12 Novembro 2021
A 155ª edição dos Cadernos Teologia Pública apresenta o artigo de José Oscar Beozzo, doutor em História Social pela Universidade de São Paulo – USP e vigário da paróquia São Benedito, diocese de Lins – SP, intitulado “Gustavo Gutierrez: servidor dos pequenos e teólogo da libertação”.
“Uma das iniciativas mais fecundas e felizes do ministério pastoral e teológico de Gustavo foi o Curso de Verão iniciado em Lima, em 1970 numa parceria entre a Universidade Católica e o Centro Bartolomé de las Casas e que recebeu o nome de Jornadas de Reflexão Teológica. Havia por detrás uma intuição certeira. Numa Igreja, Povo de Deus, a teologia não podia ser um estudo e uma reflexão de clérigos e reservados apenas para os clérigos, mas sim produzida a partir da vida e das interrogações do povo de Deus e destinada a alimentar a caminhada pastoral e espiritual das comunidades. Membros de base e dirigentes leigos das comunidades foram sempre os destinatários e os sujeitos primeiros das Jornadas”, escreve Beozzo.
Confira a parte inicial do artigo.
Gustavo coloca as raízes da teologia latino-americana na realidade pungente dos povos originários.
Foi o impacto desta realidade que provocou o grito indignado de Anton de Montesinos, durante seu sermão no IV domingo do Advento, em dezembro de 1511. O sermão foi pregado na Ilha de Santo Domingo, do alto do púlpito da recém erigida catedral de La Española, a Primada das Américas, diante do vice rei das Índias, Diego de Colón, filho de Cristovão Colombo:
“Todos estais em pecado mortal e nele viveis e morreis, pela crueldade e tirania que usais contra esta gente inocente. [...] Como os tendes tão oprimidos e fatigados, sem dar-lhes de comer, nem os curar em suas enfermidades, que dos excessivos trabalhos, com que os carregais, morrem, ou melhor VÓS OS MATAIS, para tirar e adquirir mais e mais OURO cada dia”?[1]
Ao deus “ouro”, ao deus “capital”, ontem e hoje, são sacrificadas as vidas exploradas e espoliadas dos pobres, realidade nua e crua que Bartolomé de Las Casas OP denunciou em Cuba, na Guatemala, no México, onde foi nomeado bispo em Chiapas (1543-1550), para a diocese que hoje leva seu nome: San Cristobal de Las Casas.[2]
Sua memória foi honrada e atualizada no episcopado de Mons. Samuel Ruiz (1959-2000) e do seu bispo coadjutor, da ordem dominicana, Mons. Raúl Veras OP (1995-1999), todos dois amigos pessoais de Gustavo. Os dois bispos tiveram que enfrentar as mesmas calúnias e perseguições dos poderes econômicos, políticos e religiosos, como Las Casas, que aos seis meses, já havia sido expulso de sua diocese pelos “encomenderos” e potentados do lugar, por causa de sua defesa dos indígenas, de sua liberdade e dignidade.
O dominicano Las Casas tornou-se inspiração crescente da vida e reflexão teológica de Gustavo, que fundou o Instituto Bartolomé de las Casas - Rimac e terminou por entrar ele mesmo para a Ordem dos Pregadores de São Domingos de Guzmão (1998), depois de quase quarenta anos, como padre diocesano da Arquidiocese de Lima (1959-1998).[3]
Saltando do Caribe e do México para o Peru, Gustavo seguiu também os passos de Guamán Poma de Ayala, o “índio dibujante”[4], que saiu andando pelo mundo “en busqueda de los pobres de Jesucristo” e escreveu um arrasador libelo de acusação antropológica, social, política e teológica: “El diós de los españoles es el oro”[5]. Para ele, os únicos verdadeiros cristãos naquelas terras do assim chamado “Novo Mundo” dos espanhóis, eram os indígenas sem direitos e explorados, os “os pobres de Jesus Cristo”.
O artigo completo pode ser acessado aqui.
Imagem: Capa dos Cadernos Teologia Pública, edição 155, de José Oscar Beozzo.
José Oscar Beozzo é doutor em História Social pela Universidade de São Paulo – USP, mestre em Sociologia da Religião e especialista em Comunicação Social pela Université Catholique de Louvain, na Bélgica. Ainda possui especialização em História do Brasil pela Faculdade Auxilium de Filosofia, Ciências e Letras, de São Paulo, e graduação em Ciências Políticas e Sociais pela Université Catholique de Louvain, em Teologia pela Pontificia Università Gregoriana, de Roma, e em Filosofia pelo Seminá¬rio Central do Ipiranga/Seminário Central de Aparecida. É vigário da paróquia São Benedito, diocese de Lins - SP. Atualmente coordena o Centro Ecumênico de Serviços à Evangelização e Educação Popular – CESEEP e é membro da Comisión para el Estudio de la Historia de la Iglesia en América Latina y el Caribe - CEHILA.
Referências
[1] GUTIERREZ, Gustavo, En busca de los pobres de Jesucristo: evangelización y teología en el siglo XVI, em RICHARD, Pablo (ed.), Materiales para una historia de la teología en América Latina. San José de Costa Rica: DE, 1981, pp. 137-163
[2] GUTIERREZ, Gustavo, En busca de los pobres de Jesucristo. El pensamiento de Bartolomé de Las Casas. Salamanca: Sígueme, 1993.
[3] O término do pastoreio na arquidiocese de Lima do seu fiel amigo, o Cardeal Juan Landázuri Ricketts OFM (1955-1989), de cuja confiança, apoio e proteção sempre gozou, e seu falecimento em 1997, devem ter pesado também na decisão de Gustavo de deixar a Arquidiocese, cujos ventos iam-se tornando hostis, e ingressar como noviço na Ordem dominicana.
[4] POMA DE AYALA, Guaman Felipe [Waman Puma], El Primer Nueva Corónica y buen gobierno (1615). México: Siglo XXI e Instituto de Estudios Peruanos, 1980.
[5] GUTIERREZ, Gustavo, Dios o el oro en las Indias. Salamanca: Sígueme, 1989; 1990, 2ª ed.
Leia mais
- Mater et Magistra – 50 Anos. Cadernos Teologia Pública, número 54. Ano: 2011.
- O êxito das teologias da libertação e as teologias americanas contemporâneas. Cadernos Teologia Pública, número 93.
Ano: 2015. - Uma vida em meio ao pobre. Artigo de José Oscar Beozzo
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Gustavo Gutierrez: servidor dos pequenos e teólogo da libertação. Artigo de José Oscar Beozzo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU