15 Abril 2021
"O presbiterado, no mundo de hoje, não tem mais razão de ser um poder sem participação da comunidade que o cerca, não tem mais razão para ser reservado aos homens celibatários. Hans Küng, o grande teólogo católico recentemente falecido, dizia isso com palavras simples mais de cinquenta anos atrás", escreve François Meunier, em artigo publicado por Le Monde, 11-04-2021. A tradução da versão italiana é de Luisa Rabolini.
Segundo a lenda, Santo Antônio, que se refugiou no deserto no século IV, era continuamente atormentado pelos demônios de luxúria. Mas estava no deserto! O padre moderno vive no mundo de hoje. Um mundo que há cinquenta anos passa por uma profunda evolução moral, que vive a sexualidade de uma forma diferente e projeta suas imagens em todos os espaços publicitários e em todas as revistas.
E o padre, em parte devido à diminuição das vocações, ficou muito sozinho neste mundo muito mais livre, com menos pessoas ao seu redor que o possam ajudar a administrar seu equilíbrio pessoal. Dentro da hierarquia católica, o debate sobre a necessidade de revisão ou não da regra do celibato dos padres se inicia com dificuldade presente na Igreja desde o século XII. Os escândalos recentes e a diminuição das vocações tornam necessária esta reflexão.
É uma reforma esperada por muitos católicos, mas será muito difícil de realizar, e não apenas pela preocupação de proteger a unidade da Igreja. Porque coloca em discussão profundamente a sua organização interna, a sua governança, segundo o termo moderno retirado do direito canônico.
Um pouco de sociologia das organizações ajuda a compreender a situação. O fato de uma associação - as Igrejas são associações de tipo específico – viver de ofertas e contribuições, e não do aporte de capital e dos lucros obtidos, significa que em geral o controle externo exercido por terceiros (os doadores) costuma ser menor em comparação com as sociedades de capitais. Não existem, como no caso das empresas, “investidores”, ou seja, pessoas que esperam um retorno dos recursos que investem. Mas, como para as empresas, ainda existem muitos incentivos para que os agentes internos (membros do clero, no caso das Igrejas) se apropriem de certas vantagens de forma privada.
O equilíbrio é mantido nessas organizações por meio de estruturas de controle reforçadas. Quando são de dimensões menores, quem dirige tem os meios para exercer uma verdadeira supervisão e a transparência é garantida com mais facilidade. A ajuda também vem de certas regras estatutárias, em particular de mandatos não renováveis.
A Igreja Católica é uma organização muito particular. Em primeiro lugar, sua extensão é enorme, pois exerce seu império em todos os continentes. A sua governança assenta num severo princípio hierárquico e, diferentemente de outros cultos, caracterizado pela ausência de conselhos de leigos com função de supervisão do clero secular, habilitados a ratificar as despesas e a alocação dos recursos.
Algumas ordens monásticas as têm, por exemplo os jesuítas, mas é a exceção. Na ausência de fiscalização importante em uma organização de extensão universal, por que são poucos os casos de arrecadação privada de fundos provenientes de doações e de outras receitas da Igreja? A razão, segundo os historiadores e usando linguagem jurídica, é que os "contratos" de nomeação do clero católico impõem os votos de celibato e de pobreza. De fato, os padres católicos têm um padrão de vida muito modesto. Se tivessem uma família para alimentar e as solicitações insistentes de uma esposa e filhos por uma vida mais confortável, a tentação seria maior.
O padre em situação diferente do rabino, do imã e do pastor. Este é exatamente o motivo invocado pelos bispos reunidos no concílio de Latrão, em 1139, para impor o celibato: numa organização tão vasta, rica de um enorme patrimônio, perfeitamente inserida no feudalismo, era demasiado grande o risco de se imporem progressivamente captações ocultas de património através da filiação. Basta recordar o opróbrio associado ao pecado do nepotismo, hoje esquecido, que consiste para um padre no favorecimento de um sobrinho (ou seja, muitas vezes, o filho). Acrescentamos como elemento de coesão para os católicos, uma formação dos sacerdotes essencialmente baseada na teologia e que fecha - ou se fechava - obstinadamente com a inclusão no índex de muitos livros, às culturas forasteiras. No jargão dos sociólogos, essa formação é "específica da organização", o que efetivamente vincula o padre ao seu ofício, sob a proteção da sua hierarquia, sabendo que em troca o padre usufrui de uma garantia de cargo para a vida toda. O mesmo não acontece para o rabino, o imã em sua variante sunita e o pastor protestante. Este último, na função de intermediário na relação entre os fiéis e Deus, é menos importante que no dogma católico, recebe uma formação mais ampla, que inclui em particular um aspecto de ajuda social, gestão e prestação de serviços para a comunidade. Portanto, oferece uma maior "empregabilidade" fora do culto.
A Igreja não tem mais a riqueza patrimonial do passado. As comunidades judaicas são um modelo de governança por meio de um controle local muito forte: o rabino é contratado por um escritório ou conselho de administração da sinagoga, composto por leigos. Pode ser dispensado ad nutum. Em muitas comunidades, passa por um exame pelos fiéis para julgar seu nível no Talmud. Até o século XVIII tinha que exercer outra profissão, médico, enólogo ... para que o rabinato não fosse a principal fonte de renda e que ele não dependesse excessivamente da comunidade, principalmente quando se tratava de demiti-lo. O fato de ele não ser casado era visto de forma negativa. O clero ortodoxo está autorizado ao matrimônio, mas sem ser adotada a governança descentralizada dos cultos protestantes e judeus. O resultado, visível quando se visita a Grécia, parece seguir a previsão dos sociólogos: Molière veria um clero "grande e gordo, de tez corada", com um importante patrimônio imobiliário. Existem, portanto, "pesos e contrapesos" em nível local em todas as religiões do Livro, exceto entre os católicos, os ortodoxos e os xiitas.
Como contrapartida, há um dogma bastante unificado no catolicismo, enquanto a autonomia das comunidades de oração favorece em outros cultos uma confusão sobre o dogma, cujos efeitos trágicos podem ser vistos entre os sunitas nesta época, e cada vez mais entre os evangélicos. A Igreja já não possui mais a riqueza patrimonial do passado e o risco financeiro de uma descentralização é menor do que na antiguidade.
Mas o matrimônio dos padres aumentaria significativamente sua autonomia e sua vontade de servir, ao lado de seu apostolado, os interesses de sua família. É necessário, portanto, prever outras formas de controle e, acima de tudo, um papel muito mais importante para as comunidades paroquiais, com uma redução correspondente do papel dos bispos e dos cardeais. Um controle de baixo completaria o controle de cima, que no momento é um controle que mostrou sua fraca eficácia quando pensamos nos escândalos recentes. Trata-se, portanto, de colocar em discussão toda uma cultura da centralização. A reforma pode ser realizada passo a passo ou paulatim, para falar a língua da Igreja. É difícil decretar da noite para o dia que os padres possam se casar, sob o risco de atingir círculos conservadores e influentes da Igreja e privar-se do apoio dos padres mais idosos, que de repente perceberiam o pouco valor de ter sacrificado sua vida sexual.
Uma estratégia mais hábil, que o Papa parece seguir gradualmente, consiste em valorizar o papel dos diáconos, muitas vezes pessoas casadas, dando-lhes um maior espaço nas comunidades de oração, talvez com acesso a determinados sacramentos, como a comunhão ou o batismo. Isso reabriria os jogos, daria um maior protagonismo às comunidades paroquiais e ajudaria muito a “fortalecer o orgânico” do clero da Igreja, que hoje se encontra em preocupante diminuição. E ao mesmo tempo resolver uma questão que se torna premente: que um diácono – e, portanto, amanhã um membro do clero com pleno exercício - poderia ser uma mulher. O presbiterado, no mundo de hoje, não tem mais razão de ser um poder sem participação da comunidade que o cerca, não tem mais razão para ser reservado aos homens celibatários. Hans Küng, o grande teólogo católico recentemente falecido, dizia isso com palavras simples mais de cinquenta anos atrás.
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Gestão econômica e revisão da regra do celibato dos padres - Instituto Humanitas Unisinos - IHU