11 Fevereiro 2021
Equipe de investigação da OMS encerra trabalhos na China sem saber, sequer, se o vírus espalhou-se a partir de Wuhan. Riscos epidemiológicos do Antropoceno parecem graves e difusos. E mais: a experiência de vacinação em Serrana-SP.
A reportagem é de Raquel Torres, publicada por Outras Palavras, 10-02-2021.
A equipe internacional liderada pela OMS para investigar as origens do SARS-CoV-2 junto com especialistas chineses encerrou sua missão de duas semanas no país e apresentou ontem suas conclusões. Passado mais de um ano desde que os primeiros casos foram identificados em Wuhan, era pouco provável que os cientistas chegassem muitas certezas. Assim foi. A equipe só foi realmente taxativa em afirmar que o vírus não escapou de um laboratório – algo considerado “extremamente improvável” e que sequer deve continuar sendo estudado.
“Não é impossível. Isso já ocorreu em outros países”, disse Peter Ben Embarek, que liderou os pesquisadores, referindo-se a acidentes de laboratório; ele afirmou, porém, que não havia na época pesquisas sobre vírus com as características do SARS-CoV-2, e por isso a ideia foi abandonada.
Outras três hipóteses sobre a origem da contaminação em humanos continuam em aberto: a transmissão direta a partir de um animal, provavelmente um morcego; a via indireta, por meio de um animal intermediário; e o contágio a partir de vírus em superfícies congeladas. Esta última tem sido defendida pelas autoridades chinesas, que apostam que o vírus pode ter vindo de outro país a partir de alimentos de origem animal congelados. A teoria nunca teve muito alcance entre cientistas de outros países, e mantê-la em jogo pode ser visto como um aceno a Pequim; porém, a equipe da OMS foi cautelosa ao admitir a possibilidade, salientando que para confirmá-la seria preciso investigar toda a cadeia de fornecedores de produtos para Wuhan.
O mais plausível, por enquanto, continua sendo a ideia de que vírus surgiu em morcegos e passou para outra espécie antes de saltar para humanos, mas ainda não se sabe que animais estariam por trás disso. Segundo Peter Ben Embarek, as novas informações conseguidas apontam que o vírus provavelmente circulou fora de Wuhan antes de ser detectado lá; A hipótese de que um mercado local tenha sido o primeiro epicentro da epidemia foi descartada.
Os pesquisadores também não encontraram nenhuma evidência de que o vírus tenha se espalhado nesta ou outra cidade chinesa antes de dezembro de 2019. Os representantes chineses da missão bateram na tecla de que o vírus pode ter surgido em outro país, passando desapercebido; novamente, a equipe internacional não rechaçou a hipótese, mas alertou que novos estudos são necessários e que as poucas pistas apresentadas até agora nesse sentido (como um estudo que identificou anticorpos contra o coronavírus em amostras de sangue na Itália, no outono de 2019) são inconclusivas.
Entender a origem do vírus pode soar como uma necessidade secundária quando a maior parte do mundo atravessa problemas urgentes – as mortes que se acumulam, a crise econômica, a falta de acesso às vacinas –, mas entender bem o que aconteceu é fundamental para evitar que essa história se repita. Como já dissemos bastante por aqui, outras ameaças, tão graves ou piores do que a covid-19, estão sempre à espreita. Mas a investigação da OMS demorou demais para decolar, e obviamente é uma questão tão científica quanto política. As autorizações para explorar a China vieram em conta-gotas. Uma primeira equipe da Organização chegou a Pequim ainda em fevereiro do ano passado a fim de conduzir os primeiros estudos, mas não conseguiu nem visitar o mercado de animais vivos em Wuhan.
A inaptidão do governo federal em comprar vacinas – e, não esqueçamos, dos governos estaduais e municipais em distribuir as doses já disponíveis – gerou uma lacuna que o setor privado pretende preencher. Opondo-se ao conluio de empresários que pretendem comprar doses para imunizar seus funcionários, a bilionária Luiza Trajano lançou ontem o “Unidos pela Vacina”, com a meta de imunizar o país todo até setembro, pelo SUS, para “salvar vidas e destravar a economia”. Cerca de 400 empresas e entidades estão apoiando e, segundo o Estadão, o grupo já trabalha há um mês.
Dona da rede Magazine Luiza, ela não pretende adquirir vacinas, mas “agilizar, com influência de nossas empresas, e ajudar a chegar vacina”. “O movimento planeja várias frentes, como facilitar a aquisição e produção de insumos, como seringas e agulhas, e ajudar na fabricação dos imunizantes, com o auxílio na logística e solução de problemas da Fiocruz e do Instituto Butantan”, diz O Globo.
Não está claro como isso vai ser conduzido, mas, segundo Luiza, “nós temos empresas que estão na China, Índia, Estados Unidos e que estão querendo ajudar nessa solução”. O plano envolve fazer uma “radiografia” das unidades de saúde do país, um levantamento para entender a relevância do movimento antivacina por aqui, grupos de trabalho para dialogar com os governos em todas as esferas e uma campanha publicitária nacional a favor da vacina. Aliás, o Rio de Janeiro e Nova Lima (MG) são cidades-piloto e já estão sendo mapeadas. O presidente da Suzano vai ser o analista dos entraves à produção; o da Gol vai cuidar de logística e armazenamento. Embora não haja previsão para a compra de doses, esta semana houve uma reunião com o fabricante da vacina Sputnik V.
O governo de São Paulo decidiu imunizar todos os 30 mil adultos do município de Serrana até abril. O objetivo é verificar o efeito da vacinação em massa em um ambiente não controlado, como é o dos testes clínicos. Segundo Dimas Covas, diretor do Instituto Butantan, o que vai ser avaliado não é mais a eficácia, mas a efetividade da vacina – seu efeito na redução nos casos, internações e mortes, além do uso do sistema de saúde e dos impactos na economia.
O lugar foi escolhido por ser pequeno e uma cidade-dormitório, em que a maior parte dos habitantes trabalha em outras localidades. Isso aumenta a possibilidade de transmissão. As doses usadas não são provenientes do plano nacional de imunização (que devem respeitar os grupos prioritários), mas ainda do lote reservado para o estudo clínico.
Por enquanto, as maiores evidências de que vacinar muita gente pode conter a pandemia vêm de Israel, que utiliza o imunizante da Pfizer/BioNTech. Aliás, o acordo com a Pfizer para o fornecimento constante de vacinas se baseia justo no fornecimento de dados completos sobre os vacinados, para que esse tipo de dado seja produzido. Os estudos até agora apontam uma redução drástica dos casos e hospitalizações por conta da doença. Os dados das pessoas com mais de 60 anos que receberam o imunizante mostram uma queda de 41% nos novos casos em três semanas, além de 31% nas hospitalizações. É claro que o lockdown imposto no país também influencia nos números, mas, segundo o New York Times, as pesquisas conseguiram “descolar” esses fatores. Ontem o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu disse que, das 1,5 mil pessoas que morreram em Israel nos últimos 30 dias, 97% não tinham sido vacinadas.
As Defensorias Públicas do Amazonas e da União entraram com uma ação na Justiça Federal para obrigar o governo brasileiro a comprar mais vacina para Manaus e outros sete municípios do estado em até 30 dias. A quantidade deve ser suficiente para imunizar pelo menos 70% dos adultos nas cidades, escolhidas em função da situação epidemiológica grave.
A Anvisa decidiu ontem dispensar a necessidade de seu registro ou autorização emergencial para que as vacinas adquiridas por meio da Covax Facility sejam usadas no Brasil. A medida vai agilizar a entrada dos imunizantes que já façam parte da iniciativa mas ainda não tenham sido aprovados aqui. É importante salientar que todas elas passam pelas análises de qualidade da própria OMS (que às vezes demoram mais para sair do que as de algumas agências reguladoras).
Nesse momento, talvez a decisão não faça muita diferença para nós, já que durante os próximos meses a única vacina que o Brasil deve receber por meio do consórcio é a de vacina de Oxford/AstraZeneca, que de todo modo já foi autorizada pela Anvisa. Mas, no futuro, deve facilitar nosso acesso a outras, como as da Moderna.
O laboratório indiano Bharat Biotech disse que deve exportar esta semana doses de sua vacina, a Covaxin, para o Brasil. O Ministério da Saúde pretende comprar oito milhões de doses em fevereiro e mais 12 milhões em março. Como já dissemos por aqui, os testes de fase 3 com esta vacina estão em curso na Índia e não há dados de eficácia. A Precisa Farmacêutica, que representa o Bharat Biotech no Brasil, chegou a pedir para realizar ensaios no Brasil, mas desistiu, pois ainda não tem todos os documentos necessários para submeter a solicitação à Anvisa.
O governo brasileiro agora negocia também a compra de outra vacina indiana, a Zycov-D. Para esta, a fase 3 ainda não começou.
Depois de muito dizerem que não, Paulo Guedes e Jair Bolsonaro acenaram para o possível retorno do auxílio emergencial. O novo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), disse que pode haver um anúncio ainda nesta semana. Mas ainda não se sabe quase nada sobre a proposta: qual vai ser o valor do auxílio, quem vai recebê-lo, de onde vai sair a verba. Vamos acompanhar.
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Nada está claro sobre as origens da Covid-19 - Instituto Humanitas Unisinos - IHU