07 Março 2020
“Aproveitamos o dia 8 de março para reivindicar outro modelo de consumo. Porque precisamos de outra maneira de organizar as relações e a economia. Porque não queremos ter mais roupas manchadas de trabalho precário, nem morangos recolhidos entre produtos tóxicos, dor e medo”, escrevem Katemida Morri, Marta Pascual e Marien González, que fazem parte da Comissão de Ecofeminismo da organização Ecologistas em Ação, em artigo publicado por El Salto, 05-03-2020. A tradução é do Cepat.
Em torno das mobilizações feministas, incluídas na Revolta feminista, acreditamos que é importante tornar visíveis nossas críticas às práticas de produção, distribuição e poluição, que provocam grandes impactos ambientais, mercantilizam a vida e exploram e tornam invisíveis trabalhos de cuidados, geralmente realizados pelas mulheres.
Acreditamos que é o momento de dar visibilidade, por exemplo, à mais recente greve das trabalhadoras têxteis de Bangladesh e de denunciar a situação das trabalhadoras temporárias marroquinas de morango. De fato, esses dois exemplos não são casos isolados, mas mostram uma matriz comum da exploração capitalista do meio ambiente e dos corpos e empregos das mulheres, especialmente as marginalizadas por etnia, classe etc.
Queremos dar conta dos nexos comuns entre patriarcado, capitalismo e colonialismo, de como compartilham culturas e práticas de subordinação, exploração e violência social e ambiental. Além disso, diante dessas lógicas, todos os dias e principalmente no dia 8 de março, queremos mostrar que existem outras maneiras de consumir, saudáveis, sustentáveis e responsáveis, com base na justiça, solidariedade e cooperação.
O consumo é apenas um elo da sólida corrente que liga a extração de materiais, produção, distribuição, consumo e geração de resíduos. As análises “do berço ao túmulo” de muitos produtos, também chamados de “mina ao lixão”, revelam os danos que ocorrem em todas as etapas de todo o ciclo de vida dos produtos que consumimos. Em cada um deles, podemos encontrar práticas que deterioram nossas vidas (especialmente as da população mais pobre, principalmente mulheres) e as de nosso ambiente natural.
A partir de uma perspectiva feminista, temos a oportunidade de perceber como as tarefas de abastecimento doméstico na ordem patriarcal recaem sistematicamente sobre as mulheres, bem como as tarefas de cuidar, cozinhar, limpar, afetando, assim, também, de maneira desigual os corpos de homens e mulheres.
Pela comissão de Ecofeminismos dos Ecologistas em Ação, propomos que, em 8 de março (ou talvez, melhor, por toda a vida!), paremos de comprar o desnecessário, de consumir energia em excesso, de desperdiçar alimentos, de utilizar automóveis para se locomover, de adquirir produtos fabricados pela indústria que explora animais, objetos em que se aplica “marca rosa”, produtos com excesso de embalagem, ou de realizar transações bancárias. São muitas ações possíveis para remover os alimentos de um sistema que rouba nosso tempo de vida e reduz nossas chances de sobrevivência.
No entanto, existem muitas pessoas, e especialmente também mulheres, dada a tendência à feminização da pobreza, para as quais a redução do consumo não é uma opção: que não podem instalar calefação ou arrumar os dentes. Por isso, reivindicamos que o consumo necessário para viver, respeitando a vida e a terra, não podem ser um luxo, assim como não queremos que seja um luxo sobreviver em um planeta com recursos cada vez menores.
Propomos não apenas um momento pontual de ativismo anticonsumista, mas o ponto de partida de uma mudança de pensamento e de volta ao sentido comum: de abandono de hábitos de consumo excessivo. É uma ocasião para ativar um processo de desconstrução pessoal e coletiva dos estereótipos que foram inoculados por meio de constantes mensagens publicitárias. Essas que transmitem modelos voláteis e mutáveis, mas tendem a mostrar as mulheres como objeto sexual que cumpre os papéis de gênero impostos pela cultura patriarcal.
A venda de roupas, perfumes, carros e “palitos de merluza” são ocasiões em que o mercado não desperdiça para dizer às mulheres onde precisamos estar e como devemos nos comportar. As imagens que nos transmitem, minando nossa autoestima, visam estimular o consumo de produtos de beleza, moda, higiene, etc., em muitos casos tóxicos para o meio ambiente em sua fase de produção e desperdício, e tóxicos também para a saúde de nossos corpos em sua fase de consumo.
Lembramos que o consumo é um ato político, uma “pequena” ação que pode transformar a pegada negativa deixada por nossa compra em um ato com impacto positivo. Esse ato político pode aumentar de escala se for organizado coletivamente e se estender como uma mancha de óleo. A alternativa está em nossas mãos: colocar um freio, reduzir o consumo, ganhar mais pessoas para a nossa causa.
Depois do 8M, será necessário que sigamos ativas para manter essas práticas: reduzir, reutilizar o que temos antes da reciclagem, dar uma nova vida, reparar, opor-se à obsolescência não apenas da tecnologia, mas também da moda, trocar, compartilhar, doar, reduzir os resíduos... E denunciar qualquer produto cuja produção e distribuição não respeite os direitos das pessoas, do meio ambiente e de todos os seres vivos.
Isso significa mudar nossa maneira de consumir e de pensar para se tornar agentes ativas da mudança, não apenas por razões ideológicas e éticas, mas também pelo prazer de compartilhar e ganhar tempo e qualidade de vida, consumindo de forma mais responsável.
Compartilhar bens e serviços é uma prática que não apenas resolve as necessidades com menos recursos, como também fortalece nossas redes sociais. Dois por um! (como no supermercado, para o qual não iremos). Em vez de confundir felicidade com posse e assimilação de satisfação pessoal à aquisição de bens e serviços, queremos tornar visíveis práticas de vida e consumo onde a fonte de satisfação pessoal individual e coletiva está nos relacionamentos interpessoais, nas redes sociais e familiares, no entendimento, na solidariedade e na atividade colaborativa.
Em oposição aos mercados que subordinam a vida das pessoas ao lucro monetário, queremos tornar visíveis outras práticas que colocam a vida das pessoas, do planeta e de todos os seres vivos no centro. Reivindicamos esse outro consumo, de práticas justas e sustentáveis do ponto de vista socioambiental: aquele que apoia e paga justamente as mulheres do Sul, o de projetos agroecológicos, o comércio por proximidade, as cooperativas de energia limpa, os grupos de consumo e a economia social e o transporte coletivo e ecológico.
Por tudo isso, aproveitamos o dia 8 de março para reivindicar outro modelo de consumo. Porque precisamos de outra maneira de organizar as relações e a economia. Porque não queremos ter mais roupas manchadas de trabalho precário, nem morangos recolhidos entre produtos tóxicos, dor e medo.
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8M, uma data também para questionar o modelo de consumo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU