23 Março 2022
Diante das novas dinâmicas econômicas que vão surgindo, com um capitalismo instável e crises que agora ocorrem a um ritmo quase ininterrupto, o Estado-Providência deve se afirmar. E precisamos pensar juntos na sociedade que queremos em termos de educação, trabalho, saúde, dependência etc., defende o economista Xavier Ragot, presidente do OFCE [Observatório Francês de Conjuntura Econômica]. São necessárias novas instituições capazes de organizar as forças produtivas, considera este pesquisador do CNRS. Isso pressupõe uma reflexão sobre o longo prazo, coisa que nos falta hoje.
A entrevista é de Christian Chavagneux, publicada por Alternatives Économiques, 19-03-2022. A tradução é de André Langer.
A pandemia e, na sequência, a invasão da Ucrânia farão a economia entrar em uma nova era?
Sim, tenho certeza. Estamos testemunhando um retorno em peso do Estado. A pandemia levou à sua poderosa intervenção nos Estados Unidos e na Europa. Em particular, a França assumiu a política alemã aplicada durante a crise dos subprime com o uso da atividade parcial: socializamos parte dos salários que não eram mais pagos pelas empresas, mas pelo dinheiro público! Certamente fizemos muito para certos setores, mas é mais fácil dizer depois do que antes.
Nessa nova visão de mundo, a política econômica não se limita mais a administrar o ciclo econômico, impulsionando-o quando o crescimento arrefece. O Estado agora sabe que está diante de um capitalismo instável, seu papel é intervir, e massivamente, diante das grandes crises que ocorrem regularmente.
Somam-se a isso fortes demandas sociais, como a necessidade de combater as mudanças climáticas. Aqui, novamente, quando falamos de escolhas energéticas, filtros térmicos, transportes, indústria livre de carbono, não concebemos mais o Estado como o simples garantidor do bom funcionamento das decisões descentralizadas ao nível das empresas e dos indivíduos, mas como um ator que intervém na gestão das forças produtivas e na inovação.
Como se organiza este novo apoio do Estado e do mercado? A resposta ainda é apenas balbuciante. Isso se deve em parte ao fato de que nossa organização institucional está falhando com um Estado excessivamente soberano e um Parlamento fraco.
Houve um tempo em que havia uma Comissão de Planejamento. Ao contrário do que o nome sugere, não era a expressão da vontade de um Estado decidindo o futuro da economia, mas um ponto de encontro entre acadêmicos, empresários, sindicatos, funcionários públicos etc., para refletir juntos sobre o futuro e construir compromissos.
Precisamos de instituições intermediárias entre o mercado e o Estado para pensar as forças produtivas num horizonte de dez anos. No novo capitalismo, precisamos de instituições que pensem o longo prazo.
O período liberal do capitalismo e sua expansão pela globalização estão com os dias contados?
Acabou. Este período acabou. Falamos hoje de autonomia estratégica, de independência na produção de medicamentos, de como podemos passar sem gás e petróleo russos, da implementação de um imposto de carbono nas fronteiras da Europa etc.
Estamos numa fase de reinstitucionalização nacional, ou regional a nível europeu, do capitalismo. Inclusive ao nível das empresas: elas terão de reagir aos impulsos públicos que determinam cada vez mais, como dizem os economistas, as condições de possibilidade do valor.
Concretamente, elas são afetadas pelo nível do imposto sobre o carbono, pela autorização ou não do comércio com países terceiros (Rússia, China etc.), pela autorização ou não de acesso aos mercados públicos. O poder público está recuperando o controle, mesmo que na Europa ainda não saibamos realmente o que significa “poder público” – os Estados, a Comissão, o Conselho etc.
A Covid e a guerra ressuscitaram a inflação. Trata-se de um fenômeno de curto prazo ou é estrutural?
É antes de tudo um movimento de preços relativos muito forte. Os preços da energia, de algumas matérias-primas, dos semicondutores, estão aumentando significativamente. Enfrentamos menos um aumento generalizado de todos os preços, a inflação, do que um empobrecimento generalizado: o aumento dos preços transfere parte da nossa renda para outros atores enquanto os salários europeus não aumentam; é um choque de riqueza negativo.
Como responder a esse choque se quisermos evitar um descontrole preços-salários? Através da política fiscal. Não distribuindo 15 centavos por litro para todos, o que representaria um verdadeiro desperdício de dinheiro público, mas concentrando a ajuda nos 40% mais pobres.
É uma ilusão pensar que podemos compensar o impacto do aumento dos preços da energia aumentando os salários. Devemos desbloquear o índice que serve para reajustar os salários dos servidores públicos e aumentar o Smic [Salário Mínimo Interprofissional de Crescimento], mas não com o objetivo de compensar a alta dos preços da energia. Neste caso, iríamos longe demais e iniciaríamos um ciclo preços-salários que poderia sair do controle.
Parece que entre o aumento da taxa de juros do FED nos EUA e a restrição surpresa da política do BCE, os bancos centrais não estão ajudando?
Tenho uma interpretação menos “falcão” das decisões do BCE. Penso que procurará assegurar que os diferenciais das taxas de juro entre os países da zona do euro permaneçam sob controle.
No mundo econômico atual, vemos que a política econômica que mais influencia a dinâmica dos preços é a política fiscal: quando ela apoia demais a economia, como é o caso dos Estados Unidos, aumenta a inflação; quando ela é muito austera, como foi o caso após a crise da zona do euro, quebra a dinâmica dos preços.
O papel da política monetária é estabilizar as finanças, com o controle dos bancos, mas também evitando a fragmentação da zona do euro, ou seja, controlando as taxas de empréstimo dos Estados para evitar qualquer crise de financiamento da dívida pública.
Na França, devemos trabalhar mais?
Não cabe ao economista responder a esta pergunta. Esta é uma escolha da sociedade: o que a população francesa quer? Trabalhar e consumir mais? Usufruir de mais lazer e consumir menos? O sistema previdenciário não está falido; há alguns déficits de curto prazo, mas o equilíbrio do sistema está assegurado. Saber quanto deve ser a pensão, quanto tempo você tem que trabalhar para obtê-la etc. correspondem a preferências sociais que devem ser discutidas coletivamente.
O capitalismo precisa cada vez mais do Estado de bem-estar para a saúde, a educação, a dependência etc. A questão fundamental é como garantir um lugar mais importante para ele e como lidar com o assunto a nível europeu para evitar uma corrida pela proposta mais baixa.
A redução do custo do trabalho tornaria possível reindustrializar a França?
Não mais. Quando, no início de 2010, a Alemanha procedeu ao dumping dos salários, a diferença com a França aumentou. Depois, a Alemanha criou um salário mínimo, que o atual governo vai aumentar, e os salários estão subindo. Nosso problema está mais no lado da qualidade dos produtos.
A nossa competitividade exige também um sistema de formação que nos dota de técnicos de alto nível. Se pensamos que baixar os impostos sobre a produção em 10 milhões de euros resolverá os problemas, estamos enganados. Se eles atrapalham a produção, vamos transformá-los em impostos corporativos, com receitas fiscais permanentes.
Quais seriam os temas importantes que deveriam ser abordados durante a campanha?
Precisamos repensar nosso sistema educacional, desde os primeiros anos até o ensino superior e até a pesquisa, o que representa um ponto fraco em nossa economia. Temos que sair de um sistema de saúde low-cost onde o pensamento se concentra apenas na melhor forma de reduzir os orçamentos. A França deve recuperar a autonomia estratégica diante dos choques climáticos, geopolíticos etc.
Não consigo encontrar respostas na campanha para todos esses temas cruciais. Como disse, falta-nos uma reflexão sobre o longo prazo.
Geralmente, durante as campanhas presidenciais, tínhamos economistas importantes apoiando este ou aquele candidato, ou listas de apoio. Este não parece ser o caso em 2022. Por quê?
Uma eleição para escolher um novo presidente que, como candidato, evita o debate, tudo isso no contexto de uma guerra, anestesia um pouco o debate e a vontade de contribuir para isso.
Além disso, em 2017, assistimos a um confronto dividido sobre a dívida pública, ela desapareceu, e sobre as desigualdades, há um consenso de economistas em dizer que devemos tributar a herança, mas as pessoas não querem!
Em seu último livro, Paul Krugman lamenta que o debate entre os economistas esteja cada vez mais polarizado pelas escolhas ideológicas dos economistas.
Não é isso que vejo na França. Vejo, ao contrário, uma certa despolitização da geração mais jovem. Há muitos economistas muito bons, muito empíricos, que fazem seu trabalho e deixam os governos decidirem o que querem. Veja o que aconteceu durante a pandemia. Houve muitos trabalhos sobre o equilíbrio entre crescimento e saúde, mas nenhum compromisso com soluções específicas.
Recentemente, na Alemanha, um grupo de economistas publicou uma nota avaliando o custo para a economia de ficar completamente sem gás e petróleo russos. A nota conclui que há um custo, mas que lhes parece suportável no que diz respeito à preservação da democracia na Europa. É uma posição política, mas não faz parte de um confronto polarizado.
Os tecnocratas substituíram os economistas na elaboração das ideias econômicas dos candidatos?
A causa primária do desencanto político dos economistas é que os partidos políticos eram integradores de debates e ideias. Hoje, eles estão em péssimo estado e contribuem muito menos do que ontem para atrair economistas; a única exceção nesta campanha é a União Popular de Jean-Luc Mélenchon, que reuniu muitos.
Os peritos da administração ocupam, de fato, um terreno abandonado pelos partidos. Mas ninguém hoje pensa nesse período particular de transformação do capitalismo que estamos vivendo. Antes de dar conselhos, devemos entender a nova dinâmica econômica que está surgindo diante de nós.
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“No novo capitalismo, falta-nos uma reflexão sobre o longo prazo”. Entrevista com Xavier Ragot - Instituto Humanitas Unisinos - IHU