08 Mai 2021
“Esta geração sabe o que enfrenta, mas perdeu o medo e faz ressoar um grito que escutamos em todas as geografias de nosso sul: sim, é possível”, escreve Raúl Zibechi, jornalista e analista político uruguaio, em artigo publicado por La Jornada, 07-05-2021. A tradução é do Cepat.
Uma semana de greve geral, com mobilizações que implicam insurreições, trincaram o modelo de dominação administrado pela ultradireita de Álvaro Uribe. O saldo provisório é de cerca de 30 mortos pela repressão policial, 10 estupros, 1.400 casos de brutalidade policial, com mais de 200 feridos e cerca de 1.000 presos.
Algumas reflexões sobre este monumental e esperançoso movimento:
1. O sistema capitalista é genocida e criminoso, em particular neste momento de declínio e nos países da América Latina. Seu caráter não depende do governo que administra o modelo, porque é um regime estruturalmente genocida, uma vez que se assenta em um modo de acumulação por espoliação e roubo que só pode funcionar sobre a violência, a exclusão e a marginalização das maiorias.
A brutal repressão pelo Esquadrão Móvel Antidistúrbios responde ao fato de que meio país, meio continente, sobra na lógica do capital e deve ser despachado, fechado em seus bairros/guetos ou morto, caso se atreva a protestar. As execuções sumárias, os crimes contra jovens, não são erros ou desvios de algum uniformizado, mas política de Estado e do capital.
“Se supostamente existem alguns atos de vandalismo, presume-se que as pessoas são capturadas e levadas a um juiz, mas o que vemos é que os manifestantes são executados diretamente”, afirma o colombiano Richard Tamayo Nieto. O sistema não almeja mais integrar e nem domesticar os de baixo, por isso se dispõe a eliminar os manifestantes, aqueles que considera terroristas.
Na medida em que a população sobrante abrange metade de nosso continente, não tem direito ao protesto, que é considerado um risco ao Estado e “as manifestações sociais devem ser abordadas militarmente”, observa Tamayo. Como se trata de uma realidade estrutural, o governo que suceder ao de Iván Duque pode moderar a repressão, mas apenas isso.
2. É necessário nos centrar na base, uma vez que conhecemos a parte superior genocida. O mais destacável é que centenas de milhares de jovens desafiaram a repressão, o estado exceção e a criminalidade policial, durante sete dias (ao menos até o dia 5 de maio). Esta é a principal mudança na Colômbia e em toda a região.
Estamos diante de uma mudança geracional que ensina modos de fazer diferentes dos anteriores. Para lutar, resistir e se rebelar contra o sistema não são necessárias vanguardas que, muitas vezes, se tornam obstáculos, já que pretendem dirigir, de seus escritórios, sem sequer perguntar ou escutar as pessoas que estão nas ruas. Aprenderam a se cuidar nelas porque já pertenciam a grupos de afinidade, artísticos e de vizinhança nos quais se socializam.
As mulheres jovens estão na linha de frente, ao lado dos homens, impulsionando formas de protesto que não buscam o confronto, mas dizer o que acreditam e se defender coletivamente dos assassinos de uniforme. Esta geração sabe o que enfrenta, mas perdeu o medo e faz ressoar um grito que escutamos em todas as geografias de nosso sul: sim, é possível.
3. Não há saída deste modelo sem poderosas mobilizações da base e à esquerda. A saída é apenas com a crise política, porque aqueles que se beneficiam do extrativismo, provavelmente 30% da sociedade, vão defender seus privilégios com violência generalizada.
Mais do que uma mudança de governo, trata-se de mudar o modo de acumulação que destrói as sociedades e o meio ambiente. Se não frearmos este modelo especulativo financeiro (mineração, monoculturas, grandes obras e especulação imobiliária), entraremos em um período de barbárie na qual dois terços da sociedade serão submetidas a campos de concentração a céu aberto, com o outro terço nos vigiando, consumindo e votando.
4. Não caminhamos para governos melhores, mas para um tempo de ingovernabilidade, independente de quem estiver no comando, nos palácios de governo. Vença quem vencer as eleições, não haverá descanso e nem trégua. Entramos em um período caótico, no qual não há forças capazes de impor uma ordem que não seja a dos cemitérios.
Como acontece da escala global e geopolítica até o mais remoto lugar do planeta, a desordem se tornou a norma no cotidiano. O que o EZLN [Exército Zapatista de Libertação Nacional] chama de “tormenta” provocada pela imparável vocação predadora da hidra capitalista, que desafia nossos saberes, as formas de ação e os objetivos dos movimentos antissistêmicos consistentes na tomada do poder.
5. Nós, as e os de baixo, devemos aprender a viver e conviver com a incerteza, a violência sistêmica e as permanentes tentativas de nos fazer desaparecer. Os cuidados coletivos devem ser colocados no leme de direção, em espaços autocontrolados fora do alcance dos machos armados do capital. Esta é a forma que a autonomia adquire durante o caos sistêmico.
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Lições da revolta na Colômbia. Artigo de Raúl Zibechi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU