10 Março 2021
Os relatos mais objetivos e envolventes da viagem do Papa ao Iraque vieram dos correspondentes de guerra. Mais do que os relatos "religiosos" ou "vaticanistas", as palavras e até mesmo os rostos que mais permanecem em minha memória destes três dias de Francisco na terra cortada pelos rios do Éden são aqueles dos jornalistas que já haviam viajado por aquelas terras; haviam visto coisas, com seus próprios olhos, coisas terríveis e coisas maravilhosas, haviam coletado pensamentos e deixado emoções que só quem esteve ali, talvez, possa ver e sentir.
O comentário é de Lucio Brunelli, publicado por seu blog, 08-03-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Lorenzo Cremonesi em Mosul, Qaraqosh, Erbil retornou depois de ter arriscado sua vida nos últimos anos, documentando para o Corriere della Sera a barbárie do ISIS e a expulsão de cristãos de suas casas. Ele reencontrou pessoas que conhecia, situações vividas. E, dessa forma, seu olhar não poderia ser o mesmo olhar pretencioso de quem, de Roma ou Nova York, recriminava o papa porque parecia ignorar o risco da pandemia e de possíveis atentados. Eis como Cremonesi relata no Corriere de 8 de março a passagem do Papa entre as ruínas de casas e igrejas destruídas: “Ontem sua etapa foi a peregrinação da dor: Mosul, a antiga capital do Califado; Qaraqosh, uma das aldeias devastadas; Erbil, a cidade curda refúgio para cristãos em fuga. 'Nos salvamos por um fio.'
Na noite de 8 de agosto de 2014, os militares curdos deixaram a linha de frente sem nos avisar. O Isis havia invadido. Um dos soldados cristãos veio nos dizer, sem fôlego, que tínhamos menos de duas horas. Depois disso, Qaraqosh seria capturado pelos assassinos', lembra Rafet Daho, um vendedor de especiarias de 58 anos, que voltou há dois anos para encontrar sua casa completamente saqueada e queimada.
A história dele é a história de todos: centenas de milhares de famílias tiveram que fugir, aterrorizadas por uma horda de fanáticos determinados a roubá-los e até mesmo matá-los em nome de Alá. Nessa perspectiva, as palavras de Francisco lembram muito aquelas "cartas" dos Apóstolos às comunidades dos "coirmãos perseguidos" que marcaram de forma tão marcante os primeiros anos da história da Igreja. Diante de eventos tão dramáticos, ficam para o segundo plano as preocupações daqueles que no Ocidente alertam para o risco de pandemias ou de atentados. Em mais de duas semanas, não encontramos uma única crítica, nem mesmo uma preocupação velada, neste sentido, entre os cristãos locais. Pelo contrário. 'Obrigado Papa, obrigado Francisco por sua coragem, pela sua generosidade e pela atenção dedicada às nossas comunidades sofredoras', cantam em agradecimento”.
Alberto Negri - ex-correspondente de Il Sole24ore e colaborador do Il Manifesto, perdeu a conta de suas viagens ao Iraque nos últimos 40 anos. Quando você vê o mal em ação, o que há de pior na natureza humana, as guerras, a morte, a mentira, o sectarismo, não é fácil para você acreditar naqueles que pregam o bem, pensar que uma mudança real seja possível, até ficar entusiasmado. Eu conheço bem Alberto, queria-o como colaborador da Tv2000, quando fui diretor da informação, sempre gostei de sua forma de escrever e de sua liberdade. Por isso fiquei emocionado com a paixão com que ele, que talvez não se definiria como católico fervoroso ou mesmo como um santo, comentou de Roma o encontro de Francisco com o aiatolá Ali Sistani.
Ele escreveu no Il Manifesto de 7 de março: “Desta vez, coisas completamente diferentes foram ditas daquelas que dolorosamente sabemos sobre o Iraque. Nos cartazes de boas-vindas ao papa ao longo da rodovia Najaf se destacava a frase ‘'Vocês são parte de nós e nós somos parte de vocês', com os rostos de Bergoglio e de Alì Sistani mostrados abaixo. Em uma sala vazia, com dois sofás, uma mesa de centro, uma caixa de lenços e um velho ar-condicionado na parede rebocada, o papa e Sistani se olharam nos olhos. Nenhum dos líderes ocidentais jamais havia se encontrado com ele nessas décadas”.
L'incontro tra #PapaFrancesco e l'ayatollah #AlSistani nella città santa di Najaf. Un incontro di valore enorme, e che costruisce un ponte forte con gli sciiti che si riconoscono nei valori che Al Sistani sostiene legati alla riconciliazione nazionale pic.twitter.com/4LleNmdww2
— Antonio Spadaro (@antoniospadaro) March 6, 2021
E ainda: “Em poucas horas, Bergoglio no Oriente Médio está fazendo mais do que qualquer outra pessoa em um século de guerras e massacres, de falsos acordos e pacificações efêmeras. O que são a política e a diplomacia? Aqui estão, no sinal de Abraão, trazidas por um homem teimoso vestido de branco. O que é a coragem de mudar o mundo? É aquela de Bergoglio que em uma direção obstinada e contrária, quando todos o desaconselhavam a ir ao Iraque, desafiou o conselho mais hipócrita dos estadunidenses e dos vendedores de morte ocidentais ... O Papa agradeceu a Sistani porque, junto com a comunidade xiita, diante da violência, ergueu a voz em defesa dos perseguidos. Sistani afirmou que as autoridades religiosas têm um papel a desempenhar na proteção dos cristãos iraquianos, que deveriam viver em paz e desfrutar dos mesmos direitos dos outros iraquianos. Um passo importante para o diálogo inter-religioso, mas sobretudo para a pacificação entre todos os componentes da sociedade iraquiana, da maioria xiita iraquiana (60%) aos sunitas (35%), dos cristãos aos yazidis, dos árabes aos curdos".
Domenico Quirico, correspondente de La Stampa, foi engolido várias vezes pelos buracos negros do Oriente Médio, e da última vez temeu-se que nunca mais voltaria. Ele também estava no Iraque em 2014, quando os assassinos do ISIS conquistavam Mosul e os cristãos foram forçados a deixar suas aldeias em poucas horas. Além de comentar para o seu jornal, comentou sobre a viagem do Papa para a Tv2000 na manhã de domingo, enquanto imagens ao vivo de escombros e imagens de cristãos em festa chegavam de Qaraqosh. Fiquei impressionado com sua profundidade, uma leitura que foi além da dimensão geopolítica, sem perder por isso a sua concretude, muito pelo contrário.
O âncora Gennaro Ferrara perguntou-lhe o que aquelas imagens lhe transmitiam. E ele respondeu: “Com pouca humildade, sete anos atrás escrevi do Iraque que aquele era o único lugar no mundo onde o Papa tinha que estar naquele momento ... Hoje sua presença com os cristãos que ficaram - e eles são uma mínima parte daqueles que existiam aqui antes da guerra do ISIS - é o sinal do retorno de Deus, mas um retorno físico, se assim pode ser dito. Ele está lá, e para os cristãos que fugiram isso é um sinal extraordinário, gigantesco, um milagre, eu diria com este termo, milagre, que não se usa mais hoje em dia. Numa terra onde o inferno parecia ter tomado posse da história e a ausência de esperança era tangível ... a viagem do Papa foi o sinal físico da volta de Deus. Mais do que os efeitos geopolíticos, diante dos quais vou ser prudente, na visita do Papa vi este sinal”.
Quirico não acredita que as coisas vão mudar magicamente depois da viagem do Papa; Francisco não é um mago, ele é o sucessor de São Pedro. Quando questionado sobre em que se pode basear uma esperança sensata para o futuro dos povos da antiga Mesopotâmia, Quirico responde o seguinte: “A esperança, a única esperança para aquelas terras é ver outra lógica em vigor, diferente da lógica do ódio, da vingança, da violência sectária ... e nos cristãos iraquianos, cristãos perseguidos, vimos outra lógica de vida se afirmar: os cristãos são aqueles que sofreram o mal, também aceitaram o martírio, sem reagir, sem empunhar as armas, ninguém pegou em armas ... aqui está, outro mundo ... esta é uma esperança concreta, para todos e não só para os cristãos”.
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O Papa no Iraque e os correspondentes de guerra - Instituto Humanitas Unisinos - IHU