A Páscoa de Pedro Casaldáliga traz de volta suas memórias, muitas delas coletadas por ele mesmo em seus diários, relatos de uma vida entre os descartados. Na semana passada, quando Pedro, ainda vivo, foi internado na cidade de Batatais, José Oscar Beozzo, um dos grandes conhecedores da Igreja pós-conciliar, uma referência entre os estudiosos daquele período histórico, me enviou um texto publicado em 2007, em catalão, como apresentação do diário do Bispo de Araguaia: (Presentació, em Pere Casaldàliga - una vida enmig del poble. Barcelona: Edicions 62, 2007, pp. 9-29). (BEOZZO, José Oscar, Apresentação, in Pere Casaldaliga - uma vida em meio ao pobre, Barcelona: Edições 62, 2007, pp. 9-29).
A reportagem é de Luis Miguel Modino.
A história narrada por Beozzo começa no início do ministério episcopal de Casaldáliga, "um Quixote moderno". Sua corajosa carta pastoral, "Uma Igreja na Amazônia em conflito com o latifúndio e a marginalização social", onde deixou claro de que lado estava, foi algo que abalou os fundamentos da ditadura, que em 1971 estava vivendo seu apogeu, e que imediatamente censurou o escrito. Mas muitos brasileiros, entre eles o próprio José Oscar Beozzo, "enviado pelo meu bispo de Lins, para não ser preso pelos militares, de volta à Universidade de Lovaina", espalharam rapidamente a carta. Era a semente de uma Igreja que escolheria estar com os indígenas, o Conselho Indigenista Missionário – CIMI, nascido em 1972, e os trabalhadores rurais sem terra, a Comissão Pastoral da Terra – CPT, foi constituída em 1975.
Foto: Dagmar Talga
Em sua apresentação, Beozzo leu alguns dos momentos mais importantes da vida de Pedro Casaldáliga, como o vil assassinato pela polícia de um de seus grandes amigos, o jesuíta João Bosco Penido Burnier, que muitos pensam que foi confundido com o próprio Pedro. Esse episódio marcou a vida do bispo, instituindo a Romaria e construindo o Santuário dos Mártires da Caminhada, que sempre lembrou aqueles que deram suas vidas pela Causa de Deus, já que "um povo ou uma Igreja que esquece seus mártires não merece sobreviver", afirmou Casaldáliga.
Em seu escrito de 2007, Beozzo apresentou um Pedro sempre atento à vida do povo, que queria abrir as portas de sua casa e de seu coração para os mais pobres, que entravam sem bater. Alguém que quis levar a vida daqueles que tradicionalmente são desprezados no Brasil, os negros e os índios, à celebração orante da própria Igreja, mesmo que isso lhe custasse enfrentar Roma, recolhendo tudo isso na Missa da Terra Sem Males e na Missa dos Quilombos, onde o Evangelho se encarnou em uma história poética, mística e espiritual, que a partir de sua composição acompanhou a vida da Igreja de base brasileira e latino-americana.
Foto: Comunidade de Ribeirão Cascalheira
Pedro sempre apostou na Pátria Grande, assumindo as lutas dos povos do continente, diz-nos Beozzo, dedicando tempo a cada ano para visitar, escutar e celebrar com as comunidades da Nicarágua e da América Central. Isto também significou um novo confronto com as autoridades do Vaticano, especialmente depois da viagem tempestuosa de João Paulo II à Nicarágua, quando foi chamado a Roma para sua visita "ad limina", pedindo-lhe que suspendesse suas viagens à América Central.
Beozzo coloca em seu texto trechos de uma carta que Casaldáliga escreveu a João Paulo II antes de sua viagem, onde surpreende sua liberdade evangélica de lhe dizer abertamente o que pensa, sem medo de possíveis represálias. Pedro explica o que o levou a visitar a Nicarágua, sua primeira saída do Brasil em 17 anos, e questiona abertamente, algo que impressiona qualquer um, a relutância do Vaticano em dialogar com os sandinistas quando o fazia abertamente com a administração Reagan.
Foto: Comunidade de Ribeirão Cascalheira
Hoje mais do que nunca, o escrito de Beozzo, assim como o texto que precedeu, o diário de Casaldáliga, assumem maior importância, pois são a memória de uma vida de alguém cujo "grande e generoso coração, aberto ao vasto mundo, sempre permaneceu ancorado nas curvas do rio Araguaia e no humilde serviço humano e pastoral do pequeno e lutador povo de sua prelazia, modelo de uma igreja de comunidades, de muitos ministérios não ordenados acolhidos e encorajados”. É a história de vida de alguém que decidiu viver e ficar para sempre em um lugar perdido no meio do nada, a história de Pedro-Libertad.