24 Mai 2022
"O patriarca de todas as Rússias esmigalha o pensamento democrático originado pela Revolução Francesa. E o faz citando um filósofo cristão, Nikolai Berdjaev, que denunciou a decadência ocidental devido ao verme do democratismo."
O comentário é de Fabrizio D'Esposito, publicado por Il Fatto Quotidiano, 23-05-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Cotidiano de um clérigo de estado, ou melhor, de um "coroinha de estado", para usar a expressão do papa Bergoglio. Vamos tentar imaginar a cena, com o próprio Francisco participando de uma sessão parlamentar na Itália dedicada às "Leituras Educacionais Internacionais" e fazendo um longo e denso discurso.
Pois bem, isso é o que acontece na Rússia cesaropapista de Vladimir Putin. Em 17 de maio último, o agora conhecido Kirill, patriarca ortodoxo de Moscou, falou ao Conselho da Federação Russa (câmara alta do Parlamento) por ocasião das XXX Leituras Educacionais Internacionais no 350º aniversário do nascimento de Pedro I, czar e mais tarde primeiro imperador. O clericalismo de Estado toma forma desde a cena inicial. Para a série: a forma também é importante. Kirill diz: “Valentina Ivanovna, provavelmente exagerei, peço logo desculpas. De alguma forma esse tópico me pegou e eu escrevi, escrevi, escrevi... Depois eu olhei, eu pensei: não, metade deveria ser apagada, mas isso teria sido uma pena. Portanto, provavelmente, não vou respeitar o tempo que deveria ser de acordo com as regras. Portanto, se parecer completamente errado para vocês que eu continue lendo o texto preparado, por favor, me interrompam.”
Preocupação avassaladora. Valentina Ivanovna Matvienko, Presidente do Conselho Federal, uma verdadeira Casellati russa, responde: “Sua Santidade! Não existem regras para o senhor!” Justamente.
Kirill traça pela enésima vez (é uma de suas características) séculos de eventos patrióticos e atribui quase todas as culpas ao Ocidente: "Não é segredo que nos últimos séculos as divisões entre os povos da Rússia histórica foram provocadas artificialmente, inclusive do exterior". Qualquer referência à invasão da Ucrânia é puramente intencional.
Mas o patriarca de todas as Rússias não para por aí e também esmigalha o pensamento democrático originado pela Revolução Francesa. E o faz citando um filósofo cristão, Nikolai Berdjaev, que denunciou a decadência ocidental devido ao verme do democratismo: “'Igualdade, fraternidade, liberdade' causou confusão nas pessoas. E Berdjaev escreveu maravilhosamente, destruindo essa mesma ideia de 'igualdade, fraternidade e liberdade'". Segundo ele, onde há liberdade, não pode haver igualdade.
A igualdade está no gramado, que é cortado, mas não há liberdade. E o gramado à beira da floresta é o reino da liberdade, mas ali não há igualdade”.
Para um Estado forte, além disso, são necessárias leis contra a "cultura de massa destinada à satisfação das paixões". O mal do "relativismo moral", já no centro do pontificado de Bento XVI, para dar um exemplo. Portanto: não aos casais homossexuais e não à ideologia de gênero, não ao aborto com bônus econômicos de Estado para as mulheres que levam até o fim a gravidez e, em geral, ajudas à família "tradicional". Na parte final de seu discurso, Kirill aborda o conflito "fratricida" na Ucrânia e o apoia com outra convicção: a inevitabilidade da guerra. Hoje e também amanhã: "Os confrontos militares sempre acompanharão a história da humanidade."
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Cesaropapismo. Contra a democracia e o relativismo moral: Kirill coroinha de Estado no Senado russo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU