14 Março 2022
O risco é que a saída da guerra em curso ainda seja igualmente catastrófica, porque o domínio do vencedor impediria por um longo tempo a paz e a justiça sobre a terra, que é também o último tempo útil para salvá-la, evitando o seu colapso político, climático e ambiental.
A opinião é de Raniero La Valle, jornalista e ex-senador italiano, em artigo publicado por Chiesa di Tutti, Chiesa dei Poveri, 11-03-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Depois de 16 dias de guerra, tornam-se raras as esperanças (mas, spes contra spem, é preciso sempre esperançar) de uma saída não catastrófica da crise para o futuro do mundo. Vence o mais forte: mas o mais forte não é a Rússia, porque o seu inimigo não é a Ucrânia, mas sim os Estados Unidos, e a relação de poder (segundo os dados do SIPRI [Stockholm International Peace Research Institute]) é de 66,838 bilhões de dólares de gastos militares da Rússia contra 766 bilhões dos Estados Unidos Unidos, 1,103 bilhão de toda a Otan, enquanto a Alemanha se permite superar a restrição de 2% do PIB que lhe havia sido imposta depois de Hitler.
A verdadeira guerra que está sendo travada, de fato, é entre essas potências, e quem está vencendo é a vítima criada por elas, a Ucrânia, que se sentiu mais forte graças à solidariedade que lhe foi oferecida por todos. Mas esta, habilmente administrada pelo complexo militar-midiático do Ocidente e pelo experiente diretor e ator de televisão que se tornou o presidente da Ucrânia, se resolveu em uma unanimidade violenta que elegeu a Rússia como o único inimigo.
O crime de guerra (a guerra como crime) cometido por Putin ao cruzar o Rubicão das fronteiras com a Ucrânia, ainda que para impedi-la de instalar ali a Otan, voltou-se contra ele, que não entendeu que, desse modo, desencadearia uma fácil identificação com o mais fraco agredido, por parte dos atores não protagonistas do drama e de todos os espectadores que fazem isso de forma barata.
“Os ucranianos também estão lutando por nós” é a manchete do Corriere della Sera, retomando a teoria do dominó, que foi usada pelos Estados Unidos para exaltar a Guerra do Vietnã que, junto com o ditador golpista de Saigon, diziam estar lutando para evitar que, Estado após Estado, todo o mundo se tornasse comunista.
A identificação solicitada pelo jornal milanês, aliás, não é apenas com as vítimas, mas também com os “corajosos combatentes” que, em nosso lugar, resgatam “o pacifismo instintivo, pueril, míope, hipócrita, egoísta” ao qual o Ocidente europeu teria se reduzido, ao “perder o sentido da luta” e ficar sentado assistindo televisão. Uma apologia da guerra em pleno forma.
Tudo isso ocorre no contexto de uma guerra mundial virtual (“em pedaços”, como o papa diagnosticou há muito tempo), que chegou à beira de se tornar real e total. Esse risco está na origem do pânico e do envolvimento geral que, para além das propagandas, esta guerra suscita na opinião pública, ao contrário do que fazem ou fizeram outras guerras negligenciadas ou ignoradas, nas quais outras vítimas são sacrificadas, choram e sofrem, outras crianças se perdem, povos negados combatem – foi preciso um general, Mini, para nos lembrar disso –, outras guerras que provocam fugitivos e refugiados depois discriminados e rejeitados.
Esse risco foi inescrupulosamente assumido como se tivéssemos chegado ao juízo final no conflito que foi aberto após a Guerra Fria para decidir a estrutura do poder no futuro do mundo. A Ucrânia reivindicou a liberdade de se colocar primeiro no meio de tudo isso, os Estados Unidos decidiram aproveitar a oportunidade e correr esse risco, porque, paradoxalmente, contavam com o fato de que Putin – por eles definido como “um assassino” e considerado pelos outros como um louco, exumador da União Soviética e um czar aspirante ao trono de Pedro, o Grande – ainda seria humano e não recorreria às armas nucleares.
Esperamos que assim seja. Mas o risco é que a saída da guerra em curso ainda seja igualmente catastrófica; senão pelo uso da bomba, porque o domínio do vencedor, ao se estender a todo o mundo (quem não se lembra do projeto do “novo século americano”?), impediria por um longo tempo a paz e a justiça sobre a terra, que é também o último tempo útil para salvá-la, evitando o seu colapso político, climático e ambiental.
Mas, justamente, “esperamos contra toda esperança”, segundo o ditado paulino retomado por La Pira para desejar, a partir de Florença, depois da eleição do Papa João XXIII, um futuro de paz e fraternidade ecumênica para todo o mundo.
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Apologia da guerra? Artigo de Raniero La Valle - Instituto Humanitas Unisinos - IHU