22 Março 2022
Francisco colocou a neutralidade da Santa Sé em uma direção mais profética, sem fechar a porta ao diálogo.
A reportagem é de Christopher Lamb, publicada por The Tablet, 18-03-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
A guerra na Ucrânia trouxe à tona uma tensão que percorreu o pontificado de Francisco. Por um lado, o Papa é uma voz profética pela justiça que fala pelos oprimidos em várias partes do globo, enquanto por outro é um chefe de Estado com considerável influência diplomática. A abordagem idealizada pelo Papa Francisco poderia ser descrita como “neutralidade profética”. Mas equilibrar esses dois braços do papado é uma operação difícil, e não é apenas a Ucrânia que ilustra o problema da diplomacia da Santa Sé.
Desde o início da guerra na Ucrânia, o Papa Francisco tem enfrentado críticas por não nomear a Rússia e Vladimir Putin como o agressor injusto. Ele chegou a ser acusado de “silêncio” diante das atrocidades. O contra-argumento, como explicou o arcebispo Claudio Gugerotti, núncio apostólico na Grã-Bretanha, em uma entrevista recentemente publicada no The Tablet, é que os papas não citam nomes nessas situações.
Os papas, disse o núncio, sempre querem deixar a porta aberta ao diálogo e à mediação. Ao não condenar Putin pelo nome, a Santa Sé mantém a porta aberta para ser um possível mediador da paz. Em 1999, João Paulo II não nomeou os autores da limpeza étnica durante a guerra do Kosovo e manteve contato aberto com a Sérvia. Em alguns aspectos, Francisco está em uma posição semelhante àquela enfrentada por Pio XII durante a Segunda Guerra Mundial. A decisão do Papa Pacelli de não nomear os autores das atrocidades nazistas o deixou aberto a críticas de historiadores, mesmo ele ajudando os judeus nos bastidores, fazendo esforços diplomáticos para parar a guerra e fazendo declarações condenando o antissemitismo.
No entanto, não há dúvida sobre a posição do Papa sobre a invasão da Ucrânia por Putin. Francisco empurrou a neutralidade da Santa Sé em uma direção mais profética, sem fechar a porta ao diálogo. “Ele deixou bem claro quem é o pecador e contra quem é o pecado”, disse-me um diplomata de alto escalão. Outro diplomata me disse que intervir diretamente com Putin é “provavelmente a coisa mais útil que eles podem fazer”.
Em 18 de março, o Papa Francisco descreveu a guerra na Ucrânia como um “abuso perverso de poder” alimentado por “interesses partidários, que condenam pessoas indefesas a sofrer todas as formas de violência brutal”. No domingo passado, ele pediu o fim do “massacre” na Ucrânia e da “agressão armada inaceitável”.
Enquanto isso, as atividades diplomáticas da Santa Sé continuam. O cardeal Pietro Parolin reiterou sua oferta de ajudar a mediar o conflito Rússia-Ucrânia e no passado descreveu a abordagem diplomática da Santa Sé como “neutralidade positiva”.
Na segunda-feira, Francisco se encontrou com o primeiro-ministro da Eslováquia, Eduard Heger, e o ministro das Relações Exteriores da Letônia, Edgars Rinkevics. Heger, cujo país faz fronteira com a Ucrânia, disse que a Santa Sé está usando seus canais diplomáticos com Moscou para tentar impedir a guerra, e apontou sua conexão com os líderes da Igreja Ortodoxa Russa. Em 17 de março, o Papa falou diretamente ao Patriarca Kirill, explicando que os cristãos não podem mais falar de “guerra santa” ou mesmo de “guerra justa”. De acordo com o Vaticano, o Patriarca Kirill, que apoiou a invasão da Ucrânia por Putin, concordou com o papa que um acordo de paz precisa ser alcançado o mais rápido possível.
Outro ponto a considerar é que o trabalho diplomático da Santa Sé não impede que os líderes das igrejas locais se manifestem com força, e vários bispos pediram ao patriarca russo, o metropolita Kirill, que retire seu apoio à invasão de Putin.
Enquanto isso, na Nicarágua, a dificuldade em manter uma posição profética e diplomaticamente neutra levou à expulsão do embaixador papal. Em novembro passado, o presidente Daniel Ortega enviou um sinal de alerta ao destituir o arcebispo Waldemar Sommertag de seu cargo de decano do corpo diplomático. Agora, o diplomata polonês de 54 anos foi forçado a deixar o país. Ortega, que governa com sua esposa Rosario Murillo, jogou opositores políticos na prisão, reprimiu a sociedade civil e recentemente ganhou uma eleição descrita como uma “pantomima”.
Sommertag deu seu apoio à postura pró-democracia da igreja local e foi creditado por ajudar a garantir a libertação de 500 presos políticos. No entanto, ele também foi criticado por opositores do regime de Ortega por não ser mais franco. Ele foi outro diplomático católico tentando buscar reconciliação e justiça em meio a turbulências políticas. O Vaticano reagiu à sua expulsão com uma repreensão extraordinariamente dura, descrevendo a decisão como “grave e injustificada” e que não representa as opiniões “do povo profundamente cristão da Nicarágua”.
A remoção do embaixador papal por Ortega colocou as relações Igreja-Estado no país sob grave tensão. Também mostrou o preço que às vezes deve ser pago pela diplomacia profética.
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As tensões da diplomacia papal na Guerra Rússia-Ucrânia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU