25 Junho 2020
Usar a religião para promover um senso exagerado de nacionalismo perverte o patriotismo saudável em suas tentativas de solidificar a identidade nacional ao excluir alguns membros da sociedade, lê-se em um ensaio publicado numa influente revista jesuíta.
A reportagem é de Cindy Wooden, publicada por Catholic News Service, 23-06-2020. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
“Está em voga novamente em alguns países uma forma de nacionalismo religioso-cultural. A religião é explorada para obter apoio popular e para enviar uma mensagem política identificada com a lealdade e devoção do povo a uma nação”, escreve o padre jesuíta Joseph Lobo, da St. Joseph’s College, faculdade em Bangalore, na Índia.
O ensaio de Lobo, intitulado “Against Religious Nationalism” (contra o nacionalismo religioso), foi publicado na edição de junho da La Civiltà Cattolica, revista jesuíta de Roma, revisada pelo Vaticano antes de ser publicada.
Porque no mundo globalizado de hoje, escreve ele, “não há uma entidade geográfica que se possa definir como uma ‘nação’ que tenha, dentro de si, uma única identidade homogênea”, em termos religiosos, linguísticos ou étnicos, “o nacionalismo radical só é possível se eliminar a diversidade”.
Esse nacionalismo esteve no centro do nazismo na Alemanha, de acordo com o autor, mas indícios dele também se podem ver em alguns círculos dos Estados Unidos.
“Mesmo um sentimento nacional tão secular em alguns aspectos, quanto aquele dos Estados Unidos da América, tem usado um disfarce ‘religioso’, como uma espécie de divinização dos pais fundadores e uma narrativa centrada no papel e no favor especiais dados por Deus a essas pessoas”, lê-se na publicação. “No período seguinte à Segunda Guerra Mundial, a exaltação do modo de vida americano levou à apoteose da vida nacional, à equivalência dos valores nacionais e da religião, a divinização dos heróis nacionais e da transformação da história nacional em uma ‘heilsgeschichte’ – a história da salvação”.
Ciente do fato de que a religião, incluindo o cristianismo, foi usada no passado para promover um nacionalismo, Lobo propõe uma “desconstrução libertadora do nacionalismo” com base na teologia e nos valores bíblicos.
Enquanto a Bíblia está cheia de narrativas sobre a relação especial de Deus com o povo judeu e do status privilegiado deste enquanto nação – narrativas que os nacionalistas cristãos gostam de adotar –, Lobo observa que há também críticas explícitas à maneira como alguns reis judeus governavam, há admoestações sobre como tratar o outro com justiça, além de repetidas referências à forma como Deus igualmente criou, amou e cuidou de outros povos.
Mas, para os cristãos, continua Lobo, a narrativa do bom samaritano é, talvez, a expressão mais clara de como “a justiça e o amor de Deus, conforme revelados pelo acontecimento de Cristo, levam à denúncia inequívoca de toda opressão e exploração de qualquer ser humano em qualquer circunstância”.
O impacto da parábola entre os que ouvem Jesus, diz o autor, “vem da proeminência dada a um samaritano, e não a um ‘bom’ judeu. Mesmo criticando o sacerdote e o levita por sua religiosidade não libertadora, a parábola poderia ter exaltado um judeu qualquer. Por que ela exalta um samaritano?”
A “nova categoria de Jesus, a do ‘próximo’, é um antídoto à autojustificação nacionalista. O próximo não coincide com o correligioso e com o compatriota”, escreve Lobo.
“O amor ao próximo é realmente o amor ao ‘outro’ em contraste com o ‘amor a si mesmo ou ao igual’ sustentado pelo nacionalismo (…) pois este último é o ‘amor por mim’ – um amor narcisista, o qual o cristianismo não pode tolerar”.
“O fanatismo do nacionalismo religioso-cultural”, completa o padre jesuíta em seu ensaio, não se interessa em promover a paz duradoura e o bem-estar para todos, mas trabalha para manter a sociedade “dividida entre ‘nós’ e ‘eles’”, ao mesmo tempo que cria a falsa esperança “em uma nação gloriosa futura que irá replicar um passado dourado imaginário”.
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Cuidado com os ‘nacionalistas radicais’ que tentam usar o cristianismo, escreve jesuíta - Instituto Humanitas Unisinos - IHU