“O futuro da esquerda depende sobretudo de sua refundação intelectual, simbólica, prática e organizativa. Este deveria ser um trabalho de construção concreta, não ficar em meras proclamações”, escreve Roger Martelli, historiador, em artigo publicado por Nueva Sociedad, Janeiro-Fevereiro/2022. A tradução é do Cepat.
Houve um tempo em que os trabalhadores estavam no coração do povo, eram seu grupo mais importante. Este grupo foi se expandindo graças à potência da industrialização e a urbanização. Sua organização como “movimento operário” também tendeu a unificá-lo gradualmente e o instalou como uma classe objetiva e subjetiva.
O próprio movimento acabou se misturando com as flutuações de uma ampla corrente de ideias: nasceu no coração da Revolução Francesa de 1789-1794, reviveu com as três revoluções populares do século XIX (1830, 1848, 1871), alimentou as representações de uma esquerda propriamente política. Um grupo sociológico fundamental, um movimento operário, uma esquerda claramente identificada... O mito do “bloco social”, burguês ou popular.
A esquerda não se reduziu a um conjunto de partidos políticos. Ao contrário, apresentou-se como um vasto complexo que associava, de maneira mutante, o social, o político e o simbólico. Até fins do século passado, relacionava o protesto, mais ou menos massivo, violento e radical, a algo que tinha a ver com a expectativa social, centrada nas noções de igualdade e justiça. Expressou-se em diferentes formas: a “Santa Igualdade” dos Sans-culottes, a “República democrática e social” dos anos 1848-1871 e, simplesmente, o “social” do movimento operário.
Foi essa articulação da crítica e de um horizonte necessário e possível de ruptura que permitiu que a indignação, inclusive aquela explosiva, não caísse no ressentimento. E a ela devemos a capacidade de moldar o sistema capitalista dominante que, das décadas de 1930 a 1980, impôs ajustes regulatórios do chamado “Estado de Bem-estar”. Esta longa sequência histórica está encerrada, ao menos em sua coerência.
A fase de relativa unificação em torno da referência “trabalhador” deu lugar a um fenômeno inverso de fragmentação dos grupos dominados. Como anunciou o Manifesto do Partido Comunista, em 1848, o capitalismo se tornou universal, mas não se simplificou ao se tornar global. Se a polarização produzida pela distribuição desigual dos recursos continua sendo a regra, atravessa todos os territórios, todas as sociedades e todos os grupos que as compõem. Sendo assim, hoje, não há um norte e um sul, um centro e uma periferia, um povo e uma elite. O “bloco” social, burguês ou popular, é um mito.
Por sua parte, a expectativa social se viu abalada pelos trágicos sobressaltos do século XX. O comunismo político sofreu a estagnação de um modelo soviético, voluntarista e estatista que durante muito tempo constituiu uma base importante de identificação. As dissidências do movimento comunista, fechadas nas lembranças ilusórias do bolchevismo russo, nunca conseguiram sair da marginalidade. O terceiro-mundismo, preso nas redes do neocolonialismo e seus substitutos, não produziu um modelo emancipatório alternativo.
Em relação ao socialismo europeu, que durante muito tempo extraiu força do Estado de Bem-estar, não conseguiu se relançar de forma sustentável após o colapso dos equilíbrios de poder posteriores a 1945. Em resumo, a esquerda não pôde reformular a base simbólica que a sustentou durante ao menos um século.
Quanto ao movimento operário, que em maio-junho de 1968 alcançou seu auge ao mesmo tempo que seu canto do cisne, nunca deixou de vacilar entre a renúncia e a nostalgia. Se não desapareceu, não é mais capaz de colorir todo o conjunto das insatisfações, descontentamentos e expectativas dentro de sociedades que empreendem caminhos distintos aos do crescimento industrial e urbano. É verdade que esse crescimento acarretou dor e tragédia, mas também suas esperanças em um progresso contínuo, impulsionado pela ciência e o auge das lutas dos dominados.
No entanto, esse otimismo perdeu sua vigência. Portanto, há muito espaço para amarguras, incertezas e medos. O conflito social permanece aí [1]. Extremamente duro, às vezes violento, diferencia-se, no entanto, das mobilizações do passado. A luta pode ter uma causa: o clima, a rejeição à discriminação racial ou de gênero, a denúncia da violência sexista. Pode ser mais global e claramente interclassista, como o movimento dos “coletes amarelos”. Neste último caso, o mais claramente popular, a rejeição exacerbada à exclusão e ao desprezo social foi o impulso mais comum do compromisso pessoal.
Mas, diferente das mobilizações do movimento operário, as atuais não encontram o coagulante simbólico que articulava a indignação com a expectativa de uma lógica social mais igualitária e atenta à dignidade de cada indivíduo. Pela falta do “princípio de esperança”, tão caro ao filósofo alemão Ernst Bloch, e de uma identificação mais nítida da causa dos males sociais, a indignação luta penosamente para se agrupar, volta-se com boa vontade contra bodes expiatórios e pode derivar em ressentimento por retrocesso e exclusão. Sem que haja uma manipulação direta e massiva, os conflitos mais recentes se deslizam assim para um desenvolvimento político mais favorável à extrema direita do que a uma esquerda que assume um discurso de crítica social.
De esperanças fugazes a desilusões cruéis, a esquerda perdeu influência no debate das ideias. Em pouco tempo, o espírito da época mudou de lado. Tudo começou nos anos 1970. Quando o grande crescimento de 1945-1975 se esgotou, surgiu uma crise nas democracias ocidentais, acusadas de não conseguirem enfrentar as crescentes demandas sociais que impulsionavam as sociedades de massa e de consumo.
Sob os auspícios de um clube mundial muito elitista – a Comissão Trilateral [2] -, em 1975, começou a aparecer a noção de “governança”, proveniente do mundo da grande empresa privada. Dado que a democracia adoeceria de uma grave falta de autoridade que a tornaria “ingovernável”, só a regulamentação por “méritos” poderia evitar o risco de explosão social e encontrar os caminhos para a eficiência. A lógica tecnocrática dos especialistas deve primar, então, sobre o frágil equilíbrio dos representantes.
Quase ao mesmo tempo, surgiu outra visão do lado da extrema direita francesa. Um dos primeiros expoentes, Alain de Benoist, filósofo pioneiro da Nouvelle Droite [Nova Direita], teoriza a hipótese de que, após dois séculos dominados pelo tema da igualdade, o século XXI deveria ser testemunha da expansão irresistível de um desejo de identidade [3]. A Comissão Trilateral e a Nova Direita têm um ponto em comum: a certeza de que as desigualdades no acesso a bens, conhecimentos e poderes e as conseguintes distinções hierárquicas e a divisão do trabalho que derivam delas são a condição de qualquer progresso social. Restava encontrar a conjuntura que pudesse uni-las completamente. Isto aconteceu no cruzamento de dois séculos: XX e XXI.
Uma vez desmantelado o sistema soviético europeu, quando parece se impor a ideia de que o liberalismo triunfou sobre o comunismo, o próprio Samuel Huntington, que em 1975 “inventou” o conceito de “governança”, introduz nos anos 1990 o de “choque de civilizações”. Sugere que agora toda a história gira em torno do confronto entre um Ocidente rico, mas em declínio demográfico, e um islã que não tem os atributos do poder, mas que de seu lado conta com o impulso demográfico e a atração de sua doutrina.
Um pouco mais tarde, em 2004, Huntington explicará que a paz civil estadunidense se vê ameaçada pelo surgimento de minorias, em especial de língua espanhola, que aparecem para minar a hegemonia histórica do núcleo fundador, branco e de língua anglo-saxônica [4]. O choque de civilizações teria prevalecido sobre a luta de classes, os conflitos entre imperialismos e a Guerra Fria.
Depois de 11 de setembro de 2001, o “choque” se torna “estado de guerra”, que justifica a “guerra global contra o terror” e autoriza o uso do “estado de emergência”. Ao se tornar global, a guerra passa a ser mais do que nunca a norma e levanta a “obrigação internacional de proteger” [5].
Em 1977, De Benoist desafiou o “buenismo” e escreveu que “as identidades podem entrar em choque entre si”. Acrescentou que “é perfeitamente normal defender a própria pertença”. Com o amanhecer do século XXI, uma nova doxa está assim firmemente estabelecida, o que só prolonga a intuição da extrema direita: o Ocidente se fragiliza porque as forças expansivas corroem a sua identidade; pode morrer, porque já não sabe o que é e porque outros atuam para que não seja mais o que era.
Embora a segurança redistributiva tenha sido a bandeira do Estado regulador do boom do pós-guerra, a insegurança e a necessidade de proteção são fatores de máxima legitimidade para um Estado que se quer “modesto”. Um sentimento cobre os medos: “não estamos mais em casa” e “nossa identidade está ameaçada”. O islã é o novo principal inimigo e seu vetor mais poderoso são os movimentos migratórios. No passado, as pessoas temiam os efeitos da migração em termos de salário e emprego. Agora, o novo apocalipse se concentra na “grande substituição”, inevitável se um renascimento nacional e protecionista não chega para detê-lo.
Afirmar seu poder contra todos os outros, proteger sua identidade, garantir sua segurança: a trilogia do medo agora governa o debate de ideias. O problema é que a esquerda em geral capitulou. Fez isso, por defeito, ao explicar que o verdadeiro debate estava na questão “social”. Também em nome do postulado de que não devemos deixar o terreno para a direita e a extrema direita. No entanto, essa vontade da esquerda de ocupar o terreno muitas vezes se deu submetendo-se a padrões pré-definidos.
O primeiro revés ocorreu com a tentação da segurança. Entre 1997 (colóquio de Assises de Villepinte sobre segurança) e 2002 (Lei de Segurança Interna), o Partido Socialista começou a destacar que a “frouxidão” e o “buenismo” eram legados obsoletos da esquerda. Posteriormente, em novembro de 2014 e novamente em 2015, uma maioria parlamentar de esquerda decidiu “fortalecer as disposições relativas à luta contra o terrorismo” e ampliar os procedimentos para escutar e controlar as pessoas em uma escala sem precedentes.
Com o tempo, sem que a esquerda caísse em si e reagisse, deu-se o longo desenvolvimento judiciário e policial que, em um século, fez a passagem do criminoso “responsável” ao criminoso “nato”, depois ao criminoso “potencial”, que deve ser detectado e investigado antes de agir. Indivíduos, territórios, populações em risco, que são rastreadas, controladas, segregadas e isoladas.
Da mesma forma que a nação dos anos 1880-1914 ficou atolada no nacionalismo belicista desenfreado, a segurança se transformou no magma de uma segurança globalizada e teorizada. E, assim como em 1914, diante do delírio do fanatismo nacionalista, a esquerda em seu conjunto não pôde ou não soube resistir.
Parte da esquerda também capitulou na questão da identidade. Em 2014, Christophe Guilluy opôs a “França metropolitana” em seu conjunto à “periferia” [6]. Acrescentou que os governantes cometeram o erro de concentrar seus esforços nos “bairros” das metrópoles – com uma alta concentração de imigrantes – em detrimento dos “nativos” da França periférica.
Em 2015, Laurent Bouvet certamente adverte contra a “armadilha da identidade”, mas responsabiliza as “minorias” que, ao insistir na “diversidade” e rejeitar a “integração”, agitam as tensões identitárias da “maioria” [7]. Assim, a invisibilidade dos discriminados se tornaria a chave de qualquer paz social futura, como foi antes o confinamento das “classes perigosas” e a invisibilidade dos trabalhadores na cidade industrial em expansão.
Esse desejo de retorno ao “mundo que perdemos” [8], alimentado pelas desordens da “globalização” capitalista, empurra alguns a opor as virtudes da imobilidade e o sedentarismo aldeão do passado ao “fluxo contínuo” do presente. Levando longe demais a metáfora da “aldeia”, em nome de uma crítica radical da ideia de progresso, o filósofo Jean-Claude Michéa desafia a mobilidade e a modernidade do capitalismo de mercado e as “elites” e exalta as virtudes clássicas da decência e a tradição, apresentadas como atributos populares primordiais [9].
Da hipótese teórica à prática política, o caminho é cada vez mais estreito. Assim como a raridade intelectual de um Alain Finkielkraut preparou a radicalização da direita clássica, grupos de intelectuais de esquerda alimentaram a inflexão à direita de muitos discursos da esquerda oficial. O resultado é um estranho continuum no debate público que vincula uma extrema direita conquistadora, uma direita desorientada e uma parte da esquerda, inclusive “radical”, em busca do “povo” que a abandonou.
Invoca-se a República para deslegitimar as lutas contra a discriminação, o laicismo é enaltecido como um meio para promover a uniformidade de crenças e costumes, utiliza-se o universalismo para defender a integração pura e simples das “minorias” no molde da “maioria”. Em relação à imigração, quase sempre é um risco que deve ser canalizado quando não é o caso de detê-la. Abriu-se passagem então ao “confusionismo” dissecado pelo sociólogo Philippe Corcuff [10].
1. Em 2017, a esquerda entrou em baixa, tanto nas eleições presidenciais como nas legislativas. Ao longo das eleições, a partir de 1981, perdeu a base sociológica que havia sido sua força nas décadas anteriores. Os trabalhadores e empregados votaram principalmente na esquerda em 1981. Em abril de 2017, de 70 a 75% dos trabalhadores que votam optam pela extrema direita e menos de um terço na esquerda. No outono de 2021, as pesquisas colocam a esquerda em uma modesta posição, passando de um quarto para menos de um terço das intenções de voto.
2. Ao contrário de observações muito simplistas, não é que a sociedade tenha se tornado massivamente de direita. Em muitos sentidos, a sociedade não é nem de direita e nem de esquerda. Distribui representações e comportamentos sobre uma pluralidade de eixos possíveis: aceitação ou rejeição da ordem social, pertença de classe, alta ou baixa, confiança ou desconfiança, abertura ou fechamento, etc. No espaço político, é o face a face de direita e esquerda, em torno do par igualdade e liberdade, o que ordena a dinâmica dos conflitos. Hoje, o dualismo está em disputa, não obstante, continua sendo o determinante mais forte do voto e o não voto.
É preciso reconhecer que se tanto a esquerda como a direita perderam o seu significado, a esquerda é a que mais se fragilizou. Aos olhos de muitos de seus adeptos, perdeu fortemente o rumo ao longo das décadas, confundindo com muita frequência a lealdade com a imobilidade ou a mobilidade com a renúncia. Ao longo dos anos, as correntes de esquerda acabaram esquecendo que a soberania é apenas a caricatura do desejo de soberania, que o protecionismo acaba contradizendo a preocupação com a proteção e que a tensão identitária é o pior inimigo da livre escolha de pertenças.
O comunismo francês, que marcou a pauta durante muito tempo, ficou enfraquecido e depois marginalizado. O PS de François Mitterrand ganhou proeminência durante um tempo, mas se desmoronou nos momentos de inflexão de 1982-1984, e depois nos impasses europeus do social-liberalismo. A ‘França Insubmissa’ assumiu as roupagens do sociocomunismo de outrora, em 2017, mas não compreendeu as motivações do voto em Jean-Luc Mélenchon e corroeu as virtudes unificadoras de sua campanha presidencial. Em relação aos ecologistas, inicialmente impulsionados pelo aumento das preocupações climáticas, não conseguiram sair, desde meados dos anos 1980, do equilíbrio entre realismo e ruptura.
3. A longo prazo, as grandes representações do mundo e das sociedades estruturam em maior ou menor medida as famílias políticas. Hoje, o poder vigente e a extrema direita se baseiam em uma coerência que não é impossível decifrar. Por um lado, um projeto economicamente liberal, autoritário e aberto ao exterior (Europa, o mundo), por outro, um projeto que é ao mesmo tempo “antiliberal”, protecionista e excludente.
A novidade é que o surgimento de Eric Zemmour atinge a encarnação do segundo projeto, até então confiado à personalidade de Marine Le Pen. No entanto, não é seguro que a esquerda dispersa e a direita parlamentar dividida entre o macronismo e a extrema direita possam se beneficiar da intrusão do comentarista e escritor de best-sellers. Na esquerda, em todo caso, a dispersão e exacerbação da concorrência são apenas sintomas de uma falta de projetos.
4. Contudo, nem a acumulação de propostas e nem o seu agrupamento em programas podem substituir um projeto capaz de oferecer sentido. Só uma narrativa coerente pode devolver à esquerda seu poder de atração, ao vincular um objetivo, um método e o complexo processo político que os mantém vivos no tempo. Portanto, não basta reivindicar a inevitável “mudança de paradigma” em torno da qual tudo deveria se reorganizar. A sociedade é um todo e nenhuma ruptura, seja social ou civilizatória, deriva da ação sobre apenas um elo, ainda que esteja marcado pelo sinal da urgência, ecológica e social.
Nenhum projeto subversivo e realista pode prescindir de um pensar contínuo em termos de processo e contradições. Nada muda sem a mobilização concreta e imediata dos indivíduos, mas esta mobilização é frágil se permanece constrangida pelas lógicas que governam a distribuição de ativos, conhecimentos e poderes.
Não há mudança humanamente sustentável se a acumulação depredadora de bens sempre tem prioridade sobre o desenvolvimento sóbrio das capacidades humanas. Nenhuma mudança profunda e duradoura é concebível sem uma maioria que a almeje e a dirija, e nenhuma maioria é possível sem um trabalho a longo prazo para construí-la e mantê-la.
Em resumo, não é possível esperar que as coisas melhorem sem uma ruptura tangível e imediatamente perceptível, mas de nada serve evocar a ruptura sem o longo tempo de sua construção coletiva. As contradições sociais não podem ser negadas, mas aceitas. É tarefa do projeto colocar esses anseios em curso.
5. Uma estratégia de mudança radical não se baseia em improváveis agrupamentos de esquerda, nem na constituição de blocos sociais ilusórios. Supõe reunir uma maioria de dominados em torno de um objetivo coerente que sirva de eixo para a construção de um polo cujo palavra-chave é “emancipação”. Politicamente, trata-se de articular de uma maneira nova o agrupamento do “povo”, da esquerda e a promoção de uma esquerda que se localize de verdade na esquerda.
É inútil sonhar em retornar a um passado ilusório. O mundo e a sociedade seguem regidos pela lógica da pilhagem, mas não são mais o que eram. A desigualdade não pode mais ser analisada sem a discriminação que a modela e a legitima. O comum não deriva da mera justaposição de comunidades, do recurso a um universalismo abstrato ou da confusão mantida entre o público e o Estado. Podemos rejeitar a globalização e pretender ser globais, não dar as costas à nação e desconfiar da soberania. Não se trata mais de um equilíbrio perpétuo entre o individual e o coletivo, mas de repensar radicalmente seus contornos e articulação.
A esquerda histórica acabou reconciliando a república e a classe operária. Conseguiu isto conectando a dinâmica social, a construção política e o trabalho intelectual e cultural. No entanto, a história dissociou tais campos, por boas e não tão boas razões. Entender o que desfez os vínculos e imaginar o que pode voltar a tecê-los é, pois, tão estratégico como encontrar uma linguagem comum no campo dos partidos. Isso não está regulado pela inflação de novas palavras (“interseccionalidade” é uma delas), nem por sagazes montagens de Meccanos.
Em definitivo, se buscar unir a esquerda continua sendo um objetivo necessário, é inútil subestimar as densas contradições que isto acarreta. Buscar esse fim o mais rápido possível é uma ideia razoável. Mas é igualmente relevante medir o que isso implica em termos de paciência, tolerância e desejo de inovação radical. O futuro da esquerda depende sobretudo de sua refundação intelectual, simbólica, prática e organizativa. Este deveria ser um trabalho de construção concreta, não ficar em meras proclamações.
1.Ver os artigos de Alain Bertho disponíveis em www.regards.fr/auteur/alain-bertho.
2. A Comissão Trilateral é um think tank internacional fundado em 1973 por empresários do Japão, Estados Unidos, Canadá e Europa ocidental por iniciativa de David Rockefeller. Em 1975, a Comissão Trilateral publicou um notável relatório intitulado “A crise da democracia”, escrito por três renomados intelectuais: o francês Michel Crozier, o japonês Joji Watanuki e o estadunidense Samuel Huntington.
3. A. de Benoist: ‘Vu de droite. Anthologie critique des idées contemporaines’, Copernic, París, 1977 (Grande Prêmio de Ensaio da Academia Francesa, em 1978).
4. S. Huntington: ‘O choque de civilizações e a recomposição da ordem mundial [1996]. Ver também: ‘¿Quiénes somos? Los desafíos a la identidad nacional estadounidense’, Paidós, Barcelona, 2004.
5. Organização das Nações Unidas (ONU), 12/2004.
6. C. Guilluy: ‘La France périphérique. Comment on a sacrifié les classes populaires’, Flammarion, Paris, 2014.
7. L. Bouvet: ‘L’insécurité culturelle, Fayard’, Paris, 2015.
8. Jean-François Sirinelli: ‘Ce monde que nous avons perdu. Une histoire du vivre-ensemble’, Tallandier, Paris, 2021.
9. J.-C. Michéa: ‘Les mystères de la gauche. De l’idéal des Lumières au triomphe du capitalisme absolu’, Climats, Paris, 2013.
10. P. Corcuff: ‘La Grande Confusion. Comment l’extrême droite gagne la bataille des idées’, Textuel, Paris, 2021.