22 Fevereiro 2022
Vestida com o uniforme de algodão azul, o mesmo usado pelos detentos de El Chipote, a prisão nicaraguense que abriga mais de 100 presos políticos do regime de Daniel Ortega, a líder da oposição Dora María Téllez compareceu a seu julgamento no dia 3 de fevereiro e teve quatro minutos para falar em sua defesa pela acusação de conspirar contra a integridade nacional.
A reportagem é de Blanche Petrich, publicada por La Jornada, 19-02-2022. A tradução é do Cepat.
Interrompida três vezes pelo juiz, a que era conhecida durante a guerra insurrecional dos anos 1970 como Comandante Dois usou contra as acusações do regime o argumento de que a soberania das nações não recai sobre as pessoas, mas sobre o povo; que nem Daniel Ortega nem Rosario Murillo, respectivamente presidente e vice-presidente, são a Nicarágua, e esse país não é uma monarquia, mas uma república.
Antes do julgamento, agendado em cima da hora, sua defesa nem sequer teve acesso ao seu número de processo e nunca teve a oportunidade de visitar a acusada ou conhecê-la. Quando ela foi levada para o tribunal, a dirigente não sabia que já era o dia da sua audiência. “O que faço aqui? Onde estou?”, perguntou à pessoa que estava ao seu lado, sem saber que era seu advogado de defesa. No dia 10 de fevereiro, ela foi considerada culpada.
Como em quase todos os casos dos cerca de 170 presos políticos que se encontram nas prisões nicaraguenses, 46 deles detidos nas semanas anteriores às eleições de novembro do ano passado (vários pré-candidatos, líderes de organizações da oposição, líderes camponeses e estudantis e dois jornalistas), nenhum processo judicial seguiu as bases mínimas de um julgamento justo. Sentenças semelhantes já foram proferidas a cinco, com argumentos idênticos.
Foi um fuzilamento judicial, declarou outro ex-comandante da revolução sandinista, Luis Carrión, que ficou à frente do partido Unamos, que fundou junto com Dora María, Víctor Tinoco e vários outros prisioneiros.
Outro líder histórico da Frente Sandinista de Libertação Nacional e reconhecido pelas gerações anteriores como herói nacional, o general de brigada retirado Hugo Torres, também preso político, morreu na semana passada. O governo informou sua morte 15 horas depois, sem especificar as causas da morte e sem informar sua família que ele tinha sido transferido para um hospital.
Torres e a Comandante Dois protagonizaram em 1979, antes da queda da ditadura de Somoza, uma ação de guerrilha que permitiu, em uma troca de prisioneiros, a liberdade do atual presidente Ortega.
Em El Chipote, junto com Téllez, estão presas outras três mulheres líderes do Unamos, que foi chamado de Movimento de Renovação Sandinista até que a dupla Ortega-Murillo proibiu o uso desse nome: Ana Margarita Vijil, Tamara Dávila e Suyén Barahona. Todas foram presas nos últimos dias de maio de 2021 em uma ação chamada Operação Danto em circunstâncias muito parecidas: sem mandado de prisão, foram transferidas para um local desconhecido onde permaneceram durante 60 dias sem acesso a ninguém. Mais tarde, em El Chipote, receberam um defensor público que não se opôs à ordem de mais 90 dias de confinamento solitário.
Também foi preso Pedro Joaquín Chamorro, filho da ex-presidenta Violeta Barrios, irmão da pré-candidata Cristiana Chamorro (em prisão domiciliar) e do jornalista Carlos Fernando Chamorro, cujo jornal, o Confidencial, foi invadido e saqueado. Para continuar operando esse meio de comunicação digitalmente, teve que se exilar.
Ao final desse período, os presos políticos tiveram direito a poucas visitas familiares, quatro em um período de oito meses. Diante da grave deterioração da saúde e perda de peso, as famílias das quatro mulheres formaram um coletivo para levar-lhes diariamente suplementos alimentares e água. Estão todas confinadas em isolamento.
Dora María recebeu uma punição adicional: escuridão permanente. Condenada à penumbra o dia todo, diz que quando olha para os pés só vê o contorno dos chinelos (chanclas) e no chuveiro não consegue distinguir os rótulos dos frascos. Portanto, ler está fora de seu alcance. “E isso – dizem testemunhas que conseguiram vê-la – foi o que mais a machucou”.
No dia do julgamento, segundo alguns depoimentos, ela não parecia pálida, mas translúcida como uma hóstia; muito magra, um pouco desorientada no início e com um tique nervoso acentuado que a fazia sacudir um dos seus braços. Quando finalmente pôde usar a palavra por quatro curtos minutos, conseguiu fazer um relato detalhado dos direitos que lhe foram negados para ter o devido processo. Até poucos dias antes, disse ela, sua família tinha permissão para lhe enviar um cobertor. O juiz interrompeu-a três vezes.
As principais provas apresentadas contra ela para sustentar as acusações de conspiração e atentar contra a soberania nacional foram: dois retuítes que ela fez de sua conta no Twitter, um sobre uma declaração do diretor da Human Rights Watch e outro sobre uma carta enviada por seis senadores dos Estados Unidos ao presidente Joe Biden. Além disso, uma aparição virtual perante o Parlamento Europeu e uma conversa tida com um parlamentar da União Europeia. Todas as testemunhas contra ela eram policiais. Não houve testemunhas a favor dela.
A última coisa que Dora María Téllez conseguiu dizer no tribunal foi: “Detida ou solta, continuarei lutando pela Nicarágua”. No dia em que a sentença foi proferida, sete dias depois, nenhum familiar teve acesso ao tribunal: oito anos de prisão e inabilitada para o exercício de cargos públicos.
Para Víctor Hugo Tinoco e outros presos, a pena foi de 13 anos. Teme-se que todas as outras sentenças proferidas por este tribunal tenham o mesmo teor. Este procedimento fora da lei será replicado em cada um dos casos dos presos políticos.
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Nicarágua. Dora María Téllez, líder da oposição foi submetida a um julgamento impiedoso - Instituto Humanitas Unisinos - IHU