23 Mai 2020
“Estamos em um colapso eclesial internacional que não pode ser resolvido por documentos. As coisas não voltarão a ser o que eram, simplesmente não voltarão. Declarações – palavras – não são o ministério. O ministério está enraizado na Palavra.”
A opinião é da teóloga estadunidense Phyllis Zagano, pesquisadora da Hofstra University, em Nova York, e membro da primeira comissão vaticana sobre o diaconato feminino instituída pelo Papa Francisco. Em português, é autora de “Mulheres diáconos: passado – presente – futuro” (Paulinas, 2019).
O artigo foi publicado em National Catholic Reporter, 22-05-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Quase todo mundo parece ter ideias para reiniciar a Igreja, ou pelo menos sobre a oferta dos sacramentos.
O Thomistic Institute começou com conselhos sobre a confissão, passou para a Eucaristia e a unção, e agora está olhando para o batismo. A Associação Médica Católica dos EUA publicou o seu artigo sobre a pandemia, e a Federação das Comissões Litúrgicas Diocesanas dos EUA publicou suas próprias diretrizes.
O que um bispo deve fazer? Podemos imaginá-lo jogando suas mãos para cima durante a sua 19ª reunião da semana via Zoom e dizendo, ou gritando: “Palavras, palavras, palavras! Estou cansado de palavras!”. [...]
Ele pode estar pensando na pastoral, mas está no meio da nova Guerra da Comunhão.
Algumas ideias são patentemente ridículas. O Thomistic Institute, baseado na Casa de Estudos Dominicanos em Washington, e liderado por um padre-advogado formado em Yale, disse que a Comunhão na língua era aceitável, mas não as máscaras. Só não se esqueça do álcool em gel. Seu grupo de trabalho de 14 pessoas (uma única mulher...) contribuiu com as diretrizes disponíveis para download.
Enquanto isso, a Associação Médica Católica dos EUA diz diretamente: a Comunhão deve ser recebida na mão, e o padre e o comungante devem estar usando máscaras.
A Federação das Comissões Litúrgicas Diocesanas dos EUA publicou decisões diocesanas concorrentes: os bispos de Burlington, Crookston, Gaylord, Honolulu, Lansing e Washington permitem a Comunhão na língua, enquanto os de Cincinnati, El Paso, Jackson, Milwaukee, Orlando, Springfield, Massachusetts, Toledo e Wheeling-Charleston desencorajam-na ou proíbem-na.
As fronteiras diocesanas criam circunstâncias interessantes, em que bispos vizinhos discordam sobre o que deve acontecer logo do outro lado do rio ou da rodovia. A confusão pode substituir o senso comum, mas até mesmo o bispo de Tyler, Texas, que, junto com o arcebispo Carlo Maria Viganò, pediu a renúncia do Papa Francisco no ano passado, sugere que os comungantes “considerem” a opção de receber na mão. Isso apesar de o cardeal curial Robert Sarah chamar a Comunhão na mão de um ataque satânico contra a Eucaristia.
Os argumentos sobre os procedimentos obscurecem a pergunta simples: o que é a Igreja? Não podemos ter nenhuma expectativa de ter missas pré-pandêmicas comuns em breve, mas a provocação das diretrizes e das declarações suscita uma falsa esperança.
Enquanto isso, o povo de Deus está faminto de ministério. Muitos estão simplesmente morrendo de fome.
A contribuição mínima das mulheres aos planos de reabertura pós-coronavírus é óbvia. Qualquer mulher que cuidou de uma criança ou pai doente sabe sobre as multidões, os bons cuidados domésticos e a higiene pessoal. “Tire a mão da boca!” é um mantra das pracinhas. A maioria das pessoas sabe que é algo inteligente manter as mãos das outras pessoas afastadas das suas bocas também.
Os homens no comando darão ouvidos às mulheres? Olharão para o outro lado das suas mesas para ver quem alimenta os famintos, dá de beber aos sedentos, veste os nus, abriga os sem-teto, visita os doentes e os presos, até mesmo enterra e chora pelos mortos?
Embora muitas entidades paroquiais e diocesanas forneçam comida, muitas vezes falta o ministério. Os sacramentos são cruciais, mas o ministério pessoa a pessoa desaparece por trás de abordagens mecanizadas. O Thomistic Institute sugere convidar os paroquianos para a missa de forma rotativa, talvez usando sistemas de tiquetagem online, como o Eventbrite.
Isso desvia da questão central. As pessoas estão famintas de Eucaristia, mas as regras não criam comunidade, e o álcool em gel não provê a graça. O povo de Deus precisa daquilo que Peter Maurin e Dorothy Day chamavam de personalismo. Eles precisam ser amados.
Estamos em um colapso eclesial internacional que não pode ser resolvido por documentos. As coisas não voltarão a ser o que eram, simplesmente não voltarão. Declarações – palavras – não são o ministério. O ministério está enraizado na Palavra.
E a Igreja supostamente deveria ter a ver com a Palavra. Supostamente deveria ter a ver com o Evangelho. Somente isso permite os sacramentos.
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Enquanto se discutem as regras de reabertura, o povo de Deus passa fome. Artigo de Phyllis Zagano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU