10 Mai 2020
Se atribuímos ao Estado a tarefa de proteger a vida e de promover o bem-estar dos cidadãos, então decorre disso que o governo deve ser capaz de predispor e de fazer com que as medidas necessárias às tarefas primárias sejam observadas.
A opinião é de Gianfranco Pasquino, cientista político e professor da Universidade de Bolonha e do Bologna Center da Johns Hopkins University, em artigo publicado por Il Fatto Quotidiano, 08-05-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A pandemia, com a necessidade de pôr limites às liberdades pessoais, obriga a todos, começando pelos políticos – que terão que decidir o que, como, quanto –, aos juristas, aos filósofos, aos cientistas políticos a repensar o significado da liberdade e a realidade da/s liberdade/s no mundo contemporâneo.
Não podemos nos contentar com a distinção pura e fecunda, mas também controversa, feita por Isaiah Belin entre liberdade “para” e liberdade “de”. Certamente, é importante ser livres de impedimentos e de interferências que venham do Estado, dos detentores do poder político, de qualquer pessoa que tenha recursos que possam nos influenciar de maneira notável e desagradável.
Precisamente se e quando conseguirmos escapar das influências externas, somos livres para agir e para fazer. Então, estaremos em condições de buscar os fins que desejamos, de satisfazer as nossas preferências. Essas liberdades individuais são essenciais.
No entanto, aprendemos com Thomas Hobbes que, quando todos tentam obter aquilo que desejam sem observar nenhuma regra, acabam inexoravelmente se chocando, produzindo a grave situação do bellum omnium contra omnes.
A ordem, preâmbulo de resultados autoritários, deverá ser e será imposta de cima, a menos que se chegue a um compartilhamento de regras aceitas por todos ou quase todos. A ordem política, premissa da democracia e sua consequência positiva, implica que todos respeitem as liberdades alheias e que ninguém exerça a sua liberdade em detrimento da dos outros. Talvez o pensamento político não tenha sido exercido o suficiente sobre os limites recíprocos da liberdade.
A reflexão que desenvolvi, até agora muito carente na Itália, é indispensável para passar para os casos práticos, começando pela liberdade de circulação que, reconhecida no artigo 16 da Constituição italiana, foi fortemente circunscrita pelos decretos do primeiro-ministro.
O artigo afirma que a circulação é livre “exceto pelas limitações que a lei estabelece geralmente por motivos de saúde ou de segurança”. Portanto, as intervenções limitadas podem (devem?) ser remediadas por uma lei posterior.
Mais concretamente, em seu apoio e justificativa, o governo deve argumentar que a liberdade dos cidadãos de circular no território nacional, de sair dele e entrar novamente nele, encontra um limite objetivo no direito à saúde, sempre que exista uma razoável preocupação de que os cidadãos circulantes sejam portadores de doenças.
Da mesma forma e por razões semelhantes, podem ser suspensos o direito de reunião (art. 17) e o direito de exercer “o culto em público” (art. 19). Todos esses são direitos que eu definiria como sociais. Eles encontram presença, proteção e promoção no âmbito da sociedade, na socialidade.
Se, como parece oportuno e adquirido, atribuímos ao Estado a tarefa de proteger a vida e de promover o bem-estar dos cidadãos, então decorre disso que o governo deve ser capaz de predispor e de fazer com que as medidas necessárias às tarefas primárias sejam observadas.
Podemos discutir com razão o conteúdo e os detalhes dessas medidas (por exemplo, a definição dos parentes e o número máximo de participantes nos funerais), pedindo que o governo ofereça motivações específicas e precisas.
Entre essas medidas, não pode deixar de ser colocado o recurso ao contact tracing (rastreabilidade dos movimentos e dos encontros) que requer um tratamento específico, mas cujos critérios irrenunciáveis são voluntariedade, provisoriedade, temporariedade (isto é, a certeza de que os dados coletados serão rapidamente destruídos após o uso ao qual estavam destinados).
Primum vivere deinde philosophari, mas filosofar sobre as liberdades no mundo interdependente significa ir repetidamente, obstinadamente, em busca dos mais aceitáveis pontos de equilíbrio entre as liberdades dos cidadãos. Nada menos, nada mais, nada diferente disso.
O diabo pode até morar nos detalhes, mas, talvez, devamos temer mais os diabos que fazem um uso inescrupuloso dos detalhes com a intenção de obscurecer “the big picture”, o quadro geral: uma pandemia que afeta a todos, e a todos coloca e mantém em perigo.
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Chegou a hora de repensar o que é a liberdade. Artigo de Gianfranco Pasquino - Instituto Humanitas Unisinos - IHU