10 Julho 2020
"Como flocos de neve que, isolados, não valem nada, mas unindo podem formar uma avalanche esmagadora, da mesma forma perguntas e experiências ligadas à 'questão da mulher'- heterogêneas mas, por fim, compactas para desafiar o status quo machista e patriarcal - estão investindo na Igreja Católica Romana, apresentando-lhe questionamentos radicais para iniciar uma mudança de paradigma eclesial, institucional e pastoral", escreve Luigi Sandri, em artigo publicado por Confronti, julho de 2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Aberto em dezembro de 2019, o Sínodo alemão começou efetivamente a trabalhar em janeiro e será retomado no outono europeu. O Sínodo, composto por representantes do clero e do laicato, também tem na pauta a hipótese de admitir mulheres no diaconato e, alguns esperam, também no presbiterado. Em março, a Conferência Episcopal alemã [DBK] elegeu como seu novo presidente o bispo de Limburgo, D. Georg Bätzing (nascido em 1961), que substitui o arcebispo de Mônaco, cardeal Reinhard Marx (1953), a alma "progressista" do DBK. Agora, o recém-eleito, questionado no final de maio sobre as perspectivas do debate em andamento, acenou sobre a ordenação sacerdotal das mulheres.
Nem mesmo os severíssimos "não", a respeito, proclamados por João Paulo II, e em substância reiterados, embora suavemente, por Francisco, parecem ter encerrado a questão, “isso não significa - disse o prelado - que não se possa falar sobre isso. O pedido está ali, bem no meio da Igreja". Para entender a audácia dessas palavras, vale lembrar que, na carta apostólica Ordinatio sacerdotalis (1994) Wojtyla proclamava que, para defender “a constituição divina da Igreja, em virtude do meu ministério de confirmar os irmãos, declaro que a Igreja não tem absolutamente a faculdade de conferir a ordenação sacerdotal às mulheres, e que esta sentença deve ser considerada como definitiva por todos os fiéis da Igreja". Como pode Bätzing candidamente relativizar esse magistério? Porque não apenas na Alemanha, mas em toda a Europa Central, na América do Norte e também no hemisfério sul do mundo, existem muitos grupos que seguem no sentido, mesmo que isolado, do papa polonês; e outros que, rejeitando o "sacerdócio", prospectam uma Igreja onde todos os ministérios estejam abertos a homens e mulheres. Cruzando objetivamente o programa da Assembleia alemã, em 8 de abril o papa instituiu uma nova comissão (a anterior havia falhado sua tarefa!) para verificar "se" e "qual" ordenação recebiam as diaconisas na antiguidade. O Sínodo de outubro sobre a Amazônia havia lhe pedido explicitamente que na comissão também houvesse "amazônicas".
Proposta ignorada.
Em 6 de março, o papa aceitou a renúncia do cardeal Philippe Barbarin como arcebispo de Lyon - enredado, mesmo que por fim não condenado, por ter "tolerado" um padre pedófilo. Em tal contexto, ocorreu um evento que nunca antes visto na história da Igreja no final de maio: uma mulher candidatou-se à liderança da diocese francesa. Anne Soupa, 73 anos, explicou: “Há 35 anos que estou na área como estudiosa da Bíblia, teólogo, jornalista, escritora. Tudo isso me permite considerar-me capaz de candidatar-me ao papel de bispo, tudo me legitima. Mas tudo me proíbe”. E mais: “Há sete anos, nada mudou na Igreja. O Papa Francisco contornou dois pedidos fundamentais: o do acesso das mulheres a responsabilidades reais e o da distinção entre gestão e ministérios por ordenação ... A Igreja da França não pode continuar sendo governada por metade da humanidade". Uma provocação? Talvez, mas torna gritante, no século XXI, a recusa de admitir as mulheres, por serem mulheres, a tais cargos; afinal, comentou o teólogo espanhol Juan José Tamayo, na igreja antiga existem fatos que derrubam os fundamentos do "não" do Vaticano.
A paz no mundo não pode prescindir das desculpas às mulheres por parte das hierarquias eclesiásticas. Este é o título de uma carta aberta - divulgada no Pentecostes - cujas primeiras signatárias são Paola Cavallari, do Observatório Inter-religioso sobre violência contra as mulheres; Carla Galetto e Doranna Lupi, ambas do grupo mulheres da Comunidade de Base; Paola Morini, do Oivd. O apelo até agora - início de julho - recebeu 337 assinaturas. Para adesões, abrir o site. Diretamente, a carta é dirigida ao Presidente da Conferência Episcopal Italiana, Cardeal Gualtiero Bassetti. Ao lado, amplas citações do texto. Sempre sobre o tema Mulher-Igreja, nas páginas 26-27, reproduzimos a introdução de um documento da comunidade cristã de base de San Paolo in Roma. Tais exemplificações, mais que as de Bätzing e Soupa, não esgotam o "sentir" da Igreja Romana; a elas centenas poderiam ser adicionadas, todas convergindo em dizer que ela, assim como está estruturada, patriarcal e machista, não está certa.
Non sono la costola di nessuno.
Letture sul peccato di Eva
Certamente, o status quo tem do seu lado pilhas de declarações de Concílios, papas, teólogos e santos; mas tem o evangelho? Todas essas intervenções se referem a uma extensa bibliografia. Aqui queremos lembrar Non sono la costola di nessuno. Letture sul peccato di Eva (em tradução livre, Não sou a costela de ninguém. Leituras sobre o pecado de Eva, Gabrielli ed., 2020, p. 190, euro 16). O livro - editado por Cavallari - além de uma sua introdução e um prefácio de Lilia Sebastiani, contém ensaios de Giancarlo Anderlini, Carlo Bolpin, Lidia Maggi, Paolo Ricca, Brunetto Salvarani e Letizia Tomassone. Uma gama bem variada que examina, de um ponto de vista bíblico e histórico, o "caso" de Eva, com reflexões nada óbvias e perspectivas intrigantes que também iluminam a relação entre a Mulher e a Igreja Católica e tornam mais agudas as perguntas para o presente. O que fazer então? O que o atual pontificado não ousou: exortar os irmãos bispos a enfrentarem as citadas problemáticas em suas respectivas dioceses e, em seguida, convocá-los a Roma - ou em outros lugares - para os "estados gerais" da Igreja Católica, ouverture de um inédito Concílio de "padres" e "madres" (solteiras e casadas, é claro) que aborde a questão principal: "Em fidelidade ao Evangelho, Madalena e as outras podem, como os homens, celebrar e presidir a Ceia do Senhor?". Uma certa parte montará um muro com um granítico NÃO; mas, estamos convencidos, o SIM prevalecerá amplamente!
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A questão da mulher perturba o status quo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU