Por: André | 17 Novembro 2015
Nesta segunda-feira, 16 de novembro, completaram-se os 50 anos do Pacto das Catacumbas, mediante o qual um grupo de bispos que participou do Concílio Vaticano II assumiu um compromisso por uma Igreja servidora e pobre. Este Pacto materializou-se em uma celebração que aconteceu nas Catacumbas de Santa Domitila, da qual participaram 42 bispos, aos quais se uniram depois muitos outros, a ponto de chegarem a 500 signatários.
Fonte: http://bit.ly/1N7ymfV |
O teólogo brasileiro José Oscar Beozzo (foto), padre da Diocese de Lins (São Paulo), professor nos cursos de pós-gradução do ITESP (Instituto de Teologia de São Paulo) e do Centro Ecumênico de Serviços à Evangelização e Educação Popular (CESEP), centro ecumênico de âmbito latino-americano, que busca a formação de dirigentes na área popular, e que atende a sindicatos e partidos políticos, publicou nos últimos dias uma obra na qual pretendeu fazer um pequeno estudo deste momento, que ele considera fundamental na vida da Igreja, que tem por título “Pacto das Catacumbas, por uma Igreja Servidora e Pobre”.
Beozzo fez parte do grupo de teólogos que preparou a Conferência de Puebla, embora depois não participasse do mesmo. Ao contrário, participou ativamente como assessor teológico das Conferências de Santo Domingo e Aparecida, assim como do Sínodo das Américas, em 1997.
Nesta entrevista, Beozzo nos mostra a importância do Pacto das Catacumbas, suas implicações atuais e a contribuição da Teologia da Libertação para a realidade teológica e social latino-americana.
A entrevista é de Luis M. Modino e publicada por Religión Digital, 12-11-2015. A tradução é de André Langer.
Eis a entrevista.
O que foi o Pacto das Catacumbas e o que representou para a Igreja católica?
Foi uma decisão do Concílio, que já desde a Primeira Sessão formou um grupo chamado “Igreja dos Pobres”, para pensar toda a problemática do Concílio a partir dos pobres, das suas perguntas e angústias, dando-se conta rapidamente de que não estavam conseguindo muitos resultados, pois no meio de tantas intervenções dos presentes, discussões e sucessivas redações das diferentes comissões era muito difícil introduzir qualquer frase que fizesse referência àquilo que o grupo pretendia. Na elaboração dos textos havia muitas modificações, a tal ponto que se conta como anedota que na última votação da Gaudium et Spes havia 20 mil propostas de modificações.
O grupo sentiu que, por um lado, existia certa simpatia com o que eles diziam e que eram escutados, mas que suas preocupações não conseguiam ser plasmadas nos textos. Na última sessão pensaram em realizar um gesto, sem que fosse algo para acusar os outros, como um compromisso pessoal. Sendo muito respeitosos, eles fizeram uma celebração muito discreta para depois passar para o resto oferecendo a possibilidade de assinar o pacto. Com grande surpresa, viram que o texto recebeu cerca de 500 adesões.
Quantos participaram da celebração?
Estavam presentes 42 bispos.
Quando e onde aconteceu essa celebração?
No dia 16 de novembro de 1965 nas Catacumbas de Santa Domitila, na Basílica dos Mártires Nereu e Aquiles.
Dos bispos que participaram desta celebração, algum deles ainda está vivo?
Nenhum deles está vivo. Na lista aparecem cinco brasileiros, sendo na realidade seis, pois um deles tinha uma semana de bispo e foi acompanhando o arcebispo de Vitória, de quem era auxiliar. Este bispo, dom Luiz Fernandes, será quem depois daria início aos Encontros Intereclesiais das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), que ainda hoje acontecem em todo o Brasil. Junto com ele estavam dom Antonio Batista Fragoso, bispo de Crateús, dom Henrique Golland Trindade, arcebispo de Botucatu, dom José Alberto Lopes de Castro Pinto, auxiliar do Rio de Janeiro, dom Francisco Austregésilo de Mesquita Filho, bispo de Afogados da Ingazeira, e dom João Batista da Mota Albuquerque, arcebispo de Vitória.
Entre os bispos espanhóis esteve presente dom Rafael González Moralejo, bispo auxiliar de Valência entre 1958 e 1969 e posteriormente bispo de Huelva, de 1969 até 1993.
Poderíamos dizer que há uma sintonia entre o Pacto das Catacumbas e a pretensão do Papa Francisco quando afirma que não quer bispos príncipes?
O Pacto começa dizendo: “Procuraremos viver segundo o modo ordinário da nossa população, no que concerne à habitação, à alimentação, aos meios de locomoção e a tudo que daí se segue”. E continua: “Para sempre renunciamos à aparência e à realidade da riqueza, especialmente no traje”.
A ideia dos signatários era não afastar-se daquilo que o povo tem, ou melhor, não tem, e muitos destes bispos saíram dos palácios e foram viver em casas simples. Dom Helder Câmara entregou o Palácio de Manguinhos para que fosse sede das pastorais diocesanas e foi viver na sacristia de uma igreja da periferia, a Igreja das Fronteiras. Dom Antonio Fragoso vivia em uma casa simples de um bairro popular. E outros que não estavam ali, mas assumiram esse mesmo espírito, como dom Paulo Evaristo Arns, em São Paulo, que vendeu o Palácio Episcopal e destinou os recursos para a compra de 1.200 terrenos na periferia, onde foram construídos centros comunitários, lugares de celebração das comunidades eclesiais de base, e foi morar também em uma casa simples.
Eles queriam transmitir que aquilo que é da Igreja é dos pobres, e, portanto, se a Igreja tem terras têm que ser distribuídas entre os pobres. Dom Helder fez isso na chamada Operação Esperança, mediante a qual entregou as terras da Arquidiocese de Recife aos lavradores, dando-lhes formação técnica, com o apoio da Comunidade de Taizé, da França. Este tipo de atitude se repetiu em diferentes pontos do Brasil, manifestando essa ideia de que o que é da Igreja é dos pobres.
Qual é o seu objetivo com o novo livro, recentemente publicado, e que aborda o tema do Pacto das Catacumbas?
Em alguns países, como Itália ou Espanha, a Editora Verbo Divino publicou um livro sobre este tema, traduzido para diferentes línguas. No Brasil, o texto do Pacto das Catacumbas estava publicado dentro de uma obra de cinco volumes que faz uma narração do Concílio, mas é pouco acessível. O que publiquei é um pequeno caderno que começa explicando o que é o Pacto das Catacumbas.
Sobre cada um dos 13 compromissos foi discutido, na hora em que foram redigidos, qual era a inspiração, tendo sempre alguns textos bíblicos como referência, que foram incluídos no livro publicado, assim como textos do Vaticano II que tem a ver com a opção que eles fizeram. Viria a ser um diálogo com a Escritura, com o Concílio e com o compromisso dos bispos. Ao final do livro aparece a lista dos signatários, assim como imagens das catacumbas e de uma visita do cardeal Montini a uma favela do Rio de Janeiro junto com dom Helder Câmara, um dos principais redatores do Pacto, embora estivesse ausente no dia da missa nas catacumbas, pois tinha que participar da comissão que fazia a redação final da Gaudium et Spes. Também aparecem imagens de dom Enrique Angelelli, um dos bispos que assinou o Pacto e que depois foi assassinado pelos militares na Argentina.
Por que a Igreja se esquece tão rapidamente dessas diferentes propostas?
Não se esqueceu, pois houve bispos que levaram isso tão a sério que decidiram reunir-se anualmente durante 10 dias para rezar, rever o que o Pacto propõe e tomar decisões de acordo com a nova conjuntura, de uma maneira profética.
Fonte: http://bit.ly/1N7ymfV |
Este grupo continua vivo na América Latina e cada ano se reúne em São Paulo, com a presença de bispos latino-americanos de diferentes países. No começo, este grupo reuniu-se em diferentes países, mas desde que, em 1976, alguns foram presos no Equador, os encontros se concentraram na cidade brasileira.
