20 Agosto 2021
As mobilizações sociais contra a megamineração, os agrotóxicos e a poluição industrial são os exemplos nos quais a socióloga e pesquisadora Gabriela Merlinsky se baseia para sustentar o conceito que confere ao título de seu livro mais recente: Toda ecología es política.
“Falta muito para assumirmos a questão social em termo ambiental e, para isso, precisamos nos aproximar dessas grandes mudanças que assistimos no século XXI que tem a ver com as mobilizações sociais pelo meio ambiente”, argumentou a pesquisadora na apresentação virtual do texto publicado por Siglo XXI, na qual esteve acompanhada pelos sociólogos Gabriel Kessler e Maristella Svampa e a professora e ativista María Teresa Cañas.
“A pergunta que os próprios atores sociais levantam é se o crescimento econômico pode ser um critério de valor equivalente à defesa da água e a saúde das pessoas. Essa é uma pergunta que atravessa todo o livro”, adianta a autora, socióloga, pesquisadora do CONICET, no Instituto de Pesquisas Gino Germani, e professora na Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de Buenos Aires.
A entrevista é de Eva Marabotto, publicada por Télam 18-08-2021. A tradução é do Cepat.
Como definiria o campo epistemológico que delimita para o livro: a ecologia política?
Ao considerar o ambiente como um terreno político, dialogo com um campo de estudos e de debate epistemológico que combina a economia política com diversos enfoques das ciências sociais e, muito especialmente, a história ambiental.
Se necessitamos de uma ecologia política é porque, de modo contrário, existem formas decididamente apolíticas de entender a questão ambiental ou até mesmo formas de negar a questão. Um exemplo disso é o negacionismo climático ou o predomínio de um credo econômico que diz que temos que ser exportadores de naturezas baratas.
Não podemos confinar o ambiental à sua consideração como matéria exclusiva dos especialistas e, para isso, precisamos entender que está profundamente relacionado com nossa vida cotidiana e com as possiblidades concretas de reprodução da vida no futuro.
Embora fale de ecologia, há uma ideia muito forte em relação à economia/política e o meio ambiente e, para isso, recorre a um conceito de Jason Moore, o ‘capitaloceno’.
O que é chamado de civilização, ou seja, os processos de intercâmbio entre sociedade e natureza no curso dos últimos dez milênios, desenvolveu-se em uma época e em um espaço geográfico surpreendentemente estáveis. Diferente desse longo intervalo de mais de 10.000 anos denominado Holoceno, nesta nova era, o Antropoceno, as mudanças de origem humana ultrapassaram em importância o próprio papel das forças naturais-geológicas e são responsáveis por alterar profundamente o sistema terrestre.
Partindo de que os humanos não modificam os sistemas ambientais enquanto espécie homogênea, mas como atores sociais, culturais, genérica e geograficamente diferenciados, é importante levar em consideração que são as relações sociais de produção e consumo que geram essas mudanças.
É inegável que essa aceleração foi contemporânea à expansão do capitalismo em todo o planeta. Daí Jason Moore fazer referência ao capitaloceno para demonstrar que o capitalismo não é apenas um sistema econômico, é também um modo fundamental de alteração ecológica que busca a exploração mundial das naturezas baratas para penetrar em fronteiras de lucros potenciais.
Como selecionou os exemplos de ação política em favor da ecologia?
Na América Latina, há um acervo muito importante de experiências que unem o ativismo ambiental, a produção de conhecimentos e a criação de modos de gestão coletiva do comum. Isto traz novas formas de entender o problema ambiental que levantam alternativas ao modelo de capitalismo extrativo e que mostram modos de convivência com as espécies não humanas.
Por um lado, quis mostrar alguns casos que tiveram e tem muita ressonância, como o conflito do [rio] Riachuelo, na Argentina, as disputas pela implantação mineira em Cajamarca (Peru) ou os episódios pela defesa do Parque Nacional de Tepozteco, no México. São grandes momentos políticos de revisão dos modelos de desenvolvimento, que chegam aos tribunais, que desestabilizam a ação cotidiana de diferentes níveis de governo, que questionam a falta de regulamentação e controle estatal de atividades que são potencialmente perigosas para o ambiente e a saúde das pessoas.
Por outro lado, quis mostrar que existem diferentes vertentes do ambientalismo popular. No livro, são reunidos exemplos que nos mostram uma compreensão da justiça não apenas em termos distributivos, mas também como um assunto no qual está envolvido o reconhecimento, os procedimentos para tornar esses princípios de justiça efetivos. Trata-se de novas formas de relacionar a justiça social com a justiça ambiental.
Por que os exemplos que representam as lutas pela questão ambiental na Argentina são as mobilizações contra as fábricas de celulose em Gualeguaychú e contra a poluição da bacia do rio Matanza-Riachuelo?
Tem a ver com as minhas pesquisas de longo alcance sobre a construção social e política da questão ambiental na Argentina. Quando comecei com esses temas, realizava atividades de acompanhamento a organizações sociais na bacia baixa do Riachuelo.
Nessa época (inícios dos anos 2000), havia um programa da administração da cidade destinado à revitalização da zona sul, com uma linha destinada à recomposição ambiental do Riachuelo. No entanto, eram propostas muito cosméticas, de pouca profundidade. Nesses territórios, há problemas muito graves de saúde (crianças com chumbo no sangue, falta de acesso à água potável, taxas de mortalidade infantil muito altas) e é necessário responder de maneira estrutural ao problema da desigualdade social-ambiental.
Embora o tema entrou na agenda pública porque houve uma denúncia das comunidades ao Supremo Tribunal de Justiça, hoje, a recomposição ambiental do Riachuelo implica enfrentar a complexidade de problemas em escala metropolitana, que afetam vários milhões de pessoas e envolvem desigualdades no acesso à cidade. Tudo isso faz com que seja um assunto de resolução muito difícil. E por isso mesmo precisamos começar a pensar em termos de desigualdades socioambientais.
Por outro lado, foi a mobilização pela instalação das fábricas de celulose no rio Uruguai que gerou condições políticas para que a questão da degradação ambiental do Riachuelo pudesse entrar nas notícias e na agenda institucional. A discussão sobre o impacto das atividades de empresas transnacionais na vida local e a atividade econômica em uma pequena localidade como Gualeguaychú, na província de Entre Ríos, se transformou em 2004 em um conflito de alcance binacional, quando os manifestantes decidiram obstruir a ponte que permite a circulação entre a Argentina e o Uruguai.
A partir de iniciativas como a Cúpula contra a Mudança Climática e personagens como Greta Thunberg, a ecologia pode entrar na agenda pública?
A visibilidade extraordinária de Greta Thunberg permitiu iniciar um debate do qual participam movimentos de todo o mundo, mas também, de forma notória, as organizações de jovens. Aqui, surgem (assim como acontece com o feminismo) formas de participação política que reivindicam reconhecimento e que afirmam o direito de definir o problema a partir de uma perspectiva estrutural, que não se contenta com soluções de compromisso.
As jovens e os jovens protestam e fazem greves porque veem que há um desentendimento institucional e um frágil compromisso com a descarbonização e a redução das emissões. Nesse sentido, os movimentos de justiça climática estão abrindo um espaço extraordinário para o debate através das/os jovens.
Eles desmascaram a estratégia de negação e bloqueio alimentada durante décadas pela indústria dos combustíveis fósseis e nos dizem que não é mais possível adiar e minimizar o risco. Chega de viver em um estado de anestesia que multiplica as condições de risco futuras. Para sair do negacionismo é preciso repensar as relações de produção e consumo.
Mas também existe uma agenda que se constitui em cada região e em cada país. O questionamento ao agronegócio e o papel dos agrotóxicos na saúde, o debate pela soberania alimentar, a discussão pelos impactos da mineração a céu aberto, as mobilizações pela defesa das zonas húmidas são também formas de ação coletiva que tem uma importante influência na agenda pública.
No texto, você reúne a experiência das Mães de Ituzaingó, em Córdoba, unidas contra os agrotóxicos... Qual é a capacidade de pressão do ecofeminismo?
Esse sistema mundializado, globalizado, dependente do uso de grandes quantidades de matéria e energia, que também implica a geração de enormes quantidades de poluição, sustenta-se, no entanto, em uma sutil cadeia que liga diferentes tarefas e trabalhos, muitos deles pagos e outros não remunerados. Entre essas tarefas, as mais essenciais, as relacionadas ao sustento e a reprodução da vida, estão nas mãos das mulheres.
As diferentes vertentes dos feminismos territoriais e os ecofeminismos cumprem um papel fundamental ao ressaltar essa estreita relação entre os cuidados e a vida e acrescentam um ingrediente a mais: as interdependências que tornam possível o cuidado são também as que protegem o meio ambiente.
De algum modo, trata-se de uma ampliação do papel do cuidado...
Em mobilizações como as das Mães do Bairro Ituzaingó Anexo, que lutam há vinte anos para combater um modelo baseado em agrotóxicos que prejudicam a saúde, há uma redefinição do papel socialmente atribuído às mulheres como cuidadoras, que ganha sentido político ao considerar essa interdependência como base para uma mobilização pelos direitos humanos e o direito à saúde.
Nos conflitos ambientais, as mulheres conseguem colocar no centro da disputa pública essa questão do valor diferencial da vida e seu potencial político se refere ao fato de que não se trata de disputas de gênero em abstrato, ao contrário, definem-se em relação à justiça ambiental, autodeterminação dos povos, soberania alimentar, saúde comunitária, entre outros assuntos.
Além dos incêndios florestais, o tema que mais preocupa atualmente é o da estiagem do rio Paraná. Pode entrar na agenda pública?
Sobre os incêndios em áreas de zonas húmidas e a estiagem extraordinária do [rio] Paraná, é preciso revisar as falências da gestão ambiental no longo prazo. Por exemplo, quando no ano passado aumentaram os incêndios no Delta, só aí foi colocado novamente em marcha um programa do ano 2008: o Plano Integral Estratégico para a Conservação e Aproveitamento Sustentável da Região Delta do Paraná, uma iniciativa que nunca deveria ser parado.
Por outro lado, os registros do ano 2019 e 2020 indicavam uma sequência de diminuição das chuvas, tanto no rio Paraguai como no rio Paraná, que é o que estamos vendo agora. Então, já tínhamos a informação e não houve antecipação. Ao contrário, enfatizou-se muito (também na agenda jornalística) o projeto da hidrovia, ignorando que essas obras de grande envergadura têm um impacto gigantesco e se apoiam em um ecossistema muito frágil.
Todos esses eventos (incêndios, estiagens extraordinárias) não podem ser separadas dos milhões de hectares desmatados, desde o fim do século passado, ecossistemas que foram removidos para ser substituídos por plantações para exportação. Se esta não é a causa direta, não há dúvida que intervém e exacerba os efeitos das mudanças climáticas.
No [rio] Paraná, há outro agravante que são as obras de dragagem do rio, que implicam uma alteração importante no ciclo da água. Mas isso também não é novo, os pescadores vêm alertando há muitos anos, assim como registram o impacto brutal dos agroquímicos na vida aquática. Existem pesquisas que demonstram uma alta concentração de diferentes agrotóxicos de uso agrícola na bacia alta e poluição múltipla com metais e principalmente glifosato na bacia média e baixa. Então, esses temas entraram na agenda pública. O problema é que possuem um impacto maior nas audiências e na agenda política, depois que o desastre aconteceu.
É importante compreender que os desastres não são o resultado da “fúria” da natureza, ao contrário, são a concretização ou atualização de condições de risco preexistentes. O grande aprendizado é entender que precisamos colocar em marcha leis ambientais que são essenciais para a conservação dos ecossistemas e que não podemos deixar que os interesses corporativos obstruam as iniciativas.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
“O capitalismo é um modo fundamental de alteração ecológica”. Entrevista com Gabriela Merlinsky - Instituto Humanitas Unisinos - IHU