08 Mai 2020
"Percebemos na fala do Papa Francisco, contundentes denúncias ao atual sistema que exclui aqueles que não podem pagar pelos benefícios da globalização e como tal entram em uma nova categoria social, os sobrantes. Infelizmente o número destes homens e mulheres só tem aumentado com o passar do tempo, o que evidencia uma total desproporcionalidade entre o desenvolvimento econômico/tecnológico e o desenvolvimento social/humano", escreve Fábio Pereira Feitosa, historiador especialista em Comunicação.
Vivemos em uma época marcada pela pressa, pela agitação e pelo imediatismo. Tais características são típicas de uma sociedade na qual a Globalização da Indiferença está enraizada e como tal produz efeitos nefastos, tais como, não enxergar no outro o meu semelhante, o meu irmão, um prolongamento de mim mesmo. Desta forma este funesto fenômeno tão presente em nossa época, tende a nos aprisionar em uma redoma de egoísmo e de individualismo, assim, é preciso estar atento e combater a proliferação deste vírus que se manifesta nas mais diferentes formas e níveis.
A Globalização da Indiferença pode ser percebida das mais diferentes formas, como por exemplo, na substituição, reformulação e até mesmo no desuso de costumes vivenciados outrora. Este processo acaba sendo o resultado direto da imersão da nossa sociedade em uma cultura imediatista, na qual não temos mais “tempo a perder”, cada segundo vale uma cifra, que nem sempre conseguimos utiliza-la de maneira que justifique todo o esforço empreendido para a sua obtenção.
Constantemente somos bombardeados pelas mais diferentes e criativas estratégias de marketing que visam alimentar e incentivar uma sociedade de consumo, na qual o imediatismo e a obsolescência programada se tornaram realidade cada vez mais presentes em nosso dia-a-dia. Tais fenômenos prejudicam profundamente as relações humanas, considerando que a Globalização da Indiferença acaba por transpor tais conceitos para as nossas relações afetivas.
Desde o início de seu pontificado, o Papa Francisco, revelou-se um ardente combatente deste nefasto fenômeno que rouba a humanidade, o rosto e o nome de muitos filhos de Deus e os transformam em números estatísticos.
Atento aos clamores do tempo e aberto à inspiração do Espírito, o Papa Francisco, constantemente denuncia à Globalização da Indiferença, como fez em Lampedusa, palco de uma tragédia na qual mais de 130 imigrantes ilegais morreram e um significativo número foi dado como desaparecido. Logo após o naufrágio, o Papa Francisco foi para Lampedusa e em sua homília, ele fez uma contundente critica a este fenômeno:
Neste mundo da globalização, caímos na globalização da indiferença. Habituamo-nos ao sofrimento do outro, não nos diz respeito, não nos interessa, não é responsabilidade nossa (...) Somos uma sociedade que esqueceu a experiência de chorar, de "padecer com": a globalização da indiferença tirou-nos a capacidade de chorar!
Por meio desta fala percebemos claramente o empenho do Papa Francisco em denunciar a globalização da indiferença, tão presente em nossos dias. Tal combate é travado por Francisco, desde os primeiros dias de seu pontificado, dando assim continuidade ao seu apostolado exercido nas periferias de Buenos Aires, onde desempenhou um importante papel juntos aos mais pobres daquele capital.
O Papa Francisco assumiu o pastoreio da Igreja Católica no ano de 2013, após a renúncia de Bento XVI. Desde os primeiros momentos de seu pontificado, Francisco dava sinais de que a Igreja estava entrando em uma nova fase, sendo ela caracterizada por um retorno às suas origens evangélicas, bem como pela retomada das diretrizes do Concílio Ecumênico Vaticano II (1963-1965), convocado por João XXII e continuado por Paulo VI.
Vemos em Francisco um homem de diálogo, cuja simplicidade impressiona e cativa. O Papa Francisco, constantemente nos alerta sobre os cuidados com os mais pobres e vulneráveis de nossa sociedade, tais exortações não são feitas apenas por meio de textos ou pronunciamentos, elas partem também de gestos concretos do Bispo de Roma, que por meio de seu exemplo nos adverte sobre os perigos e as consequências nefastas da Globalização da Indiferença que não nos faz enxergar os nosso irmãos que estão abandonados, deixados às margens, tendo assim a sua primazia de filhos de Deus negada, roubada! O Papa Francisco, assim como o bom samaritano “viu, sentiu compaixão” (cf. Lucas 10, 33) e como tal humaniza homens e mulheres invibilizados por um sistema gerador de fome e de morte.
Como dito anteriormente, a preocupação do Papa com os mais pobres está presente desde os primeiros momentos de seu pontificado, inclusive em sua primeira Exortação Apostólica, a Evangelii Gaudium, nela ao analisar o cenário mundial, Francisco percebe uma relação desproporcional entre o nível de desenvolvimento tecnológico, as novas formas de poder e o desenvolvimento humano, assim ele afirma:
Hoje devemos dizer “não a uma economia da exclusão e da desigualdade social”. Essa economia mata. Não é possível que a morte por enregelamento de um idoso sem abrigo não seja notícia, enquanto o é de dois pontos na Bolsa. Isto é exclusão. Não se pode tolerar mais o fato de se lançar comida no lixo, quando há pessoas que passam fome. Isto é desigualdade social. Hoje, tudo entra no jogo da competitividade e da lei do mais forte, em que o poderoso engole o mais fraco. Em consequência dessa situação, grandes massas da população veem-se excluídas e marginalizadas: sem trabalho, sem perspectivas, num beco sem saída. O ser humano é considerado, em si mesmo, como um bem de consumo que se pode usar e depois lançar fora. Assim teve início a cultura do “descartável’, que aliás, chega a ser promovida. Já não se trata simplesmente do fenômeno de exploração e opressão, mas de uma realidade nova: com a exclusão, fere-se, na própria raiz, a pertença à sociedade onde se vive, pois quem vive nas favelas, na periferia ou sem poder já não está nela, mas fora. Os excluídos não são “explorados”, mas resíduos, “sobras”.
Percebemos na fala do Papa Francisco, contundentes denúncias ao atual sistema que exclui aqueles que não podem pagar pelos benefícios da globalização e como tal entram em uma nova categoria social, os sobrantes. Infelizmente o número destes homens e mulheres só tem aumentado com o passar o do tempo, o que evidencia uma total desproporcionalidade entre o desenvolvimento econômico/tecnológico e o desenvolvimento social/humano. Diante desta vergonhosa desproporcionalidade, o Papa Francisco, constantemente nos convida a sermos uma Igreja em saída e como tal assumirmos o combate a Globalização da Indiferença.
Devemos assim, assumir a nossa missão de construtores e anunciadores do Reino e da Boa Nova, desta forma é preciso imitarmos o exemplo de Cristo, que por meio do Mistério da Encarnação se fez homem e habitou entre nós, vivendo em uma realidade concreta, com todos os seus desafios, dissabores e alegrias. Assim como Cristo, devemos nos comprometer com os mais frágeis de nossa sociedade, com homens e mulheres que não são notícias, que não são vistos e nem lembrados.
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O Papa Francisco e o combate à globalização da indiferença - Instituto Humanitas Unisinos - IHU