23 Outubro 2020
“O Papa não está mudando a doutrina da Igreja Católica, ele está pedindo proteções legais e civis para os seres humanos. Estamos no século XXI, sofremos com a Covid, não é possível que homossexuais ainda sejam discriminados ou até mesmo assassinados em alguns países”. Juan Carlos Cruz, escritor e jornalista chileno de origem e estadunidense por adoção, vítima no passado do padre Fernando Karadima, pedófilo e abusador em série expulso da Igreja pelo Papa, é um dos protagonistas de “Francesco”, o docufilme de Evgeny Afineevsky apresentado no Festival do Cinema de Roma. O filme em que o Papa argentino pede "uma lei sobre as uniões civis". Cruz estava no Festival com o diretor. E com o La Stampa comenta esta que, na opinião de muitos, é uma "virada" do pontificado. "Virada? Para mim, são palavras normais para um Papa que sempre mostrou compaixão e acolhimento”.
A reportagem é de Salvatore Cernuzio, publicada por La Stampa, 22-10-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Depois daquele "quem sou eu para julgar?" pronunciado em 2013 no avião para o Brasil, é justamente a Juan Carlos que Bergoglio confiou as palavras que melhor cristalizam seu pensamento sobre a homossexualidade: “Não importa que você seja gay. Deus o fez assim e o ama assim. Até o Papa te ama”. “Dificilmente esquecerei aquele encontro”, diz Cruz, recordando a conversa de 2018 em Santa Marta, poucos meses depois da turbulenta viagem papal ao Chile. “Para mim a Igreja era o meu cardeal no Chile que, quando denunciei as violências sofridas, me disse: ‘Você não é uma vítima, você é gay e talvez até tenha gostado’. Fiquei furioso por anos com padres, bispos, com o Vaticano e até com o Papa, que eram o símbolo do mal sofrido. Imagine o que significou para mim, ouvir um Papa dirigir-me palavras semelhantes. Eu encontrei um pai”.
E como "pai", Francisco continua a se comportar com Cruz, hoje engajado como ativista pelas vítimas de abusos. “Quando estou em Roma, aconteceu várias vezes de ir ouvir ou ver o Santo Padre. A última vez foi antes da pandemia”.
Juan Carlos diz que se sente "reconciliado" e elogia Jorge Mario Bergoglio como "o único pontífice que mostrou uma atenção real ao sofrimento humano". "Mesmo as palavras proferidas no docufilme nada mais são do que o reconhecimento de que somos todos filhos de Deus e temos os mesmos direitos." Na Igreja, porém, há quem fale de um "ataque" ao Catecismo e ao sexto Mandamento ("não cometer atos impuros").
“Lamento porque a polarização que caracteriza o mundo se reflete também na Igreja. Hoje se condena tudo e todos. O que deveríamos fazer? Continuar a fingir que os homossexuais não existem ou que são o demônio? Em última análise, o Papa Francisco pede um mundo mais inclusivo. Vivemos um período de sofrimento sem precedentes e só podemos sair juntos, como seres humanos que se aceitam uns aos outros”.
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O chileno salvo por Bergoglio - “Ele foi o primeiro a acolher os homossexuais como filhos de Deus” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU