22 Agosto 2019
A revista Commonweal, 19-08-2019, publicou a seguinte carta aberta sobre o perturbador surgimento do nacionalismo, especialmente entre alguns cristãos, nos Estados Unidos.
Embora este não seja um editorial da Commonweal, e nenhum dos editores tenha participado de sua redação, pensamos que seria útil para os nossos leitores considerar os seus argumentos e reivindicações ao refletirem sobre suas responsabilidades políticas nestes tempos arriscados. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A cada dia, mais sinais apontam para uma enorme mudança no conservadorismo norte-americano para longe do consenso anterior, rumo ao novo nacionalismo de Donald Trump. Isso é evidente não apenas na recente Conferência Nacional do Conservadorismo, realizada em julho, em Washington, mas também no manifesto assinado por vários cristãos que parecem ansiosos para abraçar o nacionalismo como algo compatível com a fé cristã.
Sem impugnar indivíduos específicos, como colegas intelectuais, teólogos, pastores e educadores cristãos, respondemos a essa reaproximação com tristeza, mas também com um claro e firme “Não”. Somos ortodoxos, católicos e protestantes; republicanos, democratas e independentes. Apesar das nossas diferenças denominacionais e políticas, estamos unidos pela convicção de que existem certas solidariedades políticas que são um anátema contra a nossa fé cristã compartilhada.
Nos anos 1930, muitos pensadores cristãos sérios na Alemanha acreditavam que poderiam administrar uma aliança com o emergente nacionalismo iliberal. Proeminentes teólogos como Paul Althaus e Friedrich Gogarten acreditavam que o movimento nacional-socialista oferecia uma nova oportunidade para fortalecer a ordem e a coesão sociais em torno da identidade cristã. Mas alguns cristãos resistiram imediatamente, mais visivelmente na Declaração de Barmen de 1934, que rejeitou os compromissos do cristianismo “alemão” e suas hediondas distorções do Evangelho.
A nossa situação em 2019 certamente é diferente, mas os cristãos norte-americanos agora enfrentam um momento cuja violência letal trouxe à tona tais analogias. Novamente, vemos como os demagogos demonizam as minorias vulneráveis como vermes infestantes ou como forças invasoras que enfraquecem a nação e precisam ser removidos. Novamente, observamos como os companheiros cristãos avaliam a possibilidade de fundir sua fé com políticas nacionalistas e etno-nacionalistas, a fim de fortalecer sua base cultural. Novamente, as maiorias étnicas confundem seu bloco político com o próprio cristianismo.
Neste tempo caótico, lideranças cristãs de todas as camadas devem ajudar a Igreja a discernir os limites das alianças políticas legítimas. Isso é especialmente verdade diante do crescente racismo nos Estados Unidos, onde os não brancos são os alvos de atos abomináveis de violência, como o tiroteio em massa em El Paso.
Para que fique claro, nacionalismo não é o mesmo que patriotismo. O nacionalismo forja a pertença política a partir das identidades religiosas, étnicas e raciais, lealdades destinadas a preceder e a substituir a lei. O patriotismo, pelo contrário, é o amor pelas leis e a lealdade para com o líder ou o partido. Tal nacionalismo não é apenas politicamente perigoso, mas também reflete erros teológicos profundos que ameaçam a integridade da fé cristã. Ele prejudica o amor ao próximo e trai a Cristo.
1. Rejeitamos as pretensões do nacionalismo para usurpar as nossas mais altas lealdades. A identidade nacional não tem nenhuma relação com as dívidas de amor que devemos aos outros filhos e filhas de Deus. Criados à imagem e semelhança de Deus, todos os seres humanos são nossos próximos, independentemente do status de cidadania.
2. Rejeitamos a tendência do nacionalismo de homogeneizar e restringir a Igreja a um único ethnos. A Igreja não pode ser ela mesma a menos que seja formada por discípulos “de todas as nações” (panta ta ethné, Mateus 28,19). Cidades, Estados e nações têm fronteiras; a Igreja, nunca. Se a Igreja não for etnicamente plural, ela não é Igreja, o que requer uma diversidade de línguas por obediência ao Senhor.
3. Rejeitamos a xenofobia e o racismo de muitas formas de etno-nacionalismo, explícitas e implícitas, como pecados graves contra Deus, o Criador. A violência cometida contra os corpos de pessoas marginalizadas é uma violência cometida contra o corpo de Cristo. A indiferença ao sofrimento de órfãos, refugiados e prisioneiros é indiferença a Jesus Cristo e à sua cruz. A ideologia da supremacia branca é obra do anti-Cristo.
4. Rejeitamos a reivindicação do nacionalismo de que o estrangeiro, o refugiado e o migrante são inimigos do povo. Quando o nacionalismo teme o estrangeiro como uma ameaça à comunidade política, a Igreja acolhe o estrangeiro como necessário para a plena comunhão com Deus. Jesus Cristo se identifica com o estrangeiro pobre e preso que precisa de hospitalidade. “Porque eu estava com fome, e vocês não me deram de comer; eu estava com sede, e não me deram de beber; eu era estrangeiro, e vocês não me receberam em casa; eu estava sem roupa, e não me vestiram; eu estava doente e na prisão, e vocês não me foram visitar” (Mateus 25,41-43; trad. Bíblia Pastoral).
5. Rejeitamos a inclinação do nacionalista a se desesperar quando incapaz de monopolizar o poder e dominar os opositores. Quando os cristãos mudam de um status de maioria para um status de minoria em um determinado país, eles não devem distorcer seu testemunho a fim de permanecer no poder. A Igreja continua sendo Igreja mesmo como minoria política, mesmo quando incapaz de influenciar o governo ou quando enfrenta perseguição.
Na caridade e na esperança, instamos nossos irmãos cristãos a repudiar as tentações e as falsidades do nacionalismo. A política da xenofobia, mesmo quando travestida de elevada crítica social, só pode ser buscada em contradição com o Evangelho. Uma verdadeira cultura da vida acolhe o estrangeiro, abraça o órfão e cuida das feridas de todos aqueles que são nossos próximos – todos aqueles que jazem sem vida na estrada, enquanto os piedosos passam adiante silenciosamente.
David Albertson
Professor de Religião, Universidade do Sul da Califórnia
Jason Blakely
Professor de Ciência Política, Pepperdine University
Pe. Greg Boyle, SJ
Fundador da Homeboy Industries
Anthea Butler
Professora de Estudos Religiosos e Estudos Africanos, Universidade da Pensilvânia
William Cavanaugh
Diretor do Center for World Catholicism and Intercultural Theology e professor da DePaul University
Douglas E. Christie
Professor de Estudos Teológicos, Loyola Marymount University
M. Shawn Copeland
Professora emérita do Boston College
George Demacopoulos
Professor da Cátedra Pe. John Meyendorff & Patterson Family de Estudos Cristãos Ortodoxos, Fordham University
Gary Dorrien
Professor da Cátedra Reinhold Niebuhr de Ética Social, Union Theological Seminary e professor de Religião, Columbia University
Orlando Espin
Professor de Teologia e Estudos Religiosos, Universidade de San Diego
Massimo Faggioli
Professor de Teologia Histórica, Villanova University
Eddie S. Glaude Jr.
Professor da Cátedra James S. McDonnell de Estudos Afro-Americanos, Universidade de Princeton
Cecilia González-Andrieu
Professora de Teologia e Estética Teológica, Loyola Marymount University
Brad S. Gregory
Professor da Cátedra Dorothy G. Griffin de História, Universidade de Notre Dame
Paul J. Griffiths
David Gushee
Professor de Ética Cristã e diretor do Center for Theology and Public Life, Mercer University
David Bentley Hart
Stanley Hauerwas
Duke Divinity School
Paul Lakeland
Professor da Cátedra Aloysius P. Kelley SJ de Estudos Católicos, Fairfield University
Pe. Mark Massa, SJ
Diretor do Boisi Center for Religion and American Public Life e professor de Teologia, Boston College
Pe. Bryan Massingale
Professor da Cátedra Buckman de Ética Cristã Aplicada, Fordham University
Brian McLaren
Autor, palestrante e ativista
Francesca Aran Murphy
Professora de Teologia Sistemática, Universidade de Notre Dame
Aristotle Papanikolaou
Professor de Teologia e Professor da Cátedra Arcebispo Demetrios de Teologia e Cultura Ortodoxas, Fordham University
Frank A. Thomas
Professor da Cátedra Nettie Sweeney e Hugh Th. Miller de Homilética, Christian Theological Seminary
Miroslav Volf
Professor da Cátedra Henry B. Wright de Teologia, Yale Divinity School
Cornel R. West
Professor da Prática de Filosofia Pública, Harvard Divinity School
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Carta aberta: ''Contra o novo nacionalismo. Um apelo aos nossos irmãos cristãos'' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU