13 Fevereiro 2021
O tribuno de esquerda radical nunca deixa de recordar seu conhecimento íntimo do catolicismo, que deve à sua relação atormentada e complexa com a fé forjada no ambiente familiar.
A reportagem é de Pierre Jova, publicada por La Vie, 03-02-2021. A tradução é de André Langer.
Quem mais do que ele é capaz de citar três encíclicas da tribuna da Assembleia Nacional? Ontem, durante a abertura dos debates sobre o projeto de lei contra o “separatismo”, Jean-Luc Mélenchon voltou a brilhar com sua cultura religiosa.
“Manifesto a nossa emoção e a nossa gratidão para com os representantes da fé católica por terem dado este passo na direção que nos une e nos aproxima. Vejo aí um vestígio das consequências da encíclica Fratelli Tutti ou da Laudato Si’”, declarou o deputado de Bouches-du-Rhône, saudando uma recente declaração dos bispos da França a favor da liberdade religiosa, permitida pela Lei de Separação entre Igrejas e Estado de 1905.
“Sim, é um grande acontecimento porque recordo que a encíclica de 1906 Vehementer Nos afirmava que era necessário desobedecer à lei de 1905 porque retirava os crucifixos dos tribunais, não isentava os padres do serviço militar, etc.”, continuou, não sem aproximações e erros factuais sobre o contexto histórico.
Quem anda com o personagem não vai se surpreender. Jean-Luc Mélenchon é um leitor de textos emanados do Papa, e não esconde isso. “Eu li as encíclicas, e devo ser o único da esquerda a fazê-lo!”, confidenciou em nossas colunas, durante uma entrevista em fevereiro de 2012.
Oito anos mais tarde, ainda na La Vie, escreveu um artigo elogioso sobre a Fratelli Tutti, em outubro passado: “O Papa facilita a emergência de uma concepção universalista baseada em uma experiência íntima amplamente compartilhada”, escreveu. Em 2015, saudou também a promulgação da Laudato Si’, a ponto de escrever ao núncio apostólico em Paris para agradecer ao Papa. Uma atitude que nunca deixa de surpreender, pois parece se situar nas antípodas de outras declarações, mescladas com o anticlericalismo, a que Jean-Luc Mélenchon está habituado.
A trajetória pessoal do deputado de Marselha é bem conhecida. Nascido em Tânger, cidade portuária do Marrocos, em 1951, filho de pai carteiro, maçom e “comedor de padres” e de mãe professora, católica fervorosa, ambos pés-negros de origem espanhola, Jean-Luc Mélenchon cresceu com esta dupla herança.
“Minha mãe tinha sido exploradora na França. Ela manteve essa mentalidade de escoteira, reconheceu ao jornalista da Famille Chrétienne Samuel Pruvot, autor de 2017, les candidats à confesse, Editions du Rocher (2017, os candidatos à confissão). Ela viveu o cristianismo como uma sublimação de sua luta contra a pobreza. Colocou a humilhação no centro de sua fé. Mais tarde percebo que isso teve muitas consequências para mim. Quando você é pequeno, isso o marca”.
Na esteira de sua mãe, ele serviu a missa como coroinha, e ainda hoje se lembra das respostas e dos cantos da liturgia em latim, como era celebrada a missa antes do Concílio Vaticano II.
Apesar do divórcio dos pais e afastando-se do sol marroquino, Jean-Luc Mélenchon continua frequentando a Igreja Católica para onde sua mãe se mudava: em Yvetot, na Normandia, depois em Franche-Comté, onde é bacharel em Lons-le-Saunier e estudante em Besançon.
Aos 14 anos, ler o jesuíta e cientista Teilhard de Chardin foi um deslumbramento intelectual para ele. “Meu primeiro contato com uma visão global do mundo se deu com Teilhard de Chardin. Isso explica porque, na sequência, pude compreender e entrar tão facilmente na lógica da Teologia da Libertação e na relação que ela tinha com o Partido dos Trabalhadores”, explicou-nos em 2016.
E o atual líder da França Insubmissa afirma que Chardin havia sido colocado no Index pelo Vaticano na época, o que não é verdade: suas obras realmente foram submetidas a uma advertência pelo Santo Ofício, mas sua obra rapidamente se espalhou por toda a Igreja. Já em 1968, o teólogo alemão Joseph Ratzinger, futuro Bento XVI, escreveu: “É um grande mérito de Teilhard de Chardin ter repensado essas relações – Cristo, humanidade – a partir da imagem atual do mundo, por tê-las, no conjunto, compreendido corretamente”.
Posteriormente, Jean-Luc Mélenchon afastou-se da fé católica, enquanto evoluía em um ambiente franco-comté de esquerda, habitado por cristãos sociais. “Todos os homens que compunham minha seção socialista no final dos anos 1970 em Montaigu vieram da Ação Católica Operária. Eu ia buscá-los depois da missa. Eu era o único não crente!”, ainda se lembrava, quando La Vie o entrevistou em 2012.
Ainda hoje, alguns de seus familiares são católicos comprometidos. Sinal de que o ex-coroinha não esqueceu completamente seu catecismo, é capaz de argumentar, aos jornalistas da Famille Chrétienne que o questionaram, em 2017, por que o apóstolo Tomé, a quem Cristo ressuscitado censura sua incredulidade, é seu santo favorito: “Gosto desta cena, que é significativa do cotidiano de cada ser humano, confrontada com o jogo das aparências e com as verdades que pressente para além dessas aparências”.
E o três vezes candidato à presidência a se comparar, às vezes… com Jesus, como durante suas palavras à imprensa, em 2011: “Não estou mais impaciente para ser candidato do que Cristo estava para ser crucificado”.
Jean-Luc Mélenchon confiou-nos em 2012: “a fé abrasa”. Nesse sentido, o tribuno da esquerda radical é um grande abrasado, marcado por sucessivas feridas infligidas pela Igreja.
O divórcio dos pais, em primeiro lugar, e o novo casamento da mãe, que a levou a não poder mais receber a Eucaristia. “Eu senti uma violência incompreensível para um menino de 9 ou 10 anos na época”, testemunha. Sua experiência no La Croix jurassiano, depois: em 1978, na época um jovem casado e pai de uma menina de 4 anos, Jean-Luc Mélenchon lutou para encontrar um emprego estável no jornalismo, onde sua intensa paixão ativista o movia.
Depois do naufrágio do La Tribune du Jura, jornal da federação socialista local que ele havia criado, colaborou com este semanário católico, que ainda existe sob o nome de Voix du Jura. É ali que assina caricaturas notáveis, sob o pseudônimo de “Moz”, e espera muitíssimo obter aí um cargo.
Infelizmente, seu zelo é mal recompensado. Não foi contratado com o pretexto de ser a favor do aborto, legalizado em 1975. “São esses cristãos?”, perguntou novamente, quase cinquenta anos depois. No mesmo ano, Jean-Luc Mélenchon e sua família mudaram-se para Massy, em Essonne, onde se tornou chefe de gabinete de Claude Germon, prefeito socialista e maçom.
Começa outro período para o futuro candidato a presidente, prometido a uma longa carreira de parlamentar sob François Mitterrand. Ela coincide com a sua entrada na maçonaria, no Grande Oriente da França, uma obediência ancorada à esquerda, e que suprimiu, no final do século XIX, qualquer referência a um Deus “arquiteto do universo”.
Jean-Luc Mélenchon aterrissou aí com ainda mais entusiasmo ao retornar ao compromisso maçônico de seu pai. Permaneceu fiel a ela, embora sua presença nas lojas diminuísse com o tempo, e ele foi ameaçado de suspensão da maçonaria em 2018, após buscas em sua casa e na sede parisiense da França Insubmissa.
Alinhado com o Grande Oriente, o senador socialista, então criador do Partido de Esquerda, adota uma visão da laicidade que tolera a crença religiosa apenas na condição de ser estritamente privada. Adversário da Concordata na Alsácia-Mosela, de estatutos específicos no Além-Mar, mas também do financiamento de escolas particulares sob contrato, ele recusa políticos a participarem de qualquer evento religioso e fica indignado com cada presépio de Natal exposto na praça de uma prefeitura.
Mélenchon também defende a visão antropológica do Grande Oriente, que promove o aborto, a eutanásia e a negação da diferença sexual entre homens e mulheres. “O homem criador de si mesmo”, resumiu em outubro passado, durante um debate na Assembleia Nacional sobre a interrupção voluntária da gravidez. No fundo, ele teoriza sua rejeição a uma França “branca e católica”, que acusa de oprimir as minorias: “Decidi ser judeu, árabe, berbere, negro, ateu, declara ao semanário Valeurs Actuelles, em março de 2007. Eu pude participar legitimamente de muitas lutas pela igualdade de direito e de fato entre os seres humanos”.
Essa fúria volta-se contra Bento XVI, retratado por Mélenchon como um obscurantista, ou ainda um adepto do “choque de civilizações” de Samuel Huntington: uma interpretação contrariada por Stéphane Bürgi, autor de Occident et rencontre des cultures, Éditions Médiaspaul (Ocidente e encontro de culturas), encarregado de cursos na Universidade de Sherbrooke, em Québec, para quem este papa valoriza o diálogo intercultural, em uma busca comum pela verdade.
No entanto, a crítica de Jean-Luc Mélenchon pretende ser precisa e filosófica. Sua Réplique au discours de Nicolas Sarkozy, chanoine de Latran, Éditions Bruno Leprince (Réplica ao discurso de Nicolas Sarkozy, cônego de Latrão), intervenção feita no Grande Oriente antes de virar livro, critica duramente a visita do então Presidente da República ao Vaticano, no final de 2007. Da mesma forma, incentiva seus ex-companheiros socialistas – ele acaba de deixar o PS para fundar o Partido de Esquerda – a ouvir o discurso de Bento XVI no Collège des Bernardins, em 12 de setembro de 2008, com vistas a poder criticá-lo melhor.
“Os intelectuais do partido deveriam ter sido informados: ‘Senhoras e senhores, todos na frente da TV ou na sala, vocês devem ouvir o que ele vai dizer e ao final farão a decodificação’. Porque somos a pátria de d'Alembert e de Diderot. Então, como podemos permanecer em silêncio quando alguém vem nos dizer que a razão sem a fé é o naufrágio da razão!”, zomba, em uma entrevista a Valeurs Actuelles, em dezembro de 2008.
Quando Jorge Mario Bergoglio foi eleito em 2013 para o ministério de Bispo de Roma, Jean-Luc Mélenchon foi inicialmente hostil. “Esta não é uma boa notícia para os progressistas do mundo cristão, nem para a revolução cidadã na América do Sul”, rugiu o tribuno em seu blog, cuja maioria dos textos ele mesmo escreve.
Em questão: seu suposto apoio à ditadura militar argentina de 1976 a 1983, acusação contestada por historiadores e jornalistas sérios. No entanto, seu tom rapidamente se tornou menos zangado, ao ver a visita do novo papa em 2015 a Cuba, a pátria amada da Revolução, e trabalhar para quebrar o cerco americano sobre a ilha castrista – como João Paulo II e Bento XVI fizeram, em seus respectivos tempos.
“Quando o Papa Francisco foi eleito, eu fui muito crítico por causa de sua atitude durante a ditadura na Argentina. Mas todos os meus amigos latinos me disseram: ‘Temos que parar com isso, porque o Papa Francisco está nos ajudando’”, admitiu Mélenchon a Samuel Pruvot em 2017.
Esse olhar renovado sobre o Papa Francisco, o ex-coroinha deve à sua proximidade com a esquerda sul-americana. Sempre em busca de ideias no exterior, Jean-Luc Mélenchon foi um respaldo precoce – e constante, mesmo na falência de seu regime – de Hugo Chávez, presidente da Venezuela de 1999 a 2013.
Este cristão místico, que viu em Jesus o “primeiro revolucionário”, morreu de câncer repetindo: “Eu me apego a Cristo”. Ele também fez amizade com Rafael Correa, presidente do Equador de 2007 a 2017 e católico convicto, que se opôs em um mesmo movimento ao liberalismo econômico e ao aborto.
“A minha relação com a Igreja Católica mudou, reconheceu o candidato da França Insubmissa em 2017, os candidatos à confissão. Estou de volta a um ponto de equilíbrio hoje, depois do que vi dos crentes na América Latina. Não podemos mais zombar dos padres quando o seu camarada, padre de seu estado, foi morto a tiros fora da sua igreja pela extrema direita! Eu não podia mais ver a Igreja como um aparelho monolítico”.
Sem dúvida, a caminhada de Jean-Luc Mélenchon com o Cristianismo não terminou. “Levei uma vida inteira para chegar onde estou vis-à-vis a Igreja. Este ponto não é um meio-termo. Experimentei os limites das minhas certezas”, contou a Samuel Pruvot, em 2017.
Além disso, sua convicção íntima permanece um mistério. Embora muitos jornalistas não hesitem em designá-lo como ateu, ele mesmo refuta esse qualificativo. “Você não sabe se sou ateu ou crente, nunca o diria enquanto eleito do povo francês: represento a todos! Portanto, ninguém nunca saberá o que eu sei sobre isso”, advertiu a Yves Calvi, no programa Mots Croisés, em dezembro de 2009.
Em doze anos, algumas coisas mudaram? Isso corresponde à pessoa interessada. “A consciência é o centro mais secreto do homem, o santuário onde está só com Deus e onde sua voz se faz ouvir”: não é uma encíclica que diz isso, mas a constituição pastoral Gaudium et Spes, do Concílio Vaticano II. Uma leitura que não poderíamos recomendar mais a Jean-Luc Mélenchon.
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Um leitor de encíclicas chamado Mélenchon - Instituto Humanitas Unisinos - IHU