As verdadeiras perguntas a serem feitas são: quais ministérios são necessários hoje na Igreja? Que papel realista e não abrangente pode ser atribuído aos presbíteros (e a qualquer outra forma de ministério)? É realmente necessário manter a obrigação do celibato?
A reflexão é de Riccardo Larini, graduado em Física Matemática, com estudos teológicos na Comunidade de Bose, onde foi monge por 11 anos, e em Cambridge. É especializado na formação da identidade cristã no primeiro século e na história e teologia do diálogo ecumênico. Profissionalmente, trabalha com inteligência artificial aplicada à educação.
O artigo foi publicado em Viandanti, 29-04-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
As reflexões que esboço a seguir são as de um “diversamente cristão”, que considera Jesus de Nazaré uma referência central e fundamental, sem considerar, por outro lado, nenhuma Igreja ou confissão cristã a única expressão plena ou própria do cristianismo.
Tal premissa é necessária para compreender esta intervenção, muito livre e de certa forma “de fora”, e sem qualquer pretensão de definitividade, sobre alguns pontos essenciais da formação dos futuros presbíteros da Igreja Católica.
Para poder fazer uma contribuição para um tema desse tipo, é fundamental entender que, desde o Concílio de Trento, a natureza do sacerdócio ministerial e a formação dos candidatos para o seu exercício sempre tiveram contornos bem precisos e sempre foram pensadas conjuntamente, como deve ser.
O cânone 18 da 23ª Sessão do Concílio de Trento fornece, de várias maneiras, indicações sobre o perfil ideal e a formação dos futuros ministros ordenados: devem ser jovens formados para “fugir dos prazeres do mundo” e levar uma vida de sob a insígnia da “piedade e religião”. Por isso, são instituídos os seminários, com o duplo propósito de separar desde a mais tenra idade um número congruente de adolescentes (nos seminários “menores”), entre os quais seja possível identificar os candidatos idôneos à formação propriamente dita ao ministério (nos seminários “maiores”).
O critério fundamental de seleção dos futuros presbíteros é a sua escolha entre aqueles que, além de saberem ler e escrever, mostrem por “índole e vontade” que estão sempre “a serviço de Deus e da Igreja”. Os pilares da sua formação são a liturgia, a Escritura e as homilias e a vida dos santos.
A estrutura tridentina tem a sua própria coerência: em um âmbito substancialmente cristão – embora com a Reforma Protestante para complicar as coisas em relação à cristandade medieval – e dada a necessidade do celibato eclesiástico imposta pela reforma gregoriana do século XI, para se ter ministros fiéis ao seu serviço, opta-se por separar logo do mundo um número considerável de adolescentes a serem moldados segundo os ditames daquela que poderíamos definir como uma “casta”, com uma vida e regras próprias, funcionais tanto à instituição eclesiástica quanto à gestão pastoral das paróquias, modalidade fundamental de presença eclesial segundo o próprio Concílio de Trento.
Sacerdotes durante ordenação (Fonte: Vatican News)
Apesar das convicções de muitos, os concílios posteriores – em primeiro lugar o mais recente, Vaticano II – não só nunca mudaram a visão fundamental do ministério presbiteral amadurecida em Trento, mas também, de certa forma, a tornaram ainda mais definida, clara e abrangente (e, portanto, de uma forma ou de outra, “clerical”).
Esta última observação é corroborada pelo fato de que, além de reiterar o papel dos presbíteros em ordem ao serviço de Deus (o culto) e da Igreja (o ministério pastoral), todos os documentos mais importantes que surgiram do Vaticano II em diante (sobretudo os decretos conciliares Presbyterorum Ordinis sobre o ministério sacerdotal e Optatam Totius sobre a formação sacerdotal, além da exortação apostólica Pastores Dabo Vobis de João Paulo II) insistiram em um papel extremamente exigente para os presbíteros católicos, que seriam os únicos a quem compete em plenitude os três munera, ou seja, a função de ensinar, santificar e governar na Igreja.
Além disso, o magistério católico tem reiterado constantemente a obrigação do celibato para o clero latino (para o das Igrejas Católicas orientais, o candidato pode ser admitido ao presbiterado se já for casado, mas, uma vez ordenados como celibatários, não é possível mais contrair matrimônio).
Ao fazer isso, não deixou de sublinhar que a “virgindade consagrada a Cristo” (escolha terminológica questionável e rica em outras nuances) é considerada superior a qualquer outra forma de vida cristã (Optatam Totius, n. 10), reforçando, assim, talvez de modo decisivo, a “sacralização” da figura dos sacerdotes católicos.
A verdadeira novidade dos documentos eclesiais conciliares e pós-conciliares, no entanto, é a introdução cada vez mais forte da ideia de “vocação”, entendida não tanto e não mais como chamado de pessoas individuais reconhecidas como confiáveis por parte do corpo eclesial para que assumam um cargo pastoral e de serviço ao culto, mas antes como o reconhecimento pela hierarquia eclesial de um chamado individual percebido pelos candidatos individuais na sua consciência.
Além disso, dada a obrigação católica do celibato, seria difícil, em época moderna, poder pensar de outra forma, embora assim ocorresse na Igreja antiga (e assim ainda ocorra em algumas Igrejas não católicas).
Quanto à estrutura da formação nos seminários, para além da eliminação ou pelo menos do claro redimensionamento dos seminários menores, as alterações foram mínimas e incidiram apenas no acréscimo de alguns elementos “humanos” à formação tradicional, junto com uma estruturação muito mais substancial e ambiciosa dos estudos teológicos necessários para ser admitido à ordenação presbiteral.
A grande dificuldade representada pela obrigação celibatária em uma sociedade em que os padres não gozam mais de proteções sociais e em que ocorreu uma revolução no modo de pensar e viver a sexualidade humana levou a invocar em princípio um fortalecimento da formação à maturidade humana dos seminaristas.
Apesar disso, não são poucas as pesquisas de natureza sociológica que têm revelado uma enormidade de problemas nunca realmente abordados no âmbito da sexualidade dos padres, uma espécie de iceberg cuja parte visível na superfície – as graves patologias psicológicas ligadas à sexualidade de um número não indiferente de sacerdotes – nada mais é do que uma fração daquilo que deveria ser enfrentado.
Em relação aos estudos teológicos, a abordagem fundamental permaneceu “dialética” e tornou-se cada vez mais “apologética”. Dialética, pois toda disciplina não estritamente teológica (da filosofia à psicologia, passando pela história) continua sendo ensinada mais para ajudar a “desmascarar os erros” do mundo não católico e não religioso, e para oferecer bases “sólidas e perenes” para fundamentar o estudo da revelação cristã, além de favorecer um crescimento livre e completo das faculdades críticas próprias de cada ser humano.
Apologética, porque embora da “verdade” – que na mens dos escritos magisteriais parece ser muito mais um conjunto de verdades éticas e antropológicas do que Jesus Cristo e o seu senhorio – também se diga que é preciso ensinar a buscá-la, tal busca parece estar inteiramente finalizada a penetrá-la para poder demonstrá-la (Optatam Totius, n. 15); não por acaso também no caso da doutrina católica (Optatam Totius, n. 16) se enfatiza que a tarefa fundamental dos sacerdotes católicos é anunciá-la, expô-la e defendê-la.
Resumindo, a intenção que emerge claramente das orientações magistrais é a de formar ministros ordenados que sejam consagrados (portanto, em certa medida, separados do resto do corpo eclesial, em uma relação particular com o sagrado), aos quais são conferidas de forma única (“plena”, ao contrário do que ocorre para o sacerdócio de todos os fiéis) as três funções de ensino, santificação e governo da Igreja, que tenham a obrigação do celibato e que sejam fundamentalmente os defensores de uma verdade adquirida de uma vez para sempre (apesar de serem convidados a não serem hostis ao mundo).
Para cumprir tal missão extremamente ambiciosa, considera-se que um longo tempo de “segregação” do mundo nos edifícios dos seminários ainda é a solução ideal.
A pergunta que eu faço, com muita sinceridade, portanto, é: como é concebível formar desse modo ministros que não sejam intrinsecamente clericais, no pior sentido do termo? Mas, acima de tudo, ao fazer isso, não se corre o risco de substituir a tensão à escuta dinâmica daquilo que o Espírito não cessa de dizer em todos os tempos e lugares às Igrejas e às consciências individuais pela afirmação de um núcleo rígido e intocável de doutrinas que não levam em conta como o mundo evolui (não contra Deus, mas pela sua própria vontade!)? Não se faz dos sacerdotes a casta guardiã de um mistério ao qual somente ela tem um acesso privilegiado?
