04 Agosto 2020
"Para as Igrejas da Reforma, que conservam a necessidade de uma contínua renovação (Ecclesia reformata, semper reformanda!), a crise do coronavírus assume as características da oportunidade, que convida a discernir os sinais dos tempos, deixando-nos instruir por aquele Espírito que sopra onde quer", escreve Lidia Maggi, pastora batista italiana, em artigo publicado por Mosaico di Pace, julho de 2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Um terremoto atravessou os nossos vilarejos. A paisagem conhecida, com as sólidas construções habituais, mudou. O que aconteceu nas Igrejas da Reforma na Itália no tempo da pandemia? Como mudou a nossa experiência de Igreja imersa na emergência sanitária?
Em poucos dias, sem tempo para refletir, tivemos que reinventar um novo modo de fazer comunidade. Sobre os escombros do vírus, a falta de fôlego de uma Igreja de respiração curta e não apenas por causa do coronavírus.
Sim, a primeira coisa que devemos dizer a nós mesmos por amor à verdade é precisamente isto: a Covid-19 apenas destapou a caixa de Pandora de uma crise estrutural, que já atravessava as nossas Igrejas há algum tempo.
Foi o que nos disseram os estudos sociológicos encomendados pelos nossos governos executivos, que fotografaram Igrejas incapazes de crescer, inadequadas em responder às solicitações do próprio contexto.
Diante desse quadro, alguns de nós se defenderam minimizando o problema; outros foram em busca de possíveis culpados: o fim das grandes narrativas, a secularização e os pertencimentos parciais. Entre remoção e busca do bode expiatório, corríamos o risco de sufocamento, e certamente não por causa do vírus.
Uma séria reavaliação sobre o modo de ser Igreja era necessária há algum tempo: no entanto, nenhuma proposta, nem mesmo a mais evocativa (pensemos na imagem de “Igreja em saída”), foi capaz de se traduzir em um projeto compartilhado. Foi necessário o trauma do vírus para desencadear aqueles anticorpos capazes de resistir às dinâmicas de morte em curso.
Somos filhos e filhas de uma história comum, a da Igreja. Movimento de vida que surgiu a partir do gemido de morte do líder fundador. Seita judaica que teve que dizer novamente a si mesma após o trauma da destruição do Templo e da expulsão das sinagogas.
Uma história na qual foi a perda que tornou possível o nascimento de uma nova linguagem, a messiânica, que não precisa mais se apoiar em estruturas antigas para poder existir. Do templo à casa, do altar à mesa. A Igreja pode celebrar os gestos da fé permanecendo mais perto das pessoas, a fim de se espalhar de casa em casa.
E isso aconteceu no momento nascente do movimento de Jesus e continua acontecendo agora: o confinamento forçou as comunidades individuais a repensarem aqueles gestos comuns que as caracterizam. No momento em que desapareceu a possibilidade do contato físico, perguntamo-nos como manter os vínculos. Respostas concretas surgiram nas tentativas implementadas pelas realidades individuais para permanecerem próximas das pessoas queridas em situações de emergência. Do que os irmãos e as irmãs precisam em uma comunidade cristã?
A primeira necessidade é a escuta, o acompanhamento espiritual, porque todas e todos nós vivemos um trauma coletivo que devemos elaborar. Se, além disso, entrarmos na vivência pessoal marcada por lutos, hospitalizações, doenças e até nascimentos no isolamento, a necessidade de uma proximidade na distância se torna essencial.
Suprimos isso como pudemos: com o telefone, as mensagens de voz, as conversas remotas e a oração. À distância, compreendemos que se pode tentar expressar o contato, a proximidade, de modos até agora inéditos. O contato vai muito além da possibilidade de se abraçar e de se encontrar fisicamente.
O acompanhamento individual, nesse período traumático, multiplicou o trabalho dos pastores e das pastoras de modo exponencial. Assim como os profissionais da saúde que enfrentaram a doença e a morte, os pastores e as pastoras, em dias mais relaxados, também precisarão revisitar esse tempo de intenso acompanhamento traumático para não correr o risco do esgotamento.
Vocês podem imaginar o que significa acompanhar uma irmã que está morrendo apenas com a ajuda do telefone? Gerir a ansiedade dos familiares? Experiência de extrema proximidade, mas também de frustração e de impotência. Inédita para mim, assim como para os muitos colegas que, na emergência, se esforçaram para fazer sentir a proximidade de Deus na doença e no luto.
A outra grande necessidade que corria o risco de desaparecer, com o fechamento dos locais de culto, era a possibilidade de um encontro comunitário com a Palavra de Deus. As Igrejas da Reforma se reconhecem como comunidades convocadas em torno da Palavra.
Mas, se a Palavra não pode ser proclamada do púlpito, ela deve ser anunciada em outros lugares: assim, multiplicaram-se as reflexões bíblicas e os debates nas mídias sociais, com uma utilização exponencial de plataformas virtuais como o Zoom, Meet ou Skype. Uma verdadeira proliferação de propostas que, se, por um lado, corriam o risco de “saturar” as praças virtuais, permitiam, por outro lado, alcançar cada vez mais pessoas. Mesmo aqueles que nunca teriam se aproximado de uma igreja, ou aqueles que, há algum tempo, por diversas razões, deixaram de frequentá-la.
A Igreja fechou as suas sedes e se deslocou para outros lugares, transformando-se de uma experiência territorial (paroquial) em comunidades de fronteiras abertas.
Aqueles que tiveram a oportunidade de participar de uma das muitas liturgias propostas pelas suas realidades locais sabem muito bem que o encontro entre irmãos e irmãs, embora virtual, é real. As pessoas debatem, rezam, cantam, refletem e até, em alguns casos, compartilham o pão e o vinho. A Igreja volta a ser evento, que ocorre no momento em que os fiéis se veem convocados pela Palavra, para além de todas as barreiras, até mesmo a física.
A construção de um novo espaço para o culto levou pastores e pastoras ou responsáveis de comunidades a se interrogarem sobre novas modalidades para favorecer a participação de todos nas celebrações virtuais. O risco de “assistir” passivamente a um espetáculo se evidencia ainda mais na web do que na celebração local.
Assim, floresceram grupos litúrgicos que, semana após semana, realizaram celebrações construídas com contribuições plurais: alguns traziam um canto, uma poesia; outros, um testemunho; outros, uma animação dirigida aos pequenos. Experimentações, provavelmente, comuns também a outras confissões.
Foi significativo ver como as Igrejas individuais da Reforma fizeram de tudo para sair do monólogo do celebrante para transformar a liturgia em uma verdadeira sinfonia. Nem sempre a experiência foi bem-sucedida: no entanto, a riqueza de tentativas, acessíveis a todos, permitiu um debate inédito.
Quem de nós, no passado, envolvido constantemente na própria realidade local, podia ter uma ideia do que ocorria na Igreja irmã durante uma celebração? A pandemia fechou as portas das nossas casas, mas ampliou as fronteiras das comunidades individuais na web, permitindo que muitos de nós participássemos de encontros “alheios”. Que riqueza!
Sem falar de todas aquelas propostas locais às quais foi possível convidar convidados externos: mesas redondas, estudos bíblicos e pregações realizadas por colegas, geralmente não disponíveis por estarem envolvidas nas suas próprias paróquias. Uma lufada de ar novo, vozes diferentes que nos ajudaram a crescer, a ampliar os horizontes e que não podem ser perdidas. Seria uma derrota, no fim da emergência, retomar as celebrações colocando entre parênteses aquilo que foi experimentado.
Muitas experiências no panorama nacional, foram particularmente significativas. Menciono algumas:
1. Desde o início da pandemia, as diversas Igrejas evangélicas de Milão propuseram uma única celebração dominical comum. Uma experiência ecumênica, testemunho de uma Igreja democrática que celebra a fé em coro. Pastoras e pastores, ao lado de ministros da música, leitoras e leitores, diáconos e professores da escola dominical testemunharam que é possível viver uma liturgia participada por todos. Embora isso requeira uma grande energia e tempos de preparação mais longos. A crise se tornou uma oportunidade para recuperar aquela ministerialidade generalizada que deveria caracterizar todas as comunidades evangélicas. O culto não é um monólogo. A pandemia nos ajudou a redescobrir isso.
2. Zoom worship: um grupo de pastores e professores da Faculdade Valdense de Teologia, coordenado pelo editor da revista Confronti, propôs celebrações e estudos bíblicos que deram forma a uma comunidade virtual nacional. Uma Igreja estendida, formada por pessoas provenientes de toda a Itália. Um evento semanal interdenominacional, experimentado antes apenas em ocasiões particulares.
Foi bom se encontrar com regularidade de todas as partes da Itália e participar de liturgias, de vez em quando, propostas por sujeitos diferentes. Como poderemos renunciar no futuro a esse compromisso virtual tão formativo? E por que não pensamos nisso antes? Precisamos da pandemia para aprender o bom uso das plataformas e ampliar as fronteiras das nossas celebrações.
3. Com a suspensão dos cultos, foram suspensas as atividades dedicadas às crianças. A criatividade das Igrejas soube se traduzir em propostas concretas também nesse caso: o jornal nacional Riforma, órgão de informação de todas as Igrejas protestantes, dedicou uma página bíblica e espiritual às crianças: atividades didáticas, jogos e pequenas celebrações em família, propostas todas as semanas para colocar os pequenos no centro.
E, na internet, propostas litúrgicas regulares para as crianças: o “culto com a chupeta”, uma ideia já experimentada em algumas Igrejas, mas que, na web, se torna desfrutável para todas e todos, ajudando as comunidades locais a se formarem nas linguagens a serem usadas para se comunicar com os pequenos. O culto com a chupeta repensa todos os aspectos da celebração do ponto de vista dos pequenos: os paramentos, coloridos e quentes, os tempos e as animações, os cantos...
Ainda é cedo demais para assumir a distância certa que permita às Igrejas avaliar o quanto este tempo nos transformou. No entanto, a uma primeira vista, nesses meses, vem à tona que a mudança foi desencadeada. Uma reforma da Igreja que começou como resposta à crise. Adquirimos muitas habilidades em pouco tempo. Aprendemos a usar melhor a web, temos menos medo dela agora, porque entendemos que o contato entre as pessoas pode ser favorecido pelas plataformas virtuais.
Paradoxalmente, precisamente enquanto estávamos segregados nas casas, por meio dos encontros virtuais, abrimos as nossas casas e nos mostramos na nossa intimidade: na cozinha, nos nossos quartos e na frente das bibliotecas. Jesus entrava nas casas e tornava visível o que acontecia no interior. Isso aconteceu também conosco. Não deve ser subestimada a janela doméstica aberta para o mundo neste tempo estranho. Também não deve ser subestimada a presença de uma Igreja em saída nas praças virtuais. Porque a operatividade implementada para enfrentar a crise abre a possibilidade de uma criatividade interpretativa do ser Igreja hoje.
Para as Igrejas da Reforma, que conservam a necessidade de uma contínua renovação (Ecclesia reformata, semper reformanda!), esta crise do vírus assume as características da oportunidade, que convida a discernir os sinais dos tempos, deixando-nos instruir por aquele Espírito que sopra onde quer.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Do templo para a casa. Artigo de Lidia Maggi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU