10 Março 2020
Dois terços dos países do mundo possuem leis punitivas, segundo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime.
A reportagem é de Aline Moura, publicada por Ecodebate, 09-03-2020.
Numa comparação internacional, o Brasil está no hall dos 140 países que possuem leis que punem, de alguma maneira, a violência contra a mulher. Isso representa dois terços das nações. Ainda restam 40 que simplesmente não possuem legislação específica.
Levantamento divulgado essa semana pelo Núcleo de Estudos da Violência da USP e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública revelou que, embora o número de homicídios dolosos de mulheres tenha diminuído no ano passado no país (queda de 14,1%, 3.739 casos), o de feminicídios aumentou 7,3% (1.314 mulheres casos, uma mulher a cada sete horas).
Desde 2015, a legislação mudou no Brasil e passou a prever penas mais graves para aqueles homicídios que estejam ligados à discriminação da mulher. “Geralmente, o feminicídio envolve violência doméstica e familiar ou clara discriminação à condição de mulher. São crimes de ódio motivados pela condição de gênero, geralmente impulsionados pelo ciúme, pelo motivo passional. A pena varia de 12 a 30 anos de prisão”, explica o criminalista Leonardo Pantaleão.
Alguns especialistas apontam que o crescimento no número de feminicídios, desde quando ele foi incluído na lei penal, não significa necessariamente o aumento da violência contra a mulher, mas sim um enquadramento mais correto do tipo de crime.
“Pode ser que estejamos melhorando nossa estrutura de atendimento, mas a violência contra a mulher ainda é uma questão que envolve, historicamente, uma cultura de diminuição da mulher, de sua condição e seus direitos. Os avanços vieram amparados na lei, mas não significa que já conseguiram mudar a cultura. Esse é um processo lento, gradual. Sem contar que ainda temos que romper a barreira do silêncio, já que muitas mulheres, vítimas de violência, não denunciam”, analisa.
Segundo dados da ONU Mulheres, os países que mais denunciam os crimes de violência contra a mulher são os Estados Unidos e os da Europa Ocidental, justamente aqueles que possuem leis mais protetivas.
Embora os números ainda sejam alarmantes no Brasil, temos tido alguns avanços no que diz respeito à conscientização da sociedade. É o que acredita Acácio Miranda, professor e mestre em Direito Penal Internacional pela Universidade de Granada (Espanha). “Todos os regramentos existentes no Brasil foram tipificados em virtude de tratados e convenções internacionais dos quais somos signatários. E os instrumentos jurídicos foram importantes para conscientizar a população acerca da igualdade entre homens e mulheres. Em outros países, onde essa equiparação não é tão difundida, os índices são mais alarmantes, como o caso da Rússia e o de alguns países africanos”, reflete.
Agressões contra a mulher pelo mundo
Segundo o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), a estimativa é que metade das mulheres assassinadas no mundo são vítimas dos próprios cônjuges ou de homens da família.
O casamento antes dos 18 anos é uma prática que costuma levar a histórias de violência, além de interromper estudos e planos de vida para 750 milhões de meninas, segundo a ONU Mulheres. Bangladesh e Índia são os países que lideram o ranking de casamentos infantis, indo contra as próprias leis.
África Subsaariana, Ásia Meridional e Oriente Médio são as regiões do mundo em que as mulheres são mais desprotegidas em termos de lei. A Rússia, onde uma mulher é assassinada a cada 40 minutos, descriminalizou a violência de gênero em 2017, reduzindo a pena ao pagamento de uma multa. Na União Europeia (UE), a Bulgária se destaca por não ter leis que criminalizem o estupro dentro do casamento e a Hungria, por não punir o assédio sexual.
Leia mais
- Gênero e violência - Um debate sobre a vulnerabilidade de mulheres e LGBTs. Revista IHU On-Line, Nº. 518
- Todas as possibilidades de gênero. Novas identidades, contradições e desafios. Revista IHU On-Line, Nº. 463
- América Latina. Mulheres contra o machismo
- Por um feminismo sem fronteiras
- Brasil tem dois mil órfãos do feminicídio por ano
- São Paulo leva milhares às ruas sob chuva, mas em número aquém ao do ano passado
- Por um feminismo de baderna, ira e alarde
- 8 de março, data para lembrar que sem as mulheres não somos nada
- O lugar mais perigoso do mundo para uma mulher: dentro da sua própria casa
- Violência de gênero é obstáculo para garantia de direitos sexuais e reprodutivos de mulheres e jovens
- Casa. O lugar mais inseguro para as mulheres
- Sinais do aumento de feminicídios. Por que elas são mortas?
- “Uma falha do pensamento feminista é acreditar que a violência de gênero é um problema de homens e mulheres”, aponta Rita Segato
- Registro recorde de feminicídios no Estado de São Paulo no Brasil, informa jornal do Vaticano
- Atlas dos feminicídios no RS: pesquisa aponta mais tentativas consumadas no interior
- Três mulheres sofrem violência a cada hora na Região Metropolitana de Porto Alegre
- Violência contra mulheres aumenta no Brasil
- Elas, as apagadas da história
- “O problema da violência sexual é político, não moral”. Entrevista com Rita Segato
- A base política das relações de violência de gênero. Entrevista com a antropóloga Rita Segato
- Por que homens matam mulheres?
- “O novo feminismo, o mais jovem, em especial na América Latina, aceita e busca o diálogo com os homens”. Entrevista com Lydia Cacho
- “A América Latina feminista que queremos não será possível sem as mulheres pobres, que hoje encontram refúgio na religião”, avalia a teóloga Nancy Cardoso
- Feminismo: "Estes últimos dez anos viram o triunfo da masculinidade". Entrevista com Anne Soupa
- Feminismo é necessário e urgente. Entrevista especial com Lola Aronovich
- Cultura do patriarcado e desigualdades históricas entre os sexos são vetores de uma epidemia de violência contra a mulher. Entrevista especial com Nadine Anflor
- Feminicídio não é crime passional. É crime de ódio
- Mulheres, a primeira vítima do capitalismo
- Combate ao feminicídio não pode ser reduzido ao Direito Penal. Entrevista especial com Luanna Tomaz
- Feminicídio. Uma nova conquista de direitos da mulher
- Maria da Penha espera que governo saia da 'escuridão'
- Agressão contra a mulher é uma violência de repetição, diz socióloga
- Sem debate franco sobre gênero, mulheres estão fadadas à violência doméstica. Entrevista especial com Fernanda de Vasconcellos
- Direitos sexuais e reprodutivos da mulher. Entrevista especial com Telia Negrão
- A necessidade dos vínculos para cessar a reprodução da violência
- Dia Internacional da Mulher: a origem operária do 08 de Março
FECHAR
Comunicar erro.
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Violência contra a mulher: Brasil tem leis progressistas, mas ainda enfrenta barreiras culturais - Instituto Humanitas Unisinos - IHU