Os amigos católicos se perguntarão: em um quadro desse tipo, é possível mudar seriamente alguma coisa sem renunciar a permanecer fiel à confissão católica ou sem subverter a doutrina? O debate está obviamente em aberto, e a minha resposta mais sincera seria que, sem mudanças doutrinais, não será realmente possível debelar o clericalismo, nem será simples adequar as formas dos ministérios eclesiais às exigências reais do Evangelho e dos nossos contemporâneos. Dito isso, alguns passos parecem ser agora inevitáveis.
O primeiro é a radical reavaliação do lugar onde são formados os futuros presbíteros, ou seja, o seminário. Já não faltam estudos que confirmam que o refúgio representado pela atual forma segregada e protegida dos seminários, longe de atrair as personalidades mais sólidas e adequadas ao exercício do ministério presbiteral, constitui na realidade um ímã ideal para pessoas imaturas em busca de seguranças e compensações possibilitadas muito mais por um status e pelas proteções próprias de uma casta do que por um real caminho de crescimento humano.
Se somarmos a isso a fobia de ficar sem padres que atinge a grande maioria das dioceses católicas, compreende-se por que razão, na realidade, quase não existe nenhum filtro nem antes do acesso aos seminários, nem durante os caminhos de formação que neles são oferecidos.
Para aqueles que consideram que a eventual formação não residencial e não em tempo integral dos futuros ministros ordenados envolveria um enfraquecimento da preparação teológica, deve-se notar, na realidade, que, atualmente, dada a penúria de candidatos, concede-se que qualquer pessoa conclua os estudos previstos, independentemente da competência adquirida e do empenho profuso. Basicamente, é proibido rejeitar os seminaristas...
Consequentemente, apesar de nada menos do que cinco anos teóricos dedicados à teologia, a preparação de base dos padres atuais é extremamente limitada e carente, tanto no nível da cultura geral quanto no teológico.
Para além dessas considerações honestas e brutais, porém, o fato é que não está escrito em nenhum lugar que, na Igreja, um alto nível de preparação teológica deve ser apanágio dos padres (aos quais se pede, ao mesmo tempo, que sejam administradores de bens, guias litúrgicos e pastores de almas).
Portanto, seria honesto rever radicalmente o currículo dos estudos necessários para ter acesso à ordenação presbiteral, livrando-se da obsessão de fazer dos ministros ordenados os impossíveis (e decididamente improváveis) especialistas em tudo.
Em um mundo complexo, que requer uma multiplicidade de competências, em vez de pensar o padre como a suma de qualquer teologia dogmática ou prática, seria muito mais oportuno criar espaços adequados de formação teológica integral para os leigos e leigas (com a vantagem “colateral” de enfraquecer realmente o clericalismo que domina hoje na Igreja).
As verdadeiras perguntas a serem feitas, portanto, são: quais ministérios são necessários hoje na Igreja? Que papel realista e não abrangente pode ser atribuído aos presbíteros (e a qualquer outra forma de ministério)? É realmente necessário manter a obrigação do celibato?
Só assim será possível determinar com clareza novos caminhos de formação.
Porque, enquanto perdurar a obrigação do celibato – admitindo-se que seja realmente possível vivê-lo de forma definitiva na própria vida humana, como um “dom” e não como um jugo insuportável mais cedo ou mais tarde –, será preciso aceitar que são verdadeiramente muito poucas as pessoas (além disso, apenas do sexo masculino, com todos os desvios patriarcais ligados a essa escolha...) aptas a vivê-lo de forma fecunda em uma vida “presbiteral”, e, portanto, será necessário pensar em uma Igreja com muito menos presbíteros (e muitos outros ministérios complementares).
O consequente e notável escrutínio dos candidatos ao sacerdócio, fundamentado no reconhecimento, na minha opinião, muito difícil, em todos os casos, da existência de uma verdadeira “vocação” celibatária, deverá ser acompanhado por uma formação humana decididamente mais sólida e menos hipócrita do que a fornecida hoje, especialmente sobre temáticas como as relacionadas com a sexualidade humana.
E talvez será preciso aceitar e estudar mais o fenômeno dos “abandonos” do sacerdócio, que muitas vezes diz respeito a pessoas que serviram ao seu próximo com profundidade, por muito tempo e com plena dedicação, e que se encontram estigmatizadas e fortemente marginalizadas por causa das suas novas escolhas de vida.
Provavelmente, porém, bastará o sério questionamento do “sistema seminário” – que também não contém todas as respostas necessárias – para ao menos iniciar um caminho virtuoso de reavaliação, tanto em nível local quanto em nível universal, dos muitos problemas que caracterizam a formação atual dos futuros sacerdotes.