as três agências espaciais dos Estados Unidos, da Europa e do Canadá, as primeiras imagens coloridas e os primeiros dados espectroscópicos coletados nas semanas anteriores pelo Telescópio Espacial James Webb (JWST, na sigla em inglês), o novo telescópio espacial lançado no dia 25 de dezembro de 2021.
Poucas horas antes dos anúncios oficiais, já havia sido mostrado o aglomerado de galáxias SMACS 0723 na constelação do “Peixe Voador”, situado ao longo da direção da estrela HD 147980. Trata-se da imagem infravermelha de maior resolução jamais obtida, que leva o observador a cerca de 13 bilhões de anos atrás, apenas poucas centenas de milhões de anos após o início da expansão do universo, conhecido como Big Bang.
O campo da imagem, tão grande na abóbada celeste quanto um grão de areia segurado à distância do próprio braço, contém centenas, talvez milhares de galáxias. Tanto essa imagem quanto as dos outros quatro objetos celestes usados como alvo são realmente extraordinárias.
Além do aglomerado de galáxias SMACS 0723, foram publicadas as fotografias da nebulosa na constelação de Carina e da nebulosa planetária NGC 3132, objetos relativamente próximos, com uma viva fantasia cromática, o “Quinteto de Stefan”, um grupo de galáxias em interação bem conhecido pelos astrônomos há várias gerações, e o espectro do exoplaneta Wasp-96.
Aglomerado de galáxias SMACS 0723 (Foto: NASA, ESA, CSA e STScI)
Os sites onde é possível encontrar informações detalhadas sobre os instrumentos a bordo do Telescópio Espacial James Webb (JWST) e sobre os primeiros resultados que estão chegando desse extraordinário telescópio já são numerosos e acessíveis a todos (resumimos alguns deles abaixo). Qualquer pessoa poderá acessá-los com pouco esforço.
Tal como já aconteceu com o telescópio Hubble (HST), para as observações do telescópio Webb também haverá inúmeras repercussões em nível midiático e cultural, assim como científico. Há três considerações que agora chamam a minha atenção e que desejo compartilhar com vocês.
A primeira delas é que chama a atenção o grande interesse com que praticamente todos os órgãos de informação acompanharam o trabalho do JWST nessas horas, propondo manchetes muito significativas. Quase todos falam com emoção da possibilidade de observar os objetos mais distantes jamais vistos até agora, pouco depois do Big Bang, mais ou menos na época em que a matéria, tendo se desacoplado da radiação, começava a se organizar em macroestruturas que dariam origem aos primeiros clusters de galáxias.
É um “olhar para as origens”, muitos enfatizam. Os espectroscópios a bordo do JWST poderão examinar depois um bom número de atmosferas de exoplanetas, ajudando-nos a entender que porcentagem deles têm condições semelhantes às da Terra, apontando ainda para uma pergunta sobre as origens, as da vida no cosmos.
Perguntas que continuam atraindo e explicam por que o grande público está também acompanhando e acompanhará com interesse as atividades do JWST. Perguntas de nível filosófico e, de certa forma, também religioso, levantadas hoje pelas ciências. Elas nunca perderão atualidade. Se os filósofos ou os teólogos não falarem mais sobre isso, serão os cientistas, como já ocorre, a mantê-las vivas.
Nebulosa na constelação de Carina (Foto: NASA, ESA, CSA e STScI)
Uma segunda consideração diz respeito à capacidade com que nós, seres humanos, em pouco mais de três séculos desde a introdução do método científico, conseguimos formular teorias capazes de descrever a dinâmica do universo em larga escala, considerando-o como um único objeto de inteligibilidade.
Apenas 250 anos depois de Joseph-Louis de Lagrange ter resolvido o problema simplificado dos três corpos, mostrando as características de equilíbrio dinâmico dos chamados “cinco pontos de Lagrange”, nós podemos hoje colocar um telescópio com mais de seis metros de diâmetro no ponto L2 do sistema composto pela Terra, a Lua e o próprio JWST.
Poucas décadas depois de Albert Einstein ter formulado a teoria da Relatividade Geral, pudemos verificar várias vezes a sua exatidão, assim como a imagem do aglomerado de galáxias SMACS 0723 fotografado pelo JWST, mostrando-nos as imagens defletidas dos raios de luz das galáxias mais distantes, por serem curvadas pelo campo gravitacional das galáxias maciças no centro do aglomerado.
O “Quinteto de Stefan” (Foto: NASA, ESA, CSA e STScI)
Por fim, uma terceira consideração diz respeito ao extremo nível de precisão alcançado pelos instrumentos a bordo do JWST e pelas estruturas eletromecânicas que permitem o funcionamento desses instrumentos. Vimos o desdobramento dos 18 elementos hexagonais de berílio folheados a ouro para compor o grandioso espelho com mais de seis metros de diâmetro e o seu posicionamento com precisão a um milhão e meio de quilômetros da Terra.
A tecnologia do escudo térmico permite que os instrumentos trabalhem em baixíssima temperatura, apesar da exposição às radiações solares. O MIRI (Mid InfraRed Instrumentum) opera a uma temperatura de apenas seis graus acima do zero absoluto, garantida por um refrigerador mecânico de hélio. As peças hexagonais individuais são reguladas independentemente, mediante as técnicas de óptica adaptativa que corrigem continuamente a precisão da imagem apontada.
Se estamos acostumados com grandes precisões em atividades científicas na Terra, como operações cirúrgicas sofisticadas ou o funcionamento dos detectores dos grandes aceleradores de partículas, o fato de gerar essa precisão a milhões de quilômetros da Terra, com controles remotos, não deixa de surpreender.
Nebulosa NGC 3132 (Foto: NASA, ESA, CSA e STScI)
As imagens do Telescópio Espacial James Webb não nos falam apenas sobre os objetos cósmicos: falam também sobre nós mesmos. Elas nos dizem quem somos.
Uma espécie biológica que, em poucas centenas de milhares de anos, deixou de resolver problemas de sobrevivência primária para se fazer perguntas filosóficas sobre a sua origem e o seu destino. Em pouco mais de 300 anos, ela passou do estabelecimento das equações diferenciais para compreender como representar teoricamente o universo em que vive. Em menos de 200 anos, passou da descoberta das equações do eletromagnetismo para o gerenciamento de instrumentos de medição altamente sofisticados a milhões de quilômetros do nosso planeta.
Esse é o Homo sapiens. E isso nos diz muito sobre a sua unicidade, sobre o mistério que ele é em si mesmo, neste universo em que habita.
Eu sou um sacerdote católico. Hoje, na celebração da Santa Missa, coloquei idealmente sobre o altar, junto com o pão e o vinho, “fruto da terra e do trabalho humano”, o extraordinário trabalho que permite ao JWST funcionar e nos enviar os seus maravilhosos resultados. Trabalho de homens e mulheres que testemunham a grandeza da inteligência humana, mas também, acrescento de bom grado, junto com todos os fiéis em Deus, a grandeza do Criador de quem somos imagem.
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As primeiras cinco imagens apresentadas e comentadas pela NASA. Confira aqui.
Página do Instituto Nacional de Astrofísica (INAF) da Itália dedicada ao JWST. Confira aqui.
As primeiras cinco imagens do JWST comentadas pelo INAF. Confira aqui.
O verbete da Wikipédia sobre o JWST. Confira aqui.
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Profundidade do universo, mistério do ser humano. Artigo de Giuseppe Tanzella-Nitti - Instituto Humanitas Unisinos - IHU