16 Julho 2010
A psicóloga Edna do Amaral trabalha há muitos anos com a questão da homeopatia. Em 1996 ela presidiu o Congresso Brasileiro de Homeopatia, ocasião em que, junto com a Associação Matogrossense de Homeopatia (AMH) e a Associação Brasileira de Homeopatia (ABH), defendeu-se da denúncia de prática ilegal da medicina. Na entrevista a seguir, concedida por telefone à IHU On-Line, Edna fala do trabalho da Associação Brasileira de Homeopatia Popular e analisa a relação das mulheres e das comunidades em relação a essa medicina alternativa. “A homeopatia vê tudo de uma forma integrada, as pessoas de uma forma integral: a saúde, o corpo, a mente, o espírito, o meio em que se vive, a relação com o meio e com as pessoas umas com as outras. Se a pessoa não conseguir perceber essa relação dela com o ambiente, com as pessoas e com ela mesma, a homeopatia se inviabiliza enquanto tratamento”, explicou
Edna Fernandes do Amaral é graduada em psicologia, com especialização em Psicologia Educacional pela Universidade Federal de Mato Grosso, onde também realizou o mestrado em Educação. É autora de A Cura pelos Semelhantes (Cuiabá: Masiero, 1990) e Texto Base do II Congresso Brasileiro de Homeopatia Popular (Cuiabá: Masiero, 2007).
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como funciona a Associação Brasileira de Homeopatia Popular?
Edna do Amaral – A Associação Brasileira de Homeopatia Popular, com sede em Cuiabá, tem sócios distribuídos em praticamente todos os estados do país. Ela funciona com uma diretoria nacional composta por 12 membros e pelos sócios nas regiões e não possui ainda filial. Realizamos assembléias nacionais a cada dois anos e a cada quatro anos é realizado um Congresso.
IHU On-Line – Como a senhora analisa a relação das mulheres com a homeopatia?
Edna do Amaral – A questão da educação e da saúde sempre foi uma ação muito mais feminina. Isso em função dos vários papéis assumidos pela mulher, como o de mãe que cuida da saúde da família e sua comunidade. A homeopatia sempre foi uma prática mais popular nas comunidades, com forte atuação de mulheres e homens, uma vez que ela é uma prática mais técnica e laboratorial. Como está próxima da medicina, a homeopatia sempre teve uma participação masculina em sua ação.
Ainda que a participação dos homens seja marcante na prática homeopática, no Brasil, no mínimo 80% das atuantes são mulheres. Lavradores e homens que cuidam da terra e criam ou tratam animais são os principais interessados no processo de estudo e de aplicação da homeopatia. Isso porque há um forte trabalho de debate sobre a agroecologia e homeopatia.
IHU On-Line – A presença de homeopatas numa comunidade muda relações que se estabelecem naquele espaço?
Edna do Amaral – Muito, porque a teoria homeopática, por princípio, já tem um cuidado mais ampliado, que é um cuidado com a terra, com os animais, com as plantas e com as pessoas. A homeopatia não tem como finalidade só o cuidado de tratar da doença, mas antes de tudo cuidar da saúde. E, com isso, a homeopatia vê tudo de uma forma integrada, as pessoas de uma forma integral: a saúde, o corpo, a mente, o espírito, o meio em que se vive, a relação com o meio e com as pessoas umas com as outras. Se a pessoa não conseguir perceber essa relação dela com o ambiente, com as pessoas e com ela mesma, a homeopatia se inviabiliza enquanto tratamento. Isso traz uma mudança muito grande na pessoa e no mundo em que ela vive.
IHU On-Line – A homeopatia também pode ser vista como uma crítica ao atual sistema de saúde?
Edna do Amaral – Com certeza. Nós já construímos uma grande rede de saúde pública no país, porque são muitas pessoas atuando na questão da promoção da saúde através da homeopatia. A grande diferença entre alopatia e a homeopatia é justamente o fato de o foco da homeopatia não estar na doença. Para a alopatia não importa a pessoa, mas a doença. A homeopatia se preocupa com a reorganização do organismo e do meio em que a pessoa está inserida, para manter a qualidade de vida e da saúde e fazer um processo tanto de promoção como de prevenção.
Através dessa ideia é possível fazer uma saúde mais barata e com maior qualidade. Não precisamos abandonar a alopatia, pois ela também tem suas vantagens e contribuições. Toda a ciência avançou e isso não pode ser negado, mas ela tem uma contribuição num momento específico e a homeopatia tem muito a contribuir naquilo que é a promoção e prevenção da saúde. A homeopatia tem muito a contribuir na questão das endemias, como a dengue e as gripes. Essas doenças podem ser prevenidas com a homeopatia de forma barata e com controle social. A questão é fazer um trabalho de educação em saúde onde a própria população pode propagar a informação.
IHU On-Line – Hoje, quantos medicamentos homeopáticos são disponibilizados à população?
Edna do Amaral – O SUS em si, em alguns municípios, tem dado os primeiros passos na discussão da homeopatia. Não existe na homeopatia um número exato de medicamentos. Há, pelo menos, 12 plantas que os médicos podem indicar como tratamento. Mas, no geral, é quase impossível quantificar a quantidade de medicamentos produzidos a partir de plantas.
IHU On-Line – E qual a relação da homeopatia com o SUS?
Edna do Amaral – Existe uma discussão nacional para que haja a implementação da homeopatia no sistema público de saúde. Há uma discussão da importância, depois de muitas lutas dos médicos e da população organizada, de ter conseguido a aprovação da portaria que trata da implantação da homeopatia e das práticas complementares no sistema da saúde, como a Homeopatia, fitoterapia e acupuntura. Já é possível o SUS incorporar a homeopatia no sistema, contratar médicos, só que isso representa um custo para o SUS e, por isso, não tem sido encaminhado e viabilizado de uma forma geral. Existem experiências nesse sentido no Rio de Janeiro e em São Paulo, mas ainda há muito a avançar. No geral, falta resposta e interesse do SUS pela homeopatia.
IHU On-Line – Os medicamentos dispensados nas farmácias da rede SUS precisam ser prescritos pelos médicos. Há médicos homeopatas em número suficiente para atender a população?
Edna do Amaral – Não, não existe.
IHU On-Line – Como a senhora avalia o modelo de farmácia homeopática no Brasil?
Edna do Amaral – O modelo de farmácia homeopática no Brasil é eficiente. O modelo homeopático do sistema público tem condições de funcionar, mas não existe ainda. O que existe são farmácias comerciais homeopáticas, que são, no geral, de grande potencialidade e qualidade. Nós recebemos pouquíssimas denúncias ou informações de farmácias homeopáticas que não atuam de forma correta, mas existem farmácias que não correspondem ao padrão oficial. Como a homeopatia é uma medicação que laboratorialmente, com um princípio ativo anterior que garante sua funcionalidade, há a possibilidade de algumas falsificações. Esse é o grande risco que corre a homeopatia. No país, as farmácias homeopáticas, de uma forma geral, são bem confiáveis.
O trabalho da educação da homeopatia popular é uma prática realizada por leigos. E isos é necessário para a viabilização das farmácias homeopáticas populares. Cerca de 80% dos nossos educadores em saúde são voluntários, que tem um objetivo social de organização, educação e de luta pela saúde, e, portanto, visam buscar a funcionalidade do SUS onde a homeopatia esteja inserida.
IHU On-Line – Como você vê a questão do ato médico?
Edna do Amaral – O ato médico é uma questão política da medicina oficial na tentativa de controle de um campo que, na verdade, é popular. A medicina oficial, com o ato médico, quer manter o controle da saúde na mão de uma única classe. Mas a população não pode ser submetida a esse tipo de ação. Existem outras alternativas que ultrapassam a medicina oficial, como, por exemplo, a medicina milenar ou a medicina chinesa. A medicina oficial é importante sim, mas não é o único caminho. Eu sou a favor de uma medicina aberta, com espaço para as alternativas também.
IHU On-Line – Como a senhora vê a presença da homeopatia no mundo?
Edna do Amaral – A homeopatia tem se desenvolvido muito no mundo todo. Em Portigal há, inclusive, uma Associação Medica de Homeopatia. Para os portugueses, a homeopatia não é uma atribuição do médico, mas do homeopata, ou seja, não passa pelo alopata. Lá, qualquer terapeuta pode ser homeopata. Na Suíça aprovaram, através de plebiscito, a homeopatia como um projeto de saúde pública. Esta ideia começa a ser implementada a partir de 2011. Há toda uma polêmica na Europa sobre a homeopatia, mas esse campo tem crescido bastante. No Brasil, a homeopatia é uma especialização, ou seja, é preciso ser médico e, posteriormente, especializar-se em homeopatia. Na contramão, claro, existe a prática popular da homeopatia que tem uma outra história e está inserida no dia a dia da população.
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Homeopatia: medicina popular a serviço de todos. Entrevista especial com Edna do Amaral - Instituto Humanitas Unisinos - IHU