28 Fevereiro 2020
Em junho de 2019, tornou-se um símbolo mundial. Após resgatar meia centena de migrantes na costa da Líbia, a capitã alemã Carola Rackete (Preetz, 1988), a bordo do Sea Watch 3, desobedeceu à proibição de Matteo Salvini, então ministro do Interior italiano, e levou as 40 pessoas resgatadas para um porto seguro, em Lampedusa. Seu desafio rendeu-lhe a detenção - que durou três dias - e os insultos da direita, mas também o reconhecimento com a medalha de honra concedida pelo Parlamento da Catalunha.
A engenheira náutica e especialista em conservação, Carola Rackete, que fala cinco idiomas, continua com seu ativismo: atende ao jornal La Vanguardia estando em Terra do Fogo, a bordo de um navio do Greenpeace deslocado para defesa de ecossistemas no ultramar. Em sua conta no Twitter, aberta há meio ano, se define como ambientalista, ativista de resgate no mar e europeia. Nessa ordem.
A entrevista é de Xavier Aldekoa, publicada por La Vanguardia, 27-02-2020. A tradução é do Cepat.
Na semana passada, o Tribunal Supremo da Itália lhe deu a razão: de acordo com a lei marítima internacional, você tinha a obrigação de levar os migrantes resgatados para um porto seguro.
Sim, a lei marítima é muito clara: um navio não é um lugar seguro. Agora temos uma confirmação e recebe o status de lei nacional italiana. É uma referência para todos os casos no futuro e é algo muito bom. A sentença diz que um navio não é um local seguro, onde uma pessoa pode pedir asilo e iniciar os procedimentos necessários para estar em terra.
Não veremos mais capitães presos por desembarcar migrantes na Europa?
É um veredicto importante para as organizações de resgate. Se isso acontecer novamente, haverá uma referência. Não é provável que prendam um capitão por um caso semelhante no futuro, por isso é uma boa decisão. Mas ainda é cedo. A decisão do tribunal é sobre minha prisão, mas a investigação policial italiana ainda está em andamento.
Que reflexão isso suscita agora?
Estou ciente da minha sorte porque recebi muita atenção dos meios de comunicação, o apoio de uma associação mais ou menos grande e dinheiro para pagar por minha defesa. Um garoto da Síria, um estudante que passava com vários sírios em um barco para a Grécia, foi condenado a mais de 300 anos porque foi ele quem chamou a guarda costeira para avisar que estavam afundando. Fez isso porque era o único que sabia inglês e foi acusado de ser o traficante. São escândalos grandes. Quando ouço essas histórias, penso que para mim a situação foi desconfortável, mas tive sorte.
Acaba de publicar o livro ‘És hora d'actuar’ (Ara Llibres), onde denuncia o perigo da mudança climática e da desigualdade.
Nunca tive o objetivo de me tornar uma pessoa pública. Foi um acidente midiático. Pensei que era importante utilizar a exposição midiática para outras coisas. Vou doar todo o dinheiro do livro para a Borderline Europe, uma organização que trabalha com migrantes, mas a crise climática e a migração estão muito conectadas. É importante, especialmente na Europa, percebermos que os direitos humanos devem ser protegidos. Se vamos pedir novas leis ambientais, devemos ser conscientes do avanço da direita e do fascismo.
O que quer dizer?
Os nazistas já fizeram políticas para proteger sua terra e seu povo. É o mesmo que agora dizem os partidos de ultradireita na França, Áustria e Hungria: relacionam a proteção da fronteira e do meio ambiente nacional como uma forma para que não cheguem mais imigrantes... Pela primeira vez, os conservadores na Áustria se aproximaram dos verdes. É ecofascismo. Caminhamos para uma Europa cercada por fortalezas verdes.
Sua mensagem ecologista não é otimista.
A situação é urgente. A mudança climática está acontecendo rapidamente e o impacto sobre os direitos humanos será muito grave. É preciso pensar mais sobre o futuro e quais são as coisas importantes na vida. Há pessoas que se perguntam como posso ser ativista e de onde tiro o dinheiro. E é uma decisão pessoal: se utilizo dinheiro para comprar um bom carro ou se decido que vou ganhar menos, mas vou dedicar meu tempo para ajudar em coisas que para mim são importantes. A mudança climática é uma catástrofe e um problema com o qual teremos que lutar pelo resto de nossas vidas.
Daqui a um mês, embarca em uma expedição para a proteção de baleias.
Embora não saibamos se teremos sucesso, é muito importante continuar tentando, porque o certo é que, se não fizermos nada, tudo será pior. É importante proteger a biodiversidade em áreas de ultramar. Globalmente, não há proteção internacional do mar. Todos o exploram com a pesca e a mineração, mas ninguém controla nada. Na Antártica, onde trabalho há oito ou nove anos, não há população local e ninguém para protegê-la.
Voltará a realizar resgates no mar?
Ainda estou na lista de emergência da [ONG alemã] Sea Watch e, obviamente, quando necessário, voltarei. Penso também em como ajudar as pessoas no Saara, mas é difícil porque no Mediterrâneo, pelo menos de um lado, estão os estados europeus, que de alguma maneira são responsáveis. O mesmo ocorre no Golfo de Áden. Se resgatarmos pessoas lá, a que ponto seguro as levaremos? Para a Somália? Arábia Saudita?
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“Caminhamos para uma Europa cercada por fortalezas”. Entrevista com Carola Rackete - Instituto Humanitas Unisinos - IHU