19 Mai 2022
Precisamos mudar o sistema econômico, que nos vende a ideia de que é necessário destruir a natureza para obter bem-estar, destaca Francisco Serratos, autor de El Capitaloceno.
A reportagem é de Isaac Torres Cruz, publicada por La Crónica de Hoy, 17-05-2022. A tradução é do Cepat.
“Esta história começou com uma crise existencial e acabou em uma crise mundial”, relata Francisco Serratos sobre um livro inacabado, de coisas, lugares e objetos desaparecidos, de fantasmas que incluíam animais extintos. Essa porta abriu outra e esta por sua vez outra e assim sucessivamente até entrar na história mais dramática, real e de não retorno da humanidade: a crise climática e ambiental, que se tornou o maior desafio de nossa espécie.
Serratos (Veracruz, 1982) relata que abrir aquela porta foi um golpe emocional, um espasmo, um reconhecimento de que a maioria da população mundial desconhece a gravidade do assunto. “Vemos retalhos da realidade aqui e ali, um incêndio na Amazônia, uma inundação ou seca do outro lado do mundo…, mas todos são peças de um grande relato. Quando vemos que tudo está conectado e que todos seremos vítimas – uns mais que outros, dependendo da classe social –, tomamos consciência do problema e do que temos que fazer para resolver esta crise planetária e civilizatória que enfrentamos”.
É comum dizer e ouvir que a humanidade é uma praga, que em seu rastro só deixa destruição, no entanto, a culpa como espécie é uma suposição que passamos a acreditar, mas não, a culpa é mais específica, mais clara e aqueles que se beneficiam dela nos venderam um conceito absurdo de “desenvolvimento”, fundamentado na destruição e transformação dos ecossistemas. O culpado não é a humanidade, mas o sistema econômico sob o qual foi subjugada: o capitalismo.
Essa é uma das ideias fundamentais que Serratos desenvolve em El Capitaloceno (Editora UNAM), termo que faz alusão às etapas geológicas do planeta, conforme outros autores empregam para falar do Antropoceno. No entanto, o autor explica por que o termo defendido pelo historiador ambiental Jason W. Moore é mais preciso para explicar nossa crise.
“A ideia do Capitaloceno é ir além dessa abstração de culpar os humanos que, inerentemente, destroem o planeta devido à sua natureza, sem importar o contexto socioeconômico no qual nos desenvolvemos. Não obstante, quando realmente analisamos a história, conforme faço no livro, somos humanos agindo dentro de um sistema econômico específico que nos força a entrar em uma relação muito destrutiva com a natureza, a causa de nosso problema atual. O que precisamos é mudar o sistema, que nos vende a ideia de que é necessário destruir a natureza para alcançar bem-estar”, afirma o escritor, que no sábado, dia 21, apresentará seu livro no Festival El Aleph [Festival de Arte e Ciência da Universidade Nacional Autônoma do México – UNAM].
Para isso, o capitalismo usa armadilhas e cria uma ideia de “progresso”, “desenvolvimento” e “bem-estar” baseada na poluição de um rio, na destruição de uma montanha ou no desmatamento de uma floresta. Além disso, ressalta, ao olhar para os dados econômicos sobre a desigualdade e para aqueles que se beneficiam com a destruição da natureza, historicamente as culpas não se encaixam: um agricultor de um país subdesenvolvido não é o mesmo que uma pessoa rica em qualquer país, nem todos têm a mesma pegada de carbono.
É por isso que o escritor defende que as sociedades devem, por sua vez, repensar o conceito de “economia”, conforme formos resolvendo a crise climática. “Temos que repensar os conceitos de desenvolvimento e progresso e não colocar no centro a acumulação de riqueza, mas o bem-estar humano, não separado da natureza, porque somos inseparáveis e dependemos do meio ambiente, seus recursos e serviços”.
Em seu livro, Serratos ressalta que optar pelo conceito de Capitaloceno e não de Antropoceno é uma questão não apenas de precisão, mas também de justiça histórica, uma solução frente ao pessimismo e a inação.
“Historicamente, convivemos com a natureza há milhares de anos e não tínhamos provocado um impacto como agora, não é por acaso que a história do capitalismo é paralela ao colapso planetário. Apontar a raiz do problema é apresentar uma agenda de luta contra ele, mas incomoda sobretudo políticos e empresários”.
Para eles, não convém ser apontados como os herdeiros responsáveis pela crise, pois, ressalta, a luta contra a emergência não é científica. As sociedades humanas têm os recursos para resolver a crise, o que falta é vontade política e econômica para implementar esses recursos, pois atentam contra os privilégios de uma classe social que Serratos chama de polutocracia, aquela que se beneficia e acumula riqueza a partir da destruição da natureza. Falar de crise climática também é falar de disparidade social.
“Muitas pessoas ficam incomodadas em conceber a crise climática como uma guerra de classes sociais, mas a quem convém continuar com esse sistema? Aos que historicamente se beneficiaram, aos que acumularam riquezas ao longo desses séculos e que agora nos vendem a ideia de que o problema do sistema econômico era não incluir em sua equação aritmética o tema ambiental e que, para resolvê-lo, basta integrar as margens ecológicas”.
O problema, exemplifica, não é trocar carros a combustão interna por carros elétricos, que mantêm o esquema de consumo e extrativismo, que deixa intacto o tecido sociopolítico que nos levou a esse ponto de não retorno.
Mais exemplos: projetos como o Trem Maia e muitos outros na América do Sul, que prometem o desenvolvimento em detrimento do meio ambiente, partem do conceito de que a única forma de gerar desenvolvimento é usufruindo de natureza barata, seja petróleo ou expandindo a fronteira agrícola – “na Argentina, o desastre é do tamanho de Chernobyl devido ao uso de agrotóxicos” –, que por sua vez trazem mais problemas.
“Os governos chamados progressistas devem realmente repensar seu conceito de desenvolvimento e bem-estar e, em vez de realizar projetos de extrativismo, há opções muito fáceis de aplicar: tributar os mais ricos e financiar programas sociais, demandar em bloco o cancelamento da dívida externa, porque é uma forma de extrativismo de países ricos em pobres: os Estados precisam extrair cada vez mais porque têm a urgência de pagar sua dívida e financiar programas sociais.
- Historicamente, após o privilégio de alguns em detrimento de muitos, o que acontece na sequência é uma revolução.
- Andreas Malm – que cito constantemente no livro – diz que esta crise, ao contrário de outras, como a extrema desigualdade que levou às revoluções, não tem um objeto revolucionário. Não concordo muito com isso porque se essa crise climática e ambiental nos ensinou algo, é que se trata de uma das lutas mais democráticas que já enfrentamos historicamente. Ou seja, há muitas formas de lutar contra o sistema e diferentes formas de resistência que são aplicadas conforme os contextos das pessoas que lutam.
“Os povos indígenas, por exemplo, são sujeitos revolucionários frente ao extrativismo. Estão enfrentando o grande inimigo no sistema econômico que constantemente, para continuar gerando riquezas, precisa abrir fronteiras ativas: territórios indígenas. Sua luta é específica”.
Por outro lado, as pessoas nos países desenvolvidos têm uma luta diferente, embora não desconectada, acrescenta. “Eles devem exigir que suas economias parem de depender do extrativismo de países pobres, que mudem seus hábitos de consumo sistêmicos, suas economias baseadas no consumo inesgotável e interminável de mercadorias”.
Nesse cenário, destaca-se a participação dos mais jovens, que têm dado o exemplo de como lutar contra a polutocracia. “Geraram movimentos sociais internacionais como Extinction Rebellion, ou há líderes como Greta Thunberg que inspiram centenas de jovens em todo o mundo. No México, temos Futuros Indígenas... É uma luta muito democrática na qual todos temos um lugar, pois todos seremos afetados pela crise climática”.
Em seu livro, Francisco Serratos oferece uma história alternativa ao pessimismo e aponta o problema por trás de tudo e de todos. Lembra-nos que o ser humano não é destrutivo por natureza e que sobrevivemos em uma relação, às vezes mais, às vezes menos, harmoniosa com a natureza. “Temos que aprender a falar sobre o problema, mesmo que nos incomode e ir até as causas últimas, caso contrário, só daremos golpes no escuro, propondo soluções tecnológicas ou outras que não levarão a lugar algum, pois deixam intacto o tecido sócio-histórico que arrastamos até agora e nos trouxe para esta crise.”
Serratos recorre a autores, pensadores e pesquisadores para narrar a história de El Capitaloceno. Um deles é o poeta Aimé Césaire, que destaca que o colonialismo no capitalismo foi um processo de “coisificação”. Ou seja, diz o mexicano, na medida em que o capitalismo se expandia por todo o mundo, foi matando muitas cosmovisões diferentes da lógica capitalista que os ocidentais queriam e continuam impondo a outros sistemas alternativos, econômicos, sociais e inclusive religiosos.
“Contrários às ideias de que a natureza é uma pessoa (...), uma vez que para explorar a natureza, o capitalismo precisa matá-la. É a medida necessária para que o progresso e o desenvolvimento se expandam e retornem, com a destruição em troca do bem-estar, pois não há outro caminho, segundo eles, para avançar. Mas o que a história e a ciência nos mostram é que, sim, existem formas alternativas para obter bem-estar sem a necessidade de acumular riqueza. Bem-estar e riqueza não são sinônimos”.
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“Existem formas alternativas para obter bem-estar sem a necessidade de acumular riqueza” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU