16 Março 2021
O Papa Francisco, que foi manchete nos primeiros meses de seu papado ao responder “quem sou eu para julgar?” quando perguntado sobre padres homossexuais, agora deu respaldo a um decreto do Vaticano que desautoriza os padres de abençoar uniões do mesmo sexo porque Deus “não pode abençoar o pecado”.
A reportagem é de Christopher White, publicada por National Catholic Reporter, 15-03-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
O decreto publicado pela Congregação para a Doutrina da Fé do Vaticano em 15 de março, indica que “não é lícito conceder uma bênção a relações, ou mesmo a parcerias estáveis, que implicam uma prática sexual fora do matrimônio”.
Para alguns, esse novo decreto é uma chicotada, vinda menos de cinco meses depois de o Papa Francisco ser manchete devido à sua afirmação de apoio às uniões civis para casais do mesmo sexo, divulgada em um documentário. Para outros, essa afirmação é mais uma do ensinamento da Igreja que “atos homossexuais são intrinsicamente desordenados”. Mas para todos, esse é outro movimento de Francisco sobre a corda-bamba para defender o ensino da Igreja, enquanto tenta ao mesmo tempo acolher calorosamente as pessoas LGBTQ.
Um padre pode abençoar uma casa, um automóvel, um animal de estimação, o livro de 400 páginas do Livro das Bênçãos, o qual foi aprovado tanto pelo Vaticano quanto pelas Conferências Episcopais, ainda inclui orações para varas de pesca, barcos e campos atléticos.
Entre os objetos e pessoas que podem ser abençoadas pelos padres estão os gays, de forma individual – mas com uma ressalva.
De acordo com o novo decreto, um padre pode abençoar uma pessoa que aparenta ser homossexual, mas eles devem “manifestar a vontade de viver em fidelidade aos planos revelados de Deus como propõem o ensino da Igreja”. As mesmas condições se aplicam “a qualquer união que envolva atividade sexual fora do casamento”.
“Esta é uma versão da velha mentalidade de 'ame o pecador, mas odeie o pecado' que aparece não apenas no catolicismo romano, mas em outras denominações cristãs”, disse Patrick Hornbeck, professor de teologia da Fordham University.
“A comparação seria que o padre pode abençoar o carro, mas o padre não pode abençoar o carro que ele sabe que será usado em um assalto a banco”, disse Hornbeck ao NCR. “Aqui, o que o Vaticano está dizendo é que pela própria natureza das pessoas LGBTQ, seus corpos e suas personalidades são tais que não podem ser abençoados em um relacionamento com o outro”.
“Parece ser a resposta do Vaticano a alguns bispos alemães que lançaram essa ideia na preparação para o sínodo de seu país, como uma forma de alcançar as pessoas LGBTQ”, disse o padre jesuíta James Martin, um dos principais defensores para um melhor ministério da Igreja para com os católicos LGBTQ.
O “Caminho Sinodal” da Igreja Católica Alemã é um processo de dois anos com o objetivo de abordar as questões nevrálgicas da igreja, como a liderança feminina e a inclusão de pessoas LGBTQ.
Em 2019, dom Franz-Josef Bode, vice-presidente da Conferência Episcopal Alemã, disse estar “certo de que a categoria de bênção terá um papel” no processo sinodal. Bode, que já havia apoiado um debate aberto sobre as bênçãos das uniões do mesmo sexo, disse: “Não devemos sempre tratar a homossexualidade do ponto de vista de um pecado grave”.
Da mesma forma, o cardeal alemão Reinhard Marx, de Munique e Freising, que atua no conselho de cardeais do Papa Francisco, disse que os casais homossexuais podem receber uma bênção da Igreja “no sentido de cuidado pastoral”, embora ele tenha procurado distingui-la da mesma bênção que a Igreja oferece aos casais, dizendo: “O sacramento do casamento visa uma relação fiel entre um homem e uma mulher que está aberta aos filhos”.
Em 13 de março, Francisco comemorou seu oitavo aniversário de mandato e, de acordo com Hornbeck, “durante esse tempo, ele acolheu a população LGBTQ de maneira mais calorosa do que qualquer um de seus antecessores”.
Ainda assim, Hornbeck, que é homossexual e casado na Igreja Anglicana, disse que “a única coisa que ele não fez durante esse período de tempo foi fazer quaisquer ajustes ou mesmo fazer um gesto em direção a ajustes concretos nos ensinamentos da Igreja Católica em relação à sexualidade dos homossexuais, ou questões LGBTQ quando se trata de teologia moral”.
Da mesma forma, Natalia Imperatori-Lee, professora de estudos religiosos do Manhattan College que se especializou em sexualidade e teologia, disse que Francisco “fez muito para nos afastar da linguagem 'inerentemente desordenada'” que a teologia católica tradicionalmente usa para descrever pessoas homossexuais. Mas o novo decreto equipara o casamento entre pessoas do mesmo sexo ao pecado, disse ela.
“Isso vai contra a ideia de que as pessoas LGBTQ são feitas à imagem de Deus”, disse ela ao NCR. “Então, o que é isso?”
Em nota, Francis DeBernardo, diretor-executivo do New Ways Ministry, descreveu o decreto como “impotente” e disse que “não vai parar o movimento para abençoar esses casais e, de fato, vai realmente encorajar os católicos e os muitos líderes católicos que estão ansiosos para que tais bênçãos aconteçam, trabalharão mais duro em seu apoio - e bênção - aos casais do mesmo sexo”.
O decreto do Vaticano chega em um momento em que os católicos na Europa Ocidental e nos Estados Unidos estão cada vez mais aceitando as relações LGBTQ, com 61% dos católicos dos EUA aprovando o casamento gay.
Embora Francisco tenha apoiado continuamente o ensino oficial da Igreja sobre o casamento, ele encorajou discussões honestas sobre a necessidade de um melhor alcance pastoral para a comunidade LGBTQ. Em um nível pessoal, seu alcance aos católicos LGBTQ tem sido significativo. Em 2018, ele ganhou as manchetes por dizer a Juan Carlos Cruz, um chileno sobrevivente de abuso, que “não importa se você é gay. Deus o fez assim e ele o ama do jeito que você é, e isso não importa para mim”. Da mesma forma, o papa se encontrou pessoalmente com um casal gay italiano, incentivando-os a criar seus filhos como católicos.
“A maioria das pessoas LGBTQ não segue o Vaticano tão de perto”, disse Hornbeck, observando que “há uma sensação de que o Papa Francisco de fato mudou algo” e que aqueles que por acaso virem as manchetes podem se surpreender com este novo decreto.
No entanto, não deveria haver surpresa, disse ele, já que Francisco “estagnou antes de abençoar uniões ou muito menos casamentos”.
“É uma reafirmação de uma posição que a Igreja Católica tem mantido desde que escreveu os pronunciamentos sobre as relações modernas entre pessoas do mesmo sexo”, disse Hornbeck. “Mas no contexto de todas as coisas que o papa parece ter feito em nome e com as pessoas LGBTQ, é difícil não considerar isso uma condenação desnecessária de relacionamentos que muitas pessoas consideram profundamente doadores de vida”.
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Vaticano diz que padres não podem abençoar casais homossexuais: por que o Papa Francisco aprovou esse decreto? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU