11 Agosto 2021
É evidente que a questão ambiental está cada vez mais presente no debate público. Que seja um assunto profundamente político, talvez nem tanto. Para que não haja dúvidas sobre este último, a socióloga Gabriela Merlinsky acaba de publicar Toda ecologia es política (Siglo XXI), um material imprescindível, no qual busca deixar claro que a injustiça ambiental não pode ser compreendida separada da questão social.
Para isso, seleciona e detalha com grande profundidade uma série de conflitos que colocaram em xeque o modelo de capitalismo extrativo na América Latina e, por meio deles, demonstra que é necessário pensar em novos esquemas produtivos e, sobretudo, em novas formas de viver.
Com uma profunda centralidade na palavra das comunidades atingidas pelo desastre, a autora questiona se o crescimento econômico e a rentabilidade valem mais do que a defesa da água ou a saúde das pessoas:
“Faz sentido, a longo prazo, um projeto em que os recursos são extraídos sem processamento e que no território não fique nada? Porque a longo prazo também é inviável economicamente”, expõe, ao mesmo tempo em que retoma os casos de poluição da bacia do Matanza-Riachuelo, as fábricas de celulose no rio Uruguai, o movimento de povos fumigados na Argentina, o conflito por um projeto mineiro no Peru, a guerra da água na Bolívia e a luta pela preservação dos páramos na Colômbia, entre outros “marcos” do ativismo ambiental.
“Quando alguém diz que toda ecologia é política está falando sobre relações de poder em torno dos processos de apropriação. Nem todos nós temos o mesmo acesso à água, ao solo, à propriedade da terra, à biodiversidade. Tudo isso é conferido de forma desigual. Daí deriva a ideia do político, que desemboca em diversos grupos de pessoas reivindicando seus direitos”, explica Merlinsky.
A entrevista é de Paula Sabatés, publicada por Página/12, 09-08-2021. A tradução é do Cepat.
No livro, você expõe que raramente os conflitos ambientais correspondem a um único interesse de classe. Como se dá isso?
É que se você olhar para qualquer conflito, verá que os grupos são muito diversos. Existe, às vezes, uma espécie de resquício daquele velho modelo da esquerda dos anos 1970, que gostaria de encontrar um ator ideal que encare os processos de mudança, mas, na verdade, não existe um único ator, são coletivos multiterritoriais que têm problemas de trabalho, de moradia e que veem o tema do ambiente como um processo totalmente integrado a essas condições de vida. Seu elemento comum é o direito de entrar em acordo a respeito de como viver, porque parece que viver em um planeta danificado não é tão fácil.
Aborda casos de conflitos latino-americanos. É um território especialmente em disputa?
O fenômeno ambiental é muito forte em toda a América Latina porque desde a conquista e a colônia somos exportadores de natureza e temos uma localização que não é de privilégio em relação aos esquemas de poder mundial.
Além disso, algo interessante é que esses conflitos colocam muito em debate o modelo dos progressismos latino-americanos, que dizem que primeiro temos que nos desenvolver para depois distribuir e só depois pensar no meio ambiente. As pessoas que lutam por seus direitos não querem esperar para pensar no ambiental.
O que acontece quando esses coletivos não são ouvidos?
Em geral, os dirigentes e a imprensa divulgam a ideia de que alguém protestando ou reivindicando é sinônimo de um conflito que deve ser rapidamente apaziguado e silenciado. É barulho, é perturbação da ordem pública, suas motivações certamente são espúrias.
Meu ponto de partida é o contrário: é bom que haja conflito e que se expresse porque é a partir deles que é possível formular novas perguntas que não estavam presentes na paisagem social da discussão. As perguntas das comunidades são legítimas porque colocam em debate o modo como as decisões sobre o meio ambiente são tomadas, e isso é fundamental.
Como é a luta das mulheres e identidades feminizadas, atingidas de modo diferente pelo desastre ambiental?
Muito formidável. Muitos dos movimentos que reivindicam em frente aos conflitos são liderados por mulheres e isso na América Central, por exemplo, é duríssimo porque há assassinatos ambientais como foi o caso de Berta Cáceres.
Em geral, as atividades que se expandem por fronteiras extrativas efetivamente têm impactos muito marcados nas condições de reprodução das famílias e como nós, mulheres, seguimos muito com a responsabilidade, somos as primeiras a lançar o alerta em relação ao meio ambiente e a saúde pública.
É um processo multissetorial, fala-se em ecofeminismo, feminismos territoriais, feminismos indígenas, mas basicamente trata-se de deter a poluição da água, as substâncias tóxicas e todos os problemas que tornam difícil sustentar a vida cotidiana.
Você fala em uma “justiça ambiental na base”. O que quer dizer?
Em primeiro lugar, é importante dizer que não existe apenas uma definição de justiça, mas existem algumas que são de natureza comunitária e essas são as mais vistas nos conflitos ambientais. Tem a ver com a discussão sobre a distribuição dos recursos e a forma como a mesma afeta a saúde das pessoas, mas também com o reconhecimento, com aqueles que tem o direito de falar e ser ouvidos nesses temas. Eu falo de vários casos. Meu ponto principal é que em cada conflito se ativa uma nova formulação sobre os modos de vida locais e sobre quem tem o direito a ter direitos.
Por que considera que as ciências sociais tiveram e ainda têm dificuldades na hora de abordar a questão ambiental?
Eu entrei na carreira de Sociologia da UBA [Universidade de Buenos Aires] em 1984 e embora me nutriu muito, em pouquíssimas matérias havia debates ambientais, algo que ainda persiste. Acredito que isso acontece porque as ciências sociais são filhas da modernidade e surgem no momento histórico das grandes revoluções, da valorização da ciência e do processo de desnaturalização do social.
Isso se traduziu como algo contra o natural e fez com que os fenômenos ambientais fossem vistos como de domínio das ciências naturais, quando na verdade sua crise tem uma origem profundamente social. Hoje, isso é mais compreendido pelos movimentos ambientais do que pela academia.
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“Somos exportadores de natureza”. Entrevista com Gabriela Merlinsky - Instituto Humanitas Unisinos - IHU