Ao fim e ao cabo, é o que aconteceu no Concílio, onde os signatários do Pacto foram uma minoria entre os participantes. Os profetas sempre são uma parte muito pequena; o importante é que sejam capazes de arrastar, como fizeram dom Tomás Balduíno, dom Pedro Casaldáliga, dom José Maria Pires, que, apesar de serem poucos, arrastaram a Igreja do Brasil em um momento chave, com uma atitude profética, sendo artífices de documentos a partir de sua clarividência e testemunho evangélico que foram capazes de sensibilizar o conjunto dos bispos, ou de influenciar, como aconteceu em Medellín e mais recentemente em Aparecida.
O modelo eclesial, pouco a pouco foi mudando, mas é possível que 50 anos depois do Concílio, com o Papa Francisco e sua nova sensibilidade eclesial, se retorne a esse espírito do Pacto das Catacumbas na Igreja latino-americana?
Penso que muitos guardaram esse espírito e que quando se enterra uma semente e não chove... Mas o Papa Francisco veio para que chova, e por isso, espero que muitas dessas sementes que estavam dormindo agora renasçam. Neste sentido, vão aparecendo jovens que caminham nessa direção, como uma jovem do Uruguai que comentou comigo que vão fazer uma vigília recordando o Pacto e o martírio dos jesuítas de El Salvador. É um momento propício para relançar tudo isso.
A Igreja da Libertação, que tem como um dos seus fundamentos o Pacto das Catacumbas, morreu, como alguns dizem?
O Congresso Continental de Teologia, organizado pela Igreja da Libertação, é uma prova do contrário. Quem diz isso é porque gostaria que assim fosse, pois já a mataram e a enterraram muitas vezes, mas continua viva, da mesma maneira que mataram e enterraram Jesus e Ele está vivo.
Qual é a contribuição dessa Igreja da Libertação para a realidade latino-americana?
Penso que mantém viva a ideia de que a glória de Deus é a vida dos pobres e a defesa da vida dos pobres. O que está acontecendo com os povos indígenas, com aqueles que vivem nas periferias, com os jovens negros, é um massacre. Creio que devemos estar do lado da vida, mas denunciando as raízes disso, pois não basta socorrer as vítimas e devemos entender por que há tanta gente que continua sendo vítima dentro de um sistema que se agravou dos anos 60 para cá. Ele se globalizou, internacionalizou e aperfeiçoou os mecanismos de dominação, sobretudo no campo financeiro.
Essa Igreja continua tendo mártires, como a irmã Dorothy Stang, em circunstâncias novas, como é a falta de respeito pela natureza, que mostra um novo lado da luta pela vida, que é a preservação do meio ambiente. Nesse sentido, o Papa Francisco tem o dom de suscitar muitos novos compromissos de gente que já vinha batalhando, mas que pensava que estava sozinha.
Também o Congresso Continental de Teologia mostra que não estamos sozinhos, que há muita gente trabalhando, em muitos países, e que é importante encontrar-se para, a exemplo dos Concílios na Igreja, renovar a fé e o compromisso.
Esse espírito do Pacto das Catacumbas é o espírito fundamental do Concílio, que depois não conseguiu se desenvolver?
Devemos observar algumas coisas. A Lumen Gentium fez algumas mudanças fundamentais, definindo a Igreja como Povo de Deus. Mas dentro da Lumen Gentium, no número 8, diz-se que assim como Jesus se fez pobre, a Igreja tem que se fazer pobre, assim como Ele serviu, a Igreja tem que servir. É um texto pequeno, que não conseguiu que a Lumen Gentium partisse daí, mas em Medellín, o texto sobre a Igreja fala da pobreza na Igreja, como aparece no número 14, que viria a ser a concretização da Lumen Gentium em Medellín.
Isto mostra que a Igreja latino-americana acolheu o essencial do Pacto das Catacumbas com a opção pelos pobres, repensando a Igreja a partir dos pobres, reiterando-o como Povo e mostrando como novidade a ideia de que os pobres nos evangelizam, porque eles interpelam a Igreja para ser mais fiel ao Evangelho de Jesus.
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“Pacto das Catacumbas, uma Igreja servidora e pobre”. Entrevista com José Oscar Beozzo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU