Sobrecarga da Terra: superpopulação e superconsumo

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02 Agosto 2018

"É preciso abandonar o “crescentismo” ou “crescimentomania” (doença do crescimento a qualquer custo), dando mais ênfase à redução das desigualdades sociais para se atingir o bem-estar populacional e buscar, urgentemente, um relacionamento justo e sustentável com a natureza, com o clima e com as demais espécies vivas da Terra", escreve José Eustáquio Diniz Alves, doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE, em artigo publicado por EcoDebate, 01-08-2018.

Eis o artigo.

“Precisamos pegadas menores, mas também precisamos de menos pés”.
(Enough is Enough, 2010)

Hoje, 01 de agosto, é o Dia da Sobrecarga da Terra. Significa que a humanidade já consumiu todos os recursos renováveis para o ano completo de 2018. Nos próximos 5 meses, a economia internacional vai funcionar na base do déficit ambiental, consumindo a herança deixada pela “Mãe natureza”. Serão cinco meses de sobrecarga e degradação ambiental, fato que compromete a sustentabilidade ecológica no longo prazo, pois diminui a biocapacidade do Planeta.

Portanto, o caminho atual trilhado pelo ser humano é insustentável, pois a taxa de utilização da riqueza natural está acima da taxa de regeneração dos ecossistemas e as atuais gerações estão comprometendo a capacidade de sobrevivência das futuras gerações e das demais espécies vivas da “Nossa casa comum”. As atividades humanas ultrapassaram a capacidade de carga do Planeta e será impossível continuar enriquecendo a humanidade às custas do empobrecimento ambiental.

Nos últimos 45 anos a Pegada Ecológica mundial ultrapassou a biocapacidade do Planeta, segundo dados da Footprint Network. Em 1961, a biocapacidade do Planeta era de 9,5 bilhões de hectares globais (gha) e a pegada ecológica era de 7 bilhões de gha. O mundo, com uma população de 3 bilhões de habitantes, tinha superávit ambiental, pois a pegada ecológica per capita era de 2,29 gha e a biocapacidade per capita era de 3,13 gha. Mas a partir do início dos anos de 1970, os valores das duas medidas se inverteram e o mundo começou a experimentar déficits ambientais crescentes.

Em 2014, o mundo tinha uma população 7,4 bilhões de pessoas, com uma pegada ecológica per capita de 2,84 hectares globais (gha) e uma biocapacidade per capita de 1,68 gha, como resultado, houve um déficit total de 70%. Ou dito de outra maneira, o mundo estava consumindo o equivalente a 1,7 planeta. Portanto, a população mundial vive no vermelho e tem um produto da multiplicação entre população e consumo que é insustentável.

Algumas pessoas dizem que o déficit ambiental é provocado pela superpopulação. Outros dizem que o déficit é gerado pelo superconsumo. De certa forma, os dois lados estão certos. Os dados de 2014 mostram que se o consumo for reduzido, por exemplo, baixando a pegada ecológica de 2,84 gha para 1,68 gha (redução do padrão de consumo médio global) o Planeta entra em equilíbrio ambiental. Mas os dados também mostram que se a população de 2014 for reduzida de 7,4 bilhões para 4,3 bilhões de habitantes a biocapacidade per capita global passaria para 2,84 gha (12,2 bilhões de gha divididos por 4,3 bilhões de habitantes), eliminando o déficit. Ou seja, o equilíbrio entre a biocapacidade e a pegada ecológica pode ser atingido reduzindo a pegada ecológica ou diminuindo o número de pés (Enough is Enough, 2010).

Mas também existe o caminho do meio que seria reduzir o consumo, por um lado, e diminuir o tamanho da população, por outro lado. Por exemplo, se o consumo for reduzido de 2,84 gha para 2,26 gha e a população for reduzida para 5,4 bilhões de habitantes (o que daria uma biocapacidade de 2,26 gha), o equilíbrio ambiental se daria pela restrição simultânea do superconsumo e da superpopulação.

Vejamos o caso de dois continentes que apresentam comportamento diametralmente oposto em relação ao padrão de consumo.

A Europa, com população de 730 milhões de habitantes em 2014, tinha uma pegada ecológica de 4,69 gha e uma biocapacidade de 3,07 gha. Portanto, os europeus possuem um padrão de consumo bem acima da média mundial, gerando um déficit ambiental. Claramente, a Europa tem um problema de superconsumo. Se o estilo consumista for abrandado, por exemplo, para 3,07 gha, a Europa poderia manter um consumo acima da média mundial, mas eliminaria o déficit ambiental, pois a pegada ecológica e a biocapacidade per capita ficariam em 3,07 gha.

No continente africano a situação é oposta. A África tinha em 2014 uma população de 1,05 bilhão de habitantes com pegada ecológica per capita de 1,39 gha e biocapacidade de 1,29 gha. Existe consenso que o consumo per capita da África é muito pequeno, implicando em baixo padrão de vida. Portanto, a África tem subconsumo e não superconsumo. Vamos supor que a pegada ecológica do continente subisse para 2,26 gha. Para haver equilíbrio a população teria de ser reduzida para 601 milhões de habitantes para atingir uma biocapacidade per capita também de 2,26 gha.

Existem várias formas para se reduzir o déficit ambiental. Pode haver equilíbrio ecológico via redução do consumo, via redução da população, ou via redução simultânea dos dois vetores que estão degradando a saúde dos ecossistemas. Todavia, reduzir a população e o consumo no curto prazo é muito difícil. Mas ao longo do século XXI é possível planejar um decrescimento demoeconômico que coloque as atividades antrópicas em equilíbrio homeostático com a biocapacidade do Planeta, única forma de se evitar um colapso ambiental e civilizacional. Como explica Herman Daly, em entrevista recente (2018):

“O impacto ambiental é o produto do número de pessoas vezes que o uso de recursos per capita. Em outras palavras, você tem dois números multiplicados um pelo outro – qual é o mais importante? Se você mantiver uma constante e deixar a outra variar, você ainda está multiplicando. Não faz sentido para mim dizer que apenas um número é importante. No entanto, ainda é muito comumente dito. Suponho que faria algum sentido se pudéssemos nos diferenciar histórica e geograficamente – para determinar em que ponto da história, ou em que país, qual fator merecia maior atenção. Nesse sentido, eu diria que, certamente, para os Estados Unidos, o consumo per capita é o fator crucial – mas ainda estamos multiplicando pela população, então não podemos esquecer a população. No nordeste do Brasil, por outro lado, a população estava – pelo menos na época em que morei lá – crescendo extremamente rápido, então talvez seja na demografia que a ênfase deveria ser colocada”.

Portanto, para evitar o superconsumo e a superpopulação, podemos colocar mais ênfase na redução do consumo ou mais ênfase na redução da população. Evidentemente, isto varia de país a país. Mas em termos globais, neste momento em que a humanidade já ultrapassou a capacidade de carga da Terra, somente a redução do consumo global e da população global pode evitar um colapso ambiental e reduzir os danos de uma grande crise ecológica. Como dizia Jacques Cousteau: “O superconsumo e a superpopulação estão por trás de todos os problemas ambientais que enfrentamos hoje”.

Ao longo do século XXI é necessário haver decrescimento demoeconômico até se atingir o nível de equilíbrio do Estado Estacionário, conforme explica Herman Daly.

O desafio global mais candente e que requer uma resposta imediata é a reversão do rumo insustentável da economia internacional. É preciso abandonar o “crescentismo” ou “crescimentomania” (doença do crescimento a qualquer custo), dando mais ênfase à redução das desigualdades sociais para se atingir o bem-estar populacional e buscar, urgentemente, um relacionamento justo e sustentável com a natureza, com o clima e com as demais espécies vivas da Terra.

Referências:

HERMAN DALY. Ecologies of Scale, Interview by Benjamin Kunkel. New Left Review 109, January-February 2018.

O’Neill, D.W., Dietz, R., Jones, N. (Editors), Enough is Enough: Ideas for a sustainable economy in a world of finite resources. The report of the Steady State Economy Conference. Center for the Advancement of the Steady State Economy and Economic Justice for All, UK, 2010. 

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