18 Fevereiro 2022
"Se de tudo isso se pode tirar uma conclusão, é que uma grande reforma deve ser feita sobre a maneira de viver na Terra, e que se deve passar do direito soberano e discricional dos Estados à guerra, ao direito coletivo e indisponível dos povos à paz; uma Constituição mundial que 'repudie a guerra' parece, depois desses fatos, politicamente mais distante, mas ao mesmo tempo ainda mais necessária e urgente, e são os povos que devem tomar a causa em suas mãos", escreve Raniero La Valle, jornalista e ex-senador italiano, em artigo publicado por Chiesa di Tutti, Chiesa dei Poveri, 16-02-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
No domingo passado o jornal a “La Repubblica” anunciou com um longo artigo na p. 3 que ontem, terça-feira, a Rússia teria invadido a Ucrânia e, portanto, hoje ou amanhã teria eclodido a terceira guerra mundial, enquanto Biden e os aliados ocidentais estavam unidos para "fazer a Rússia pagar o preço mais alto que já viu até agora".
Talvez valha a pena lembrar que entre os preços mais altos pagos pela Rússia até agora estiveram Napoleão às portas de Moscou e o cerco nazista de Leningrado, e que a Primeira Guerra Mundial estourou por muito menos.
Na pág. 2 da mesma edição de domingo da "La Repubblica" dava-se a notícia do ultimato de Biden a Putin, na p. 4 se anunciava que mil soldados italianos iriam participar dessa nova campanha da Rússia posicionando-se no flanco sudeste; para o “Corriere della Sera” seriam dois mil, mas mil a mais ou mil a menos pouco importa, o efeito midiático é o mesmo; todos os jornais também noticiavam que os ocidentais, incluindo os compatriotas italianos, haviam sido convidados pelos seus respectivos governos e ministros do Exterior a fugir da Ucrânia à beira da invasão e a retornar para casa, algo que, no entanto, os italianos, numa Ucrânia que se dizia tranquila, nunca cogitaram fazer.
Todas as notícias sobre a ameaça russa, o "La Repubblica" tinha ficado sabendo pelas agências, que as tinham recebido de Biden, que as tinha ouvido da "intelligence" (que traduzido significa "inteligência"), que as havia sabido pelos generais russos que, descuidadamente, comunicavam por telefone, em linguagem não criptografada, os planos de invasão discutindo a alternativa de fazer “terra arrasada” ou marchar diretamente sobre Kiev.
O "casus belli" era que a OTAN queria se estender na Europa até englobar a Ucrânia, chagando a um passo de Moscou. Os russos, sentindo-se ameaçados, reagiam colocando seu exército na fronteira. Eles certamente não podiam contar como antigamente com o "General Inverno" para se defender, porque inclusive o clima havia esquentado nesse meio tempo, os uniformes inimigos eram muito mais pesados e a ser enfrentada não havia a infantaria ou a cavalaria de Napoleão, mas os tanques e os mísseis da Aliança Atlântica; afinal, os russos se lembravam bem que quando Khrushchev quis colocar os mísseis balísticos em Cuba, em resposta àqueles estadunidenses na Turquia, os Estados Unidos não pensaram duas vezes em enviar sua frota e decretar o bloqueio naval da ilha e, portanto, era igualmente justificada agora a sua reação ao encenar uma demonstração de força na linha de fronteira.
Naquela época, o Papa João interveio para deter os contendores antes que caíssem no abismo; desta vez o Papa Francisco o fez no domingo no Angelus, dirigindo-se aos responsáveis políticos com uma sobriedade que nos fazia supor uma sua intervenção de outra forma urgente.
Na segunda-feira, os estadunidenses transferiram sua embaixada de Kiev para Lviv, talvez pensando que, uma vez iniciada a Terceira Guerra Mundial, o verdadeiro problema seria que sua representação e sua bandeira continuassem a ser exibidas na Europa, longe do front. As notícias, além disso, se tornavam mais tensas. Segundo a CNN, a invasão teria ocorrido na quarta-feira, a CBS noticiava por sua parte a afirmação do secretário de Estado dos EUA de que Putin já havia colocado seus mísseis em posição de tiro, uma "especialista" no "Oito e meia" dizia que tendo colocado em campo tantas tropas, Putin teria ficado mal se depois não tivesse dado início à invasão, ela também dando a guerra como certa.
Mas nem ontem nem hoje a Ucrânia foi invadida, as artilharias prontas para o uso não dispararam, alguns soldados russos retornaram, os militares italianos ficaram em casa (porque, no mínimo, é o Parlamento que tem que decidir, e esta é uma bela novidade); no entanto Biden não se acalmou e repetiu ontem que Putin "pagará um preço imenso", jornais e televisões continuaram acusando a Rússia do crime de querer estabelecer uma sua área de influência na Europa, enquanto ninguém havia se preocupado quando na véspera do ano 2000, ponderados cavalheiros nos Estados Unidos queriam instaurar o "novo século americano", estendendo a zona de influência e a soberania estadunidense a todo o mundo.
Portanto, a boa notícia é que por enquanto a Terceira Guerra Mundial não estourou, pelo simples fato de o chanceler alemão ter dito uma palavra tranquilizadora a Putin, retirando a ameaça de uma entrada da Ucrânia na OTAN, e que hoje ainda estamos aqui, não incinerados, para contá-lo (ainda que o general estadunidense Allen tenha dito: "o conflito já começou"); mas a má notícia é que estamos nas mãos de irresponsáveis que estão no comando das nações, e de gárrulos informantes que ignoram o sentido de suas palavras, e todos juntos tornam a cada dia mais precário o nosso futuro e a nossa vida.
Se de tudo isso se pode tirar uma conclusão, é que uma grande reforma deve ser feita sobre a maneira de viver na Terra, e que se deve passar do direito soberano e discricional dos Estados à guerra, ao direito coletivo e indisponível dos povos à paz; uma Constituição mundial que "repudie a guerra" parece, depois desses fatos, politicamente mais distante, mas ao mesmo tempo ainda mais necessária e urgente, e são os povos que devem tomar a causa em suas mãos.
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Terça-feira, a guerra. Artigo de Raniero La Valle - Instituto Humanitas Unisinos - IHU