29 Junho 2022
Celerino Carriconde fala sobre o Centro Nordestino de Medicina Popular e o papel das PANCs.
A palavra “saúde” costuma ser popularmente associada a ambientes hospitalares, remédios e à centralização do conhecimento nas figuras de profissionais como médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, entre outros. Mas, a medicina é uma prática milenar e ancestral, que carrega consigo a cultura de seus povos e o uso do que a natureza nos oferece como recursos para a cura.
Nessa perspectiva, a alimentação saudável também pode ser considerada um elemento essencial na saúde e, para muitos, também um remédio. Para falar sobre o tema, o Brasil de Fato Pernambuco entrevistou o médico naturalista e presidente do Centro Nordestino de Medicina Popular, Celerino Carriconde, no programa Trilhas do Nordeste. Confira:
A entrevista é de Helena Dias, publicada por Brasil de Fato, 26-06-2022.
Celerino, conta para a gente quais são as principais perspectivas de uma medicina popular e como ela é colocada em prática no dia a dia.
Medicina popular é seu pai quando faz um chazinho em casa. Isso é medicina popular, medicina do povo. A medicina nasce de que? Da observação empírica do povo. Quantas descobertas vieram a partir da sabedoria popular de uma hora de desespero? Por exemplo, como nasceu a aspirina? Havia nos Estados Unidos, no final do século 19, um pelegrês que ele gostava de uma mulher que tinha artrite reumatoide e ela tinha muitas dores. Ele um dia rezou e pediu a Deus inspiração para descobrir um remédio, acordou pela manhã e descobriu um salso-chorão e daí nasce a aspirina. Aí depois um laboratório alemão, a Bayer, pegou assim e disse “química”. A aspirina hoje está matando, mas a planta medicinal não, porque a planta é o fitocomplexo que atua e não uma estrutura química feita em laboratório. Eu tenho que responder à demanda do povo. Eu não sei o que fazer, mas ele vai me revelar. O povo tem sabedoria, o povo é uma fonte inesgotável de sabedoria, segundo Che Guevara.
O Centro Nordestino de Medicina Popular é um espaço que compartilha dessa visão. Como é a atuação por lá? Com o que vocês atuam e com quem?
Olha, a nossa ONG, que é uma entidade sem fins lucrativos, o papel nesse momento com a crise que está, a coisa mais importante é ajudar as comunidades que estão mais necessitadas. O nosso papel é ajudar parte da sociedade. Trabalhamos a questão de gênero, segurança alimentar, planta medicinal, educação para saúde. A questão da agricultura orgânica, que hoje o futuro é orgânico, porque o que está matando hoje é alimentação, são os processados e ultraprocessados que estão matando a gente e levando a doenças seríssimas, inclusive o câncer.
Celerino, em artigo no Brasil de Fato, você falou sobre o aumento dos agrotóxicos na produção de alimentos no Brasil. Como que isso impacta na nossa saúde?
Impacta o planeta, o planeta está ameaçado. Essas pragas que estão aí são provocadas pela superpopulação, para ir dentro das metrópoles das grandes cidades, para deixar o campo e no campo usando mitos venenos e se alimentando mal na cidade, termina em um problema seríssimo. Ainda mais no Brasil hoje, não vou dizer quem porque não vou perder meu tempo… Problema de câncer de pele, de câncer em geral, isso é agrotóxico, para o agricultor. Agora, o alimento processado e ultraprocessado, como é que está esse alimento? Como é que está a produção das verduras que eles estão comendo? Isso é fundamental para as pessoas começarem a tomar consciência, que mais vale gastar em alimentos naturais do que comprar remédio na farmácia. Uma boa alimentação hoje é mais importante, porque uma boa alimentação você vai se sentir mais saudável, não vai precisar usar o remédio. Agora, as pessoas acham muito caro o orgânico… Caro está você dar o remédio da farmácia. Então é importante as pessoas perceberem que hoje remédio está na comida, que a saúde está no teu hábito de alimentação.
O médico naturalista e presidente do Centro Nordestino de Medicina Popular, Celerino Carriconde, trabalha difundindo os conhecimentos populares sobre saúde (Foto: Divulgação | Brasil de Fato)
A gente vive em uma região que é o Nordeste, que é marcada por um imaginário criado de muita seca e falta de abundância, mas a gente sabe que a agroecologia, inclusive, ela desconstrói essa narrativa. A gente sabe que tem muita coisa para cativar aqui no Nordeste. Que tipo de alimento você indica que é daqui da nossa região e que pode nos ajudar tanto na nossa alimentação quanto na nossa saúde?
Qual é o alimento passado do povo? O que o povo comia antigamente? Macaxeira, inhame, milho, arroz, feijão, rapadura. Então, é muito importante o pessoal usar as famosas PANCs, Plantas Alimentícias Não-convencionais. Por exemplo, ora-pro-nóbis, taioba, batalha que é riquíssima em cálcio… E o povo conhece isso. Quando cheguei aqui, o povo não dizia, porque era remédio de pobre comer aquilo ali. E disse “olha, tem que comer que é importante, que é riquíssimo em cálcio”, "melhor que tomar leite”.
A gente está agora em tempos de chuva e, infelizmente, esse tempo ocasiona muita doença respiratória. Quem tem alergia, por exemplo, sofre muito com esse tempo. O que você indica para gente em relação a isso? Como a gente trata dessas vias respiratórias?
Neste caso concreto do catarro, por exemplo, da bronquite, nessa época do ano, tem um xarope que você pega quando está com catarro, a primeira coisa que tem é que bronquite não é infecção, é uma inflamação. Não toma antibiótico. Tem médico que dá antibiótico para bronquite, até para diarreia estão dando antibióticos, está errado. Aí o que você faz? Pegar um mamão verde, que tem papaína, tira a tampa de cima, tira a semente e coloca açúcar preto e nos cravinhos. Põe no forno com fogo lento. Vai ter xarope espetacular que vai amolecer o catarro e vai eliminar. Vai evitar as consequências mais sérias da bronquite.
Celerino, a gente está vivendo uma realidade atual de desmonte das políticas públicas. Mesmo passando por uma pandemia, a gente sabe que tem desmonte inclusive na área de saúde. E a gente viu que o Sistema Único de Saúde (SUS) foi essencial para a gente vivenciar esse processo. Como é que você acredita que o que estamos conversando aqui pode virar política pública em um cenário desse de desmonte?
Nesse momento histórico, nós podemos voltar a vinte anos atrás, na década de 80, que o povo morria de fome, de doença, de praga e tudo mais. O mercado interno era de 30 milhões de consumidores e um cara subiu ao poder, não um doutor, não um militar, mas um operário nordestino subiu ao poder e passou de 30 para 70 milhões para alimentar. Até o rei da Espanha falou: ‘Lula é o cara, porque ele mudou esse país.
Então, eu tenho certeza que a história vai se repetir. Se repetiu no negativo, porque foram os militares antes que criaram a miséria. Outro militar assim criou a miséria, e esse aqui, um trabalhador, vai recuperar esse país. E acredito que a única saída para mudar política pública realmente é mudando o poder. Quando chegar no poder pessoas comprometidas com o povo e com a situação de miséria do povo, ele muda o país. Tenho certeza que nós vamos ganhar e vamos mudar esse país.
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“O futuro é orgânico, porque o que está matando hoje é alimentação”, afirma médico naturalista - Instituto Humanitas Unisinos - IHU