05 Novembro 2021
"A prevista viagem do papa é uma confirmação surpreendente da importância do pertencimento religioso de hoje e do passado. Fortemente invocada pelo presidente da Federação, Justin Trudeau, solicitada por vários ministros, esperada pela minoria dos povos originários", escreve Lorenzo Prezzi, teólogo italiano e padre dehoniano, em artigo publicado por Settimana News, 01-11-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
O Papa Francisco irá ao Canadá, provavelmente no outono de 2022. Antes de confirmar qualquer notícia, gostaria de destacar as severas críticas dos bispos do Québec pela supressão dos cursos de cultura na escola que o ministro da educação do Estado (o Canadá é uma federação), Jean-François Roberge, anunciou no dia 24 de outubro.
Os novos cursos serão intitulados: Cultura e Cidadania do Quebec. Eles substituirão o ensino da cultura religiosa e se desenvolverão em torno de três eixos: cidadania, cultura e desenvolvimento do pensamento crítico.
O motivo da mudança está ligado à secularização do país e das novas gerações. “O programa anterior - disse o ministro - assentava num dogma segundo o qual é o pertencimento a uma comunidade religiosa que define essencialmente a nossa identidade. Não se pode mais tolerar esse ponto de vista nas nossas escolas de Québec”.
“Como cidadãos, testemunhas de uma fé compartilhada por muitos e em solidariedade com os grupos religiosos presentes no país, os bispos estão preocupados com as consequências que a retirada radical da noção de cultura religiosa dos cursos escolares trará consigo. Um crescente desconhecimento do fato religioso inevitavelmente se seguirá. Tal ignorância corre o risco de alimentar preconceitos e aumentar a polarização social, ao invés de ajudar os alunos ao progressivo ‘reconhecimento do outro’ e à busca do bem comum”.
“A experiência religiosa é uma dimensão central da vida de muitos cidadãos. É uma dimensão fundamental da experiência humana. É uma dimensão determinante da história e da cultura do Quebec, não só pela importância histórica do catolicismo, mas também pela longa coexistência de tradições religiosas plurais no território”, em particular as religiões dos nativos.
E acrescentam com amarga ironia a lembrança do convite do Conselho Superior de Educação para a manutenção de um ensino laico, não confessional e pluralista nas escolas primárias e secundárias.
Há um ano, os bispos haviam dirigido ao ministro uma argumentada memória no âmbito das consultas para a renovação dos programas de estudos: "um documento que infelizmente não foi compreendido". Em 2021, eles escreveram um texto de uma dezena de páginas para motivar a permanência da cultura religiosa na escola em um contexto não confessional, laico e religiosamente pluralista.
Os bispos argumentavam que “uma verdadeira compreensão do fenômeno religioso é uma competência essencial para ser um cidadão informado e responsável. Ter acesso ao universo simbólico da cultura como um todo, a fim de melhor avaliar a relação entre religiões e sociedade, entre religião e política, entre religião e produção cultural, entre religião e ética, entre religião e filosofia, é uma necessidade no contexto democrático".
Não se trata de propor uma hegemonia renovada de uma fé ou confissão, mas de fornecer o vocabulário mínimo para um juízo crítico pessoal. “As noções de cultura religiosa constituem ferramentas preciosas para analisar e interpretar o nosso passado e o nosso futuro, tomando uma distância crítica, através da reflexão ética, em relação às diferentes tradições”.
A prevista viagem do papa é uma confirmação surpreendente da importância do pertencimento religioso de hoje e do passado. Fortemente invocada pelo presidente da Federação, Justin Trudeau, solicitada por vários ministros, esperada pela minoria dos povos originários (mestiços e inuítes), compartilhada pela mídia e, finalmente, solicitada pelos bispos, a viagem é percebida como uma apoio às igrejas do país e como uma resposta de autoridade (e um pedido de perdão) em relação às atrozes descobertas dos centenas e talvez milhares de túmulos de crianças e adolescentes dos povos indígenas, forçados a viver juntos em escolas residenciais instituídas pelo estado e geridas pelas Igrejas (especialmente a católica) em vista a "matar o indígena na criança" para assimilá-la aos povos da conquista e da civilização superior (cf. Settimana News: As crianças nativas mortas).
Um verdadeiro genocídio cultural que afetou pelo menos 4.000 vítimas (mas as maiores estimativas chegam a 15.000) das 150.000 crianças acolhidas, um sexto de toda a população juvenil dos povos nativos entre o final do século XIX e a década de 1960.
A visita será precedida em breve (em dezembro) por um encontro preparatório no Vaticano com alguns bispos, representantes dos povos indígenas e administradores públicos. Um pedido explícito de perdão é formulado pelos nativos que reconhecem um paralelo com o que Francisco fez com os povos da América do Sul. Eles também esperam ajuda financeira para suas comunidades. Os bispos já decidiram destinar 30 milhões de dólares às suas iniciativas de formação.
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Québec - Canadá: a incultura programada - Instituto Humanitas Unisinos - IHU