28 Junho 2017
Em Gênesis 1:3 diz: "E disse Deus: Haja luz. E houve luz".
Mas isso foi apenas o princípio da criação divina do Universo. Isto, de acordo com a Bíblia, é o que Deus fez com essa luz depois:
E disse Deus: Haja luminares na expansão dos céus, para haver separação entre o dia e a noite; e sejam eles para sinais e para tempos determinados e para dias e anos;
E sejam para luminares na expansão dos céus, para iluminar a terra. E assim foi.
E fez Deus os dois grandes luminares: o luminar maior para governar o dia, e o luminar menor para governar a noite; e fez as estrelas.
E Deus os pôs na expansão dos céus para iluminar a terra,,
E para governar o dia e a noite, e para fazer separação entre a luz e as trevas. E viu Deus que era bom.
No século XIII, um erudito Inglês da Ordem Franciscana pensou sobre o tema.
A reportagem é publicada por BBC, 25-06-2017. A tradução é de Henrique Denis Lucas.
Robert Grosseteste trabalhava em um dos grandes centros de aprendizagem em Oxford, lugar em que as pessoas recém haviam começado a chamar de "universidade".
Para Grosseteste - cuja mente estava repleta de arco-íris e raios de luz - tudo, até mesmo o ato divino primordial da própria criação, estava relacionada com a luz.
No entanto, como exatamente Deus a criou?
A resposta do religioso é verdadeiramente excepcional. Sua teoria foi a primeira tentativa de descrever os céus e a Terra, usando um conjunto de leis.
Do seu ponto de vista, tudo havia começado com luz e matéria explodindo do centro para fora: um Big Bang medieval.
Sua história é repleta de invenções e uma imaginação atrevida, de como a fé em princípios matemáticos e científicos combinados com a crença em um cosmos ordenado por Deus, deu lugar a uma ideia surpreendentemente profética.
A Luz, sempre presente e sempre divina, mas o que é isso?
Mas o que é a luz? Essa pergunta nunca foi simples.
Alguns dos primeiros escritores cristãos pensavam que haviam dois tipos diferentes de luz.
A lux, como se chamava em latim, era o que Deus usava para fazer o cosmos, uma espécie de força criativa divina, quase uma manifestação do próprio Deus.
A outra era lumen, a luz comum que emana dos corpos celestes e nos permite ver as coisas.
Essa visão da iluminação é evidente para quem tenha estado em uma catedral gótica inundada de luz que entra pelos vitrais das janelas.
Os sacerdotes e teólogos pensavam que ao contemplar a bela lumen na igreja, os fiéis seriam atraídos para a lux bendita de Deus.
Apesar de que hoje em dia parece haver um conflito entre ciência e religião, durante grande parte da história a religião foi uma grande motivação para querer saber mais sobre o mundo.
Nas escolas das catedrais dos séculos XI e XII - predecessoras das universidades - alguns estudiosos pensavam que era seu dever aprender mais sobre o Universo que, para eles, Deus havia criado.
Não consultavam apenas a Bíblia: liam os escritos dos antigos gregos como Platão, Aristóteles e Hipócrates, que haviam sido preservados em traduções feitas por escritores islâmicos.
A aprendizagem sobre o mundo natural floresceu na era das grandes catedrais góticas, e muitos historiadores falam de um primeiro
Renascimento no século XII.
Robert Grosseteste nasceu em meio a esta excitante época.
No início do século XIII ele era um professor proeminente, erudito e, como todos os pesquisadores em Oxford, um cristão devoto. Em 1235, tornou-se Bispo de Lincoln.
Para ele, a luz era uma das mais maravilhosas criações de Deus.
"A luz física é a melhor, a mais agradável, a mais bela de todas as entidades que existem. A luz é o que constitui a perfeição e a beleza de todas as formas físicas", ele escreveu.
Mas Grosseteste não se conformava em sentar-se e apreciar a luz que entrava através das grandes janelas da catedral gótica de Lincoln. Começou a estudá-la como um cientista.
Analisou por exemplo a passagem da luz através de um copo de água.
Ele percebeu que as lentes podem ampliar objetos, e quando alguém lê o que ele escreveu sobre isso se pergunta por que demorou mais 300 anos antes de que os telescópios e microscópios fossem inventados.
"Esta parte da óptica, quando bem compreendida, mostra-nos como podemos fazer com que as coisas que estão a uma grande distância pareçam estar muito próximas, e as coisas que são grandes e que estão perto pareçam muito pequenas, e como podemos fazer que as pequenas coisas que estão longe pareçam de qualquer tamanho que queiramos; de maneira que poderia ser possível para nós lermos as letras mais pequenas a distâncias incríveis, ou contar a areia, ou as sementes, ou qualquer tipo de objetos minúsculos".
Ele notou além disso, que a luz desvia ao passar do ar ao vidro ou água, um efeito chamado de refração.
Como outros antes dele, viu que a luz poderia dividir-se em um espectro colorido como um arco-íris, e escreveu um tratado sobre os arco-íris em que ele chegou perto de explicar como eles se formam: pensava que as nuvens agiam como uma lente gigante que refratava a luz e a tornava cores.
Em 1225, Grosseteste reuniu o que havia aprendido da luz em um livro chamado simplesmente "De luce"(Sobre a luz).
Era uma mistura de teologia, ciência, metafísica e especulação cósmica.
Mas tratava, em particular, da questão de como Deus fez todo o cosmos usando a luz.
Em vez de ver a Criação como uma espécie de ato de magia, Grosseteste começou a transformá-la em algo mais parecido a um processo natural, algo que agora chamaríamos de "estudo científico".
Não se conformou em deleitar-se com a luz que entrava pelas janelas e enchia de cor sua catedral.
Como muitos de seus contemporâneos, ele acreditava que Deus trabalhava com princípios simples baseados em regras que a humanidade poderia compreender usando a lógica, geometria e as matemáticas.
"Todas as causas de efeitos naturais devem ser expressadas por meio de linhas, ângulos e figuras, porque caso contrário, seria impossível ter conhecimento da razão para estes efeitos", ele escreveu.
E, como o Universo era governado pelas matemáticas, era ordenado, racional e as suas regras poderiam ser deduzidas.
Na verdade, a descrição de Grosseteste sobre a criação divina registrada em De luce é tão precisa que pode ser expressa em um modelo matemático, algo que os historiadores e cientistas da Universidade britânica de Durham fizeram com a ajuda de um computador.
Para Grosseteste e seus contemporâneos, o universo consistia na Terra, no centro, e todos os corpos celestiais - o sol, a lua, os sete planetas conhecidos e as estrelas - girando ao seu redor em círculos perfeitos.
Mas, para ele, tudo começou com uma espécie de Big Bang em que uma explosão de luz - do tipo lux - fez com que uma densa bola de matéria se expandisse, tornando-se cada vez mais ligeira e diluída.
"Essa expansão dispersa da matéria 'dentro de uma esfera do tamanho da máquina do mundo', que é como o cosmos é nomeado", conta para a BBC, Tom McLeish, um dos físicos da Universidade de Durham que traduziram a teoria cosmológica de Grosseteste em um modelo matemático.
"Mas logo encontra-se um problema: esse Universo não pode expandir infinitamente, porque naquela época o Universo era enorme, porém finito. Como detê-lo? Com uma brilhante ideia científica. Pensando como um cientista ele recorre a algo simples para explicar não só como o Universo deixa de se expandir, mas como as esferas são formadas".
"Se não se pode alcançar o vazio, porque a natureza o aborrece - ele reflete -, deve haver uma densidade mínima, e quando se chega a esta, é preciso cristalizá-la".
Seguindo essa linha de pensamento, isso ocorreria primeiramente na parte mais distante: o firmamento. Este se cristaliza primeiro e se aperfeiçoa, adquirindo luz - lumen -, que também empurra a massa, neste caso, para dentro, e assim vão sendo criadas as esferas em que os planetas, o Sol, a Lua e a Terra residem.
"O outro pensamento moderno que ele teve foi que, quando olhamos para o céu, o Universo que vemos de alguma forma contém a pegada ou o eco dos processos que o formaram", assinala McLeish.
"Isso é precisamente o que os cosmólogos pensam atualmente... lembre-se da busca do eco do Big Bang por microondas!", acrescenta com entusiasmo.
"A única obscuridade da Idade das Trevas (entre a queda de Roma e o Renascimento) é nossa ignorância sobre essa época. Grosseteste é um pensador profundamente impressionante", declara McLeish.
"A história que me contaram quando era jovem era que antes de 1600 não havia nada mais do que misticismo, teologia, o dogmatismo, etc. E de repente surgiram Galileu, Kepler, uau! Tudo é luz e Iluminação, e voltamos a nos encaminhar com a ciência", conta o físico.
"Mas a verdade é que a ciência não funciona assim. Todos damos pequenos passos e, como disse Isaac Newton, todos nós subimos sobre os ombros de gigantes. E Grosseteste é um desses gigantes em cujos ombros os primeiros cientistas modernos subiram".
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A extraordinária e premonitória teoria do Big Bang do bispo medieval Robert Grosseteste - Instituto Humanitas Unisinos - IHU