12 Abril 2022
"A expansão da responsabilidade pastoral de Moscou a todas as Igrejas da antiga União Soviética alimenta a visão imperial de Putin, mas também modifica a sensibilidade eclesial interna e a forma do ecumenismo. Nas últimas duas décadas, houve uma vistosa dobra clerical na ortodoxia russa. Um sinal importante é a modificação sobre a autoridade do concílio", escreve Lorenzo Prezzi, teólogo italiano e padre dehoniano, em artigo publicado por Settimana News, 10-04-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Ele evitou habilmente qualquer demonstração de apoio evidente à agressão militar russa contra a Ucrânia. O metropolita Hilarion, presidente do Departamento de Relações Exteriores do Patriarcado de Moscou, a voz mais conhecida da "política externa" da Igreja Russa, discípulo e inspirador do Patriarca Kirill, limitou-se nas últimas semanas a comentários bíblicos, exortações morais e a questões eclesiais.
A ponto de merecer a ironia do Orthodox Times sobre a súbita afasia do "falante metropolita". Mas sua tática não é temerosa porque sua presença é notada em todos os momentos públicos relevantes. É a outra via que permite a defesa do Russkiy mir, do mundo russo que inspira o projeto pastoral do patriarca e o político de Putin (sem identificá-los).
Os contatos insistentes com todos os patriarcas úteis à causa, daqueles de Antioquia aos da Geórgia, da disponibilidade ao confronto com o mundo diplomático (embaixador francês, da União Europeia, da Holanda e da Síria), com as autoridades internas (vice-presidente do parlamento, ministro das Relações Exteriores, vice-ministro das Relações Exteriores) etc., são contatos funcionais no que diz respeito ao isolamento internacional da diplomacia russa.
Assim justifica a relação on-line do Patriarca Kirill com o Papa Francisco e o arcebispo de Canterbuty, Welby: “Agora vivemos em dois mundos de informação completamente diferentes. Aqui na Rússia recebemos uma informação, enquanto os ocidentais, tanto o papa quanto o arcebispo, recebem informações totalmente diferentes. Os dois mundos da informação não se tocam. Por isso, os diálogos que ocorrem, inclusive através dos meios de comunicação à distância, são sobretudo uma oportunidade de troca de pontos de vista. Muitas vezes os interlocutores aprendem uns com os outros o que não conseguem saber devido ao atual isolamento”.
No editorial do n. 4/2022 do Jornal do Patriarcado, Hilarion exorta o clero a preservar e conquistar a paz interior e profunda através da oração. Diante dos acontecimentos tumultuosos e da "divisão geral na sociedade" é necessário ancorar-se à unidade da Igreja em torno do patriarca.
“A unidade da Igreja está na compreensão profunda do significado da estrutura hierárquica. Nos anos difíceis do século XX, a Igreja russa sobreviveu precisamente graças à unidade do episcopado e dos fiéis. “Onde falta o bispo, não há Igreja”: estas são as palavras do mártir Inácio, o teóforo, pronunciadas há quase dois mil anos, mas que definem claramente a importância do papel episcopal. A fidelidade ao bispo, e coerentemente à sua santidade de patriarca, é um fator importante da integridade de nossa Igreja”.
A expansão da responsabilidade pastoral de Moscou a todas as Igrejas da antiga União Soviética alimenta a visão imperial de Putin, mas também modifica a sensibilidade eclesial interna e a forma do ecumenismo. Nas últimas duas décadas, houve uma vistosa dobra clerical na ortodoxia russa. Um sinal importante é a modificação sobre a autoridade do concílio.
Fortalecido pela experiência daquele de Moscou de 1917 (um concílio territorial, com grande presença de monges e leigos) e coincidindo com o milênio da Rus' (1988), o papel do concílio territorial como autoridade suprema se confirmou no âmbito da doutrina e do ordenamento canônico. Desde 2000, o concílio dos bispos (a reunião de todos os bispos a cada quatro anos) não tem mais nenhuma autoridade superior e suas disposições não são mais modificáveis.
O controle progressivo das instituições centrais do patriarcado sobre os mosteiros e o clero, em entendimento com os bispos locais, tornou o laicato sem voz. Não menos importante é a mudança do lado ecumênico: terminou a época do confronto teológico e sobre a identidade das Igrejas. O campo de ação é o de serviços beneficentes e de confronto com a cultura predominante (ocidental).
A passagem foi identificada pelo teólogo de Salzburgo Dietmar Winkler no discurso que Hilarion fez no congresso geral da fundação pontifícia A Igreja que sofre em Würzburg, em 2011. Diante de um público muito sintônico, Hilarion, em entrevista junto com o card. Kurt Koch, afirmou a necessidade de um confronto vigoroso com a ideologia declinante do Ocidente e sua rendição aos valores éticos, da destruição da família à crise demográfica, do reconhecimento das tendências homossexuais ao suposto direito ao aborto, até o perigo da cristianofobia nos países de antiga cristandade.
Deve ser reconhecido que o Cardeal Koch reagiu com cordial sabedoria. Lembrou ao seu interlocutor que não se deveria falar de "escolha estratégica", mas de "escolha evangélica" e que o empenho devia ser discutido com todas as Igrejas ortodoxas e não apenas com a russa.
O significado daquela orientação foi visto no ano seguinte no apelo assinado em 17 de agosto (2012) em Varsóvia entre Kirill e o presidente dos bispos poloneses, J. Michalik. Denunciava-se no documento: "Sob o pretexto de salvar o princípio da laicidade ou defender a liberdade, negam-se as normas morais fundamentais baseadas no Decálogo".
Duas notas à margem: não reduzir a extraordinária riqueza espiritual, teológica e histórica da tradição ortodoxa russa a eventos limitados, embora muito graves, como o fracasso da ortodoxia russa em denunciar a agressão contra a Ucrânia. E por outro lado: não subestimar as críticas à cultura midiática ocidental, banalizando e simplificando as posições.
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Hilarion Alfeev: a outra via para o Russkiy mir. Artigo de Lorenzo Prezzi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU