19 Novembro 2020
Leonardo Sapienza revela a conversa entre Montini e o cardeal Alfrink sobre os padres casados.
A reportagem é de Jesús Bastante, publicada por Religión Digital, 17-11-2020. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
“Penso como São Paulo VI, só com uma diferença: ele é santo... e não pensa em se casar”. Esta foi a confissão de Francisco a Leonardo Sapienza, regente da Casa Pontifícia, que acaba de publicar um livro que inclui os ‘papéis secretos’, confissões que Montini manteve a respeito do debate sobre o celibato opcional, ou sacerdócio dos padres.
Dos Arquivos da Secretaria de Estado do Vaticano, portanto, veio à luz uma conversa inédita que Montini teve em 10 de julho de 1970 com o cardeal Bernard Alfrink, arcebispo de Utrecht, sobre este espinhoso assunto, a ponto de que Paulo VI afirma que questionar o celibato seria “a ruína da Igreja”. Agora, o portal AdnKronos teve acesso àquela conversa, até então reservada.
“O papa Francisco – escreve Sapienza – repetiu muitas vezes a convicção de Paulo VI. Da última vez, no voo de volta do Panamá (28 de janeiro de 2019), o papa Francisco disse: ‘Sobre o rito latino, uma frase de Paulo VI me vem à mente: prefiro dar a minha vida a mudar a lei sobre o celibato’. Isso me veio à cabeça e quero dizê-lo porque é uma frase corajosa, ele a disse em 1968-1970, num momento mais difícil do que o atual”, destaca o prelado.
“O Santo Padre afirma que pensou muito na conversa de ontem. Uma vez feito o diagnóstico preciso, a situação holandesa parecia grave; deve ser levado em consideração com compreensão e caridade; a prática perfeita não pode ser exigida quando há esse distúrbio. Não queremos ser uniformes ou legais na aplicação, entendemos a necessidade de ser cuidadosos. O cardeal fez a pintura. O Papa não quis acrescentar nada. Eu poderia ter feito isso.
A viagem teve como objetivo o celibato. Alfrink se refere às declarações dos bispos e, em particular, aos seguintes dois pontos: homens casados e readmissão ao ministério dos padres casados”.
Paulo VI – Impossível. O cardeal diz que há uma categoria de padres que se enganam e admitem que é uma ilusão. O Papa acrescenta: devemos ser explícitos. O cardeal afirma não ter recebido resposta a seu relatório sobre o caso Grossouw. O Cardeal Seper não teria escrito. O cardeal Alfrink fará o que lhe for dito: ligará para Grossouw. O Papa pensa que devemos permanecer firmes.
Cardeal Alfrink – Mas a razão surpreendente é que não há mais candidatos ao sacerdócio; ele insiste no sacerdócio para os casados. O Santo Padre diz a esta altura que seria algo que se espalharia imediatamente: não deveria ser feito. O Papa tem a visão, a responsabilidade, acreditaria estar traindo a Igreja. Ao que Alfrink reage: deixar a Igreja sem padres é um grande ‘infelicidade’; é uma situação que ocorre na Holanda, mas também em outros lugares. Essa maneira de ajudar a Igreja pode ser boa.
Santo Padre: O problema é complexo. Nas missões, as vozes mais autorizadas são contra. Há algum remédio na admissão do diaconato. O ministério sacerdotal certamente está diminuindo. A situação pode ser estudada coletivamente. Esse tópico deve ser reservado para um Sínodo. Mas isso leva pelo menos dois anos.
Alfrink responde: Certamente é longo, mas a Igreja é eterna. Somos os primeiros na Europa a saber dessa carência, que já existe na América Latina. Essa é a preocupação do episcopado holandês.
Santo Padre – A análise do problema deve ser aprofundada. Os bispos que não têm clero querem se casar. Mas estamos introduzindo uma mudança de conceito, um declínio que não pode mais ser curado.
Alfrink pede por um estabelecimento de critérios.
Santo Padre – Não estou convencido.
Alfrink – Esses homens existem; nós os conhecemos e reconhecemos suas qualidades.
Santo Padre – Que exerçam um apostolado laical.
Alfrink – Precisamos deles. Você tem que estudar o problema.
Papa – Eu não gostaria de dar falsas esperanças (lembre-se da Carta do último 2 de fevereiro).
Alfrink – Porém a Carta fala sobre isso.
Santo Padre – Não creio que isso se aplique à Holanda. Muito pensamento é necessário para as situações ecumênicas.
Alfrink – Algumas partes da Igreja universal podem se encontrar em situações semelhantes.
Santo Padre – Eu não teria a consciência limpa. Isso seria uma revolução na Igreja latina.
Alfrink – Não sou tão pessimista.
Santo Padre – Nem eu. As vocações virão. Virá um século fértil de vocação. Do amor a Cristo.
Alfrink – Não vamos perder isso.
Santo Padre – Você não pode ter dois tipos de clero.
Alfrink – Você acha que não haveria mais clero celibatário?
Santo Padre – Não. Teríamos padres absorvidos por outras tarefas: família, trabalho...
Alfrink – Isso é verdade; uma das razões do celibato é, de fato, esta disponibilidade; expõe as perspectivas de um clero casado; uma parte totalmente gratuita, a outra tem uma profissão (tempo completo – tempo parcial).
Santo Padre – Dedicação do sacerdote à família, e o recrutamento de clérigos celibatários não será mais feito.
Alfrink – Estude mais a fundo.
Santo Padre – A Comissão Teológica estudará as questões que serão objeto do Sínodo de 1971, mas que ainda não foram resolvidas. Este será, sem dúvida, um dos pontos, mas por uma questão de sinceridade, não quero dar-lhes esperança de que chegue (clero casado). Não quero decidir sozinho, porque minha opinião seria negativa. Vou pedir a opinião dos outros irmãos do episcopado. Mas isso aconteceria em casos extremos, não seria a regra, nem a norma. Seria a ruína.
Alfrink – Mantenha o celibato e depois busque as vocações de homens casados.
Santo Padre – Você acha que essa lei da Igreja resistirá? Ou vão dizer ‘você pode se casar e ser um bom padre?’ Prefiro estar morto ou renunciar!
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Os “papéis secretos” de Paulo VI. “O celibato opcional seria somente em casos extremos, não seria regra. Seria a ruína” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU