Como as universidades católicas podem acolher pessoas LGBTs? Artigo de James Martin, jesuíta

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11 Fevereiro 2020

"A questão primária para a educação superior católica, portanto, não é primeiramente uma questão jurídica, eclesiástica, financeira ou mesmo acadêmica. É uma questão espiritual: Qual a melhor forma de cuidar das pessoas que provavelmente duvidam que sejam amadas por Deus, tementes que serão rejeitadas pelos pais, com dúvidas sobre se encontrarão um lugar no mundo e, se forem católicas, pessoas que certamente se desesperam quanto ao lugar que ocupam na Igreja e que, em decorrência disso tudo, podem considerar o suicídio?". 

A pergunta é de James Martin, padre jesuíta, em artigo publicado por America, 03-02-2020. A tradução é de Isaque Gomes Correa.

Padre Martin também convida os leitores "a ver as pessoas LGBTs como pessoas talentosas e agraciadas que também necessitam dos nossos cuidados, apoio e defesa. Mas como cuidar, apoiar, defendê-las? Para isso, e com base nas ideias de lideranças que atuam na educação superior, permitam-me compartilhar algumas das melhores práticas em se tratando de pessoas LGBTs nos campi católicos."

James Martin, S.J., em ensaio publicado por America, 03-02-2020. A tradução é de Isaque Gomes Correa.

 

Eis o texto. 

Khadija (nome fictício) é como se chama uma estudante africana que frequenta uma universidade católica nos Estados Unidos. Mesmo sendo muçulmana, Khadija participava da pastoral universitária e ficou bastante animada com o seu primeiro retiro Kairos no último ano de estudos. Durante o retiro, Khadija se assumiu lésbica pela primeira vez e compartilhou o seu medo de que, como consequência, a sua família venha a rejeitá-la.

Poucas semanas depois, antes das provas finais, Khadija considerou suicidar-se. Felizmente, sentiu-se suficientemente apoiada durante o retiro a ponto de procurar ajuda no setor de pastoral e ir conversar com o reitor e com um professor de teologia. Os ministros do campus a acompanharam ao setor de emergência; a professora a ajudou a navegar pelos trabalhos acadêmicos, aqueles que ela não conseguiria realizar durante a hospitalização; e um centro de aconselhamento da faculdade coordenou o tratamento junto ao hospital. Ao fim, até onde foi possível, a pastoral universitária continuou sendo a família de Khadija, já que ela não tinha nenhum parente no país e todos trabalhavam para garantir que ela não ficasse sozinha nas festas de fim de ano. Eis um exemplo de como uma instituição de ensino católica pode cuidar de uma pessoa LGBT, caso que pode servir de parábola.

As parábolas sempre levantam dúvidas, portanto aqui vão algumas: Será que todas as universidades católicas teriam feito o mesmo? Todas as equipes pastorais universitárias estão sendo acolhedoras com quem assume a homossexualidade? Será que todos os professores saberiam como agir? Será que todos os funcionários entenderiam a situação de Khadija? Vamos mais adiante: Será que todas as universidades católicas prestariam uma assistência como essa, mesmo não havendo a possibilidade de suicídio? Será que todas seguiriam o Catecismo da Igreja Católica, tratando-a com “respeito, compaixão e sensibilidade” (n. 2358)? Será que todas elas estenderiam a mão a Khadija como Jesus nos pede que façamos, com amor, misericórdia e compaixão? Em resumo, será que todas as instituições de ensino a teriam amado como uma pessoa LGBT?

E aqui enuncio o nosso tema: Como as faculdades católicas podem responder a situações envolvendo pessoas LGBTs nos campi.

Dada a importância deste tópico, além de contar com a minha experiência para a presente palestra, contatei reitores de faculdades e universidades católicas, gerentes, membros do corpo docente, funcionários, alunos e financiadores/doadores (“trustees”) para perguntar o que pensavam sobre o tema. Assim, o que apresento a seguir não são simplesmente reflexões com base no meu ministério junto à comunidade LGBT, mas uma sabedoria compartilhada de dezenas de pessoas afetadas por esta questão, que trabalham tanto nos bosques de academias quanto nas vinhas do Senhor.

Como as universidades católicas podem responder às necessidades das pessoas LGBTs? Muitas vezes esse tema é contencioso. Mas não precisa sê-lo. Isso porque, no fundo, ele tem a ver com algo que os jesuítas chamam de cura personalis: cuidar a pessoa como um todo, cuidar da pessoa LGBT, cuidar das pessoas como Khadija.

A questão primária para a educação superior católica, portanto, não é primeiramente uma questão jurídica, eclesiástica, financeira ou mesmo acadêmica. É uma questão espiritual: Qual a melhor forma de cuidar das pessoas que provavelmente duvidam que sejam amadas por Deus, tementes que serão rejeitadas pelos pais, com dúvidas sobre se encontrarão um lugar no mundo e, se forem católicas, pessoas que certamente se desesperam quanto ao lugar que ocupam na Igreja e que, em decorrência disso tudo, podem considerar o suicídio?

As pessoas LGBTs não deveriam ser vistas apenas como vítimas – elas trazem alegria, energia e vida ao nosso mundo e aos nossos campi. São filhas e filhos amados de Deus, criados à sua imagem e semelhança. Dessa forma, trazem bênçãos singulares, talentos, graças às nossas comunidades, precisamente na qualidade de LGBTs. Mesmo assim, quando nos encontramos com uma pessoa LGBT, o nosso ponto de partida deve ser aquele em que estamos nos encontrando com alguém que sofreu e que pode ainda estar sofrendo.

Imaginemos um grupo de refugiados a se matricular de repente em nossa instituição. Não os trataríamos do mesmo modo como os demais alunos. Naturalmente, veríamos eles como pessoas que passaram por uma provação e lhes ajustaríamos a nossa abordagem. Na verdade – e falando como alguém que já trabalhou com refugiados –, temos aqui uma boa analogia. Pessoas LGBTs muitas vezes se sentem como os refugiados da sociedade e quase sempre refugiados da Igreja, e isso inclui muitos não católicos: excluídos, descartados, maltratados, marginalizados e perseguidos. Ao mesmo tempo, como refugiados, estas pessoas trazem uma riqueza de conhecimento, perspectivas e experiências que podem enriquecer a experiência acadêmica e tornar a experiência que cada um tem da educação superior verdadeiramente “católica” em uma experiência mais forte.

É desse jeito que convido os leitores a ver as pessoas LGBTs: como pessoas talentosas e agraciadas que também necessitam dos nossos cuidados, apoio e defesa. Mas como cuidar, apoiar, defendê-las? Para isso, e com base nas ideias de lideranças que atuam na educação superior, permitam-me compartilhar algumas das melhores práticas em se tratando de pessoas LGBTs nos campi católicos.


1 - Começar com a dignidade da pessoa humana dada por Deus

Isto é fundamental. Um decano de uma universidade da região leste dos EUA diz: “As faculdades e universidades católicas devem estar na vanguarda quando se trata de reafirmar a humanidade e a dignidade de seus membros LGBTs (incluindo alunos, professores, ex-alunos e demais colaboradores da instituição). Todo o restante flui a partir disto: a reflexão teológica, o juízo moral, o discernimento de como responder às necessidades dessas pessoas. Medidas concretas fluem disso também”.

As medidas sugeridas por ele se encaixam no convite feito pelo Catecismo da Igreja Católica por “respeito, compaixão e sensibilidade”. Chamar as pessoas pelo nome e pronome que elas escolhem faz parte do respeito; garantir benefícios inclusivos LGBTs reflete a compaixão; e incluir a orientação sexual e identidade de gênero em políticas de não discriminação mostra uma sensibilidade. Uma docente de outra faculdade do país diz que o simples reconhecimento é importante. “É” – disse ela – “notadamente raro entre aqueles em cargos de liderança dentro das instituições católicas reconhecerem positivamente as pessoas LGBTQs dentro de suas comunidades”. Na verdade, em ambientes católicos, as pessoas LGBTs podem nunca ter ouvido algo além de coisas negativas a seu respeito. Portanto, comecemos pela dignidade destas pessoas. Elas deveriam ser cuidadas, acompanhadas não porque são católicas ou não católicas, mas porque nós somos católicos.

Mesmo diante da oposição (de campanhas on-line, mas também em alguns casos de financiadores/doadores), as instituições de ensino católicas deveriam ser conhecidas por uma aceitação das pessoas LGBTs como um sinal visível de como nós valorizamos a dignidade delas dada por Deus.

2 - Nunca esquecer o quanto as pessoas LGBTs sofrem

Alguns fatos nos darão o contexto geral. Segundo o Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos EUA, jovens lésbicas, gays e bissexuais consideram o suicídio em quantidade quase três vezes maior do que os jovens héteros; eles têm uma probabilidade quase cinco vezes maior de tentar cometer suicídio. 40% dos adultos transgêneros já consideraram suicidar-se; e destes 92% assim fizeram antes dos 25 anos. Portanto, em muitas situações, as questões LGBTs são também questões de vida ou morte.

Vejamos a questão do assédio. De acordo com um estudo da Universidade da Califórnia – UCLA, 85% dos alunos LGBTs (jovens entre 8 e 18 anos) já passaram por assédio verbal; 58% dos jovens LGBTs já se sentiram inseguros na escola por causa da sua orientação sexual; 43% já se sentiram inseguros por causa da sua identidade de gênero. 27% dos alunos LGBTs já foram fisicamente assediados na escola por causa de sua orientação sexual, e 13% relataram ter sofrido assédio verbal por causa de sua identidade de gênero. A situação é ainda pior para os alunos transgêneros: 54% informaram que já foram assediados verbalmente; 24% já foram atacados fisicamente; 17% relataram abandonar a escola porque o tratamento recebido era muito ruim.

Estes dados nada dizem de suas famílias. A rejeição dos familiares é uma das principais causas pelas quais os jovens LGBTs acabam desabrigados. Segundo o mesmo da UCLA, 40% dos jovens desabrigados servidos pelos centros de acolhimento se identificam como LGBTs. Consideremos outros problemas enfrentados por estes jovens que não passam pela situação de desabrigados, mas cujos pais os privam de suas relações – a insegurança financeira, por exemplo.

Agora, consideremos como as pessoas LGBTs são tratadas na Igreja Católica. Diariamente recebo mensagens de pessoas LGBTs que relatam casos de rejeição, insultos e perseguição de parte dos ministros da Igreja. Uma mulher me contou que quando assumiu a homossexualidade na faculdade em que estudava, o padre que trabalhava na pastoral lhe disse: “Eu rezei a minha vida toda para não conhecer uma pessoa gay”. Um outro jovem me contou que um funcionário do setor pastoral lhe disse que, sendo gay – não sexualmente ativo, apenas gay –, ele não mais poderia comungar. Jovens LGBTs também estão cientes de que a Igreja visa os funcionários que estejam em união homoafetiva e que são demitidos de seus trabalhos, quando outros que também não seguem os ensinamentos católicos são deixados em paz.

E ainda não falamos da corrente atual das “terapias de conversão” que correm através da Igreja como um fluxo de ar poluído. Completamente desacreditadas por psiquiatras e psicólogos, proibidas em muitos lugares pelo caos que provoca nas pessoas, estas práticas ainda são usadas, promovidas e elogiadas de maneiras sutis – e nem tão sutis – em muitas dioceses, paróquias e instituições de ensino. A julgar pelas recentes conversas que tive, coisas do tipo ainda são ensinadas e contam com o apoio eclesiástico em alguns seminários. Isso tudo compõe o sofrimento do católico LGBT.

Quando lidamos com alguém LGBT, lidamos com alguém, para citar Isaías, “experimentado na dor”.

3 - Acolher grupos de jovens, programas e centros LGBTs

Enquanto comunidade católica, precisamos ser claros em nossa acolhida. Um membro do corpo docente de uma universidade do centro-oeste americano diz que o grupo de ajuda LGBT no campus “deveria receber todo o apoio”. O recém-aposentado reitor de uma universidade no norte do país falou: “É importante facilitar a formação de grupos de apoio LGBT. É importante que os alunos gays saibam que não estão sozinhos, que existem outros como eles no campus, para que eles formem uma comunidade de apoio”. O ex-reitor também rejeitou a ideia de que estes grupos geralmente existem para desafiar o magistério católico, e tem razão. “Estas pessoas voltam-se mais para o apoio mútuo e a construção de uma comunidade”.

Por que não lhe prestar o mesmo respeito e garantir-lhes os mesmos recursos que damos aos demais grupos? O decano de uma faculdade do norte dos Estados Unidos assim se pronuncia: “Precisamos ser ainda mais pró-ativos em nosso trabalho social com os membros destes grupos; eles têm índices mais altos de depressão, ansiedade, violência no relacionamento e suicídio”. Em essência, são programas para jovens em situação de risco.

Passar quatro anos em uma universidade é uma experiência importante para todos os alunos, mas especialmente para os jovens LGBTs, que não só estão descobrindo sua identidade e navegando em suas relações com os pais, mas também estão à espera de descobrir o próprio valor. Programas de assistência social os auxiliam nesta fase. Centros de recursos LGBTs, como o que há na Universidade de Georgetown (que são raros), são uma ideia ainda melhor. E as objeções às alianças entre gays e héteros, aos programas sociais e aos recursos quase sempre não se justificam. Uma simples comparação deles com outros programas mostra um duplo padrão: estes jovens promovem atividades sexuais? Não, não promovem. Além disso, poderíamos argumentar, o mesmo acontece com os dormitórios compartilhados. Eles promovem um comportamento desordeiro? Não, não promovem. Igualmente, poderíamos argumentar, o mesmo acontece com as equipes esportivas.

Sejamos criativos com os programas destinados à acolhida: uma universidade promove a integração de LGBTQIA+ com os demais alunos, professores e funcionários; uma outra promove uma festa de formatura diferente, onde os professores e funcionários LGBTs vestem estolas roxas como paramentos acadêmicos.

4 - Envolver toda a instituição

A instituição de ensino como um todo precisa se envolver nessa questão que muitas vezes é vista como sendo somente do setor de pastoral ou do centro de orientação pessoal. A história de Khadija mostra o quanto as coisas podem dar certo quando toda a comunidade escolar compreende as necessidades singulares de seus membros LGBTs. Um decano falou: “Uma única parte da instituição, como um centro LGBT, não consegue dar conta das necessidades dos alunos LGBTQs. É necessária uma formação para todos, em todas as áreas da faculdade: orientação acadêmica, saúde estudantil, aconselhamento e serviços psicológicos, pastoral universitária, residência, atletismo”. Também, o envolvimento de toda a faculdade e a construção de relações facilitam a comunicação em tempos de crise em torno de temas LGBTs candentes.

Como um todo, pode a nossa instituição de ensino constituir um lugar onde as pessoas LGBTs se sintam amadas? Para responder, podemos nos perguntar: Elas se sentirão confortáveis quando se assumirem publicamente? Muitas vezes, um membro do corpo docente LGBT é o primeiro para quem os alunos se assumem. Mas os membros do corpo docente, disse um ex-reitor de uma grande universidade americana, podem estar distantes de outros colaboradores, como os do setor de aconselhamento, serviços psiquiátricos e pastoral universitária. “Os professores”, acrescentou o reitor, “têm uma probabilidade maior do que os funcionários que trabalham para o bem-estar dos alunos, de assumirem que a Igreja condena de forma generalizada estes alunos. A alta administração sinaliza à instituição como um todo que a posição da Igreja é de um acompanhamento pastoral?

E o mais importante: Poderá a faculdade como um todo ser um lugar onde as pessoas LGBTs sintam-se seguras? Um ex-reitor de uma faculdade também do norte do país assim afirma: “A prioridade é sempre a segurança e o bem-estar dos alunos. Se um aluno gay ou trans for atacado, não posso ser usado como motivo para os agressores, por algo que eu venha a dizer, com ou sem intenção, ou por criticar este grupo, o estilo de vida ou suas atividades”.

5 - Lembrar que as palavras importam. O mesmo com os sinais e símbolos.

Muitos tendem a ver as questões LGBTs como temas políticos, armas da “política identitária”. As palavras que empregamos (os pronomes, por exemplo), ou a forma como falamos sobre as pessoas LGBTs no ambiente católico, muitas vezes acaba em batalha. Podemos até mesmo ser criticados por usar o termo “LGBT”.

Mas para a pessoa LGBT, estas questões vão além. Uma aluna, Maddie Foley, escreveu no jornal estudantil da Universidade de Notre Dame: “Por favor, em nome da bondade e da misericórdia (...) se você ainda se opõe à inclusão LGBTQ+ na Igreja, escolha suas palavras com cuidado e lembre-se de que existem pessoas reais, dignas, feitas à imagem e semelhança de Deus escutando-as, pessoas que você não as viu em oração, pessoas que foram feridas pela Igreja, pessoas que amam a Deus, pessoas que choram por causa do lugar que ocupam no Reino, pessoas que serão muito mais afetadas por suas palavras a respeito dos direitos dos gays do que alguma vez você será afetado”. Dúvidas sobre palavras, termos, frases e mesmo sobre a forma de debater estes temas impactam na vida real, muito além de uma simples “pauta” imaginária.

Esse contexto é um bom lugar para aplicarmos a missão institucional. O responsável do setor de diversidade cultural de uma universidade ao sul dos EUA, fundada por uma ordem religiosa, disse que “a missão institucional nos ensina (...) como tratar os nossos alunos e colegas LGBTs, da mesma forma como ensina o magistério católico”. E, claro, podemos supor que todos os alunos são católicos. Um professor universitário gay, de uma instituição no norte do país, fala nos seguintes termos: “Como é que as universidades católicas acolhem os alunos LGBTs de outra (ou nenhuma) tradição religiosa? A forma como tratamos as pessoas LGBTs, católicas ou não, diz muito aos não católicos sobre como tratamos a todos”.

Um aparte: alunos católicos LGBTs vêm de uma ampla variedade de lugares. Muitos abandonaram a Igreja por se sentirem rejeitados ou nunca a enxergaram como um lar. Uns podem se sentir confortáveis quanto à própria sexualidade e não ver contradição entre a crença que têm e a sua sexualidade – sigam ou não o ensinamento católico da castidade. (Poderíamos fazer a mesma observação sobre os alunos heterossexuais sexualmente ativos.) Estes jovens LGBTs estão felizes nas pastorais acadêmicas, nas missas e na Igreja. Mesmo assim, outros se debatem com o ensino magisterial. Por fim, muitos lutam com aquilo que alguns teólogos chamam de “cristofobia”: o medo de Cristo e da Igreja alimentado por gerações de ódio e homofobia. A autoaversão é um problema real.

Além de palavras, quais sinais e símbolos mostram que estas pessoas são amadas? E quanto às espiritualidades, teologias, liturgias afirmativas e lugares seguros? As pessoas LGBTs são bem recebidas nas missas? Lembremos: Lex orandi, lex credendi. A forma como adoramos molda e mostra aquilo em que acreditamos. A forma como estudamos também. As experiências dessas pessoas fazem parte daquilo que estudam? Isto significa incluir suas histórias, contribuições junto à sociedade e as lutas em suas classes.

Professores e funcionários que apoiam visivelmente a comunidade LGBT são símbolos importantes também. O ex-reitor de uma universidade católica de porte médio afirma: “Considero um professor gay de minha universidade como um dos que mais praticam a missão da instituição, sendo um dos mais engajados nela”. Segundo ele, docentes LGBTs podem ser – e são – modelos nesse sentido.

Um ministro que trabalha em um campus de uma grande universidade do centro-oeste americano aponta para um símbolo ainda mais visível: a estátua do Dr. Tom Dooley no campus da Universidade de Notre Dame, sua alma mater; é a imagem de um gay que ficou famoso por sua generosidade.

Lembremos que podemos estar permitindo, pela primeira vez na vida dessas pessoas, um espaço onde as palavras lhes sirvam de apoio, onde os sinais as encorajam e os símbolos as ajudem a reavaliar a relação delas com a Igreja, consigo mesmas, com os familiares e com Deus.

6 - Ficar do lado delas

Problemas financeiros e o medo são sempre desculpas fracassadas para não ficarmos do lado dos marginalizados. Há um custo mais severo em não ficar do lado das pessoas LGBTs: o suicídio, a depressão, a perda do senso de comunidade, da fé. O mesmo acontece com os alunos de outras minorias.

Às vezes, descobrimos que ficar do lado delas produz benefícios inesperados. Um decano de uma universidade ao norte dos EUA disse que, embora possamos ter problemas com “alguns doadores relutantes, bispos ou outros” na questão moral, o caso prático é mais forte. Em pesquisa recente, 31% dos millennials descreveram-se como qualquer outra coisa exceto heterossexuais, e muitos dos participantes do estudo estarão mais curiosos a respeito do nível de aceitação LGBT, especialmente nas instituições católicas de ensino que eles supõem não são acolhedoras de pessoas LGBTs. E quanto mais pessoas se assumirem gays, mais esta questão afetará as famílias, as pessoas, os professores e doadores/financiadores. Também, o restante dos millennials e jovens da geração Z que não se identificam como LGBTs estão observando de perto para saber como serão tratados os seus amigos, irmãos e irmãs.

Um membro do corpo docente que também participa do conselho universitário de uma instituição de tamanho médio me contou a seguinte história. Os alunos queriam formar uma aliança entre gays e héteros, mas alguns doadores/financiadores se opuseram à ideia. Quando o reitor anunciou a proposta em reunião do conselho, houve um silêncio total. Eis como um dos presentes na reunião descreveu o que aconteceria a seguir: “Um importante CEO se recompõe na cadeira, encara todos os presentes à mesa e diz: ‘Francamente, fico surpreso que essa ideia tenha demorado tanto’. Ninguém queria ofendê-lo. Acabou que a sua filha era gay e recém lhe havia adotado um neto via adoção com sua parceira”. Por fim, disse o docente: “A administração acadêmica ganhou tanto quanto perdeu”.

E demitir professores LGBTs casados não combina com ficar do lado das pessoas LGBTs. A razão geralmente apresentada para essas demissões é que tais colaboradores não apoiam nem ensinam o magistério católico. Mas diríamos o mesmo de muitos outros fiéis: aqueles que usam métodos para o controle de natalidade, aqueles que não vão à missa aos domingos, e assim por diante. Também poderíamos dizer dos que não são católicos. Demitiremos os colaboradores protestantes que não creem na autoridade papal ou funcionários judeus que não creem em Jesus? Visar os trabalhadores LGBTs casados não reforça o ensino católico, porque estamos reforçando-o de modo seletivo. Pelo contrário, é uma prática discriminatória.

Portanto, mesmo se houver custos, fiquemos do lado deles. Sejamos proféticos. Sejamos como Jesus. Porque, se estamos tentando ser como Jesus, qual o problema?

7 - Trabalhar em parceria com o nosso ordinário local

O ex-reitor de uma universidade no sul dos EUA diz que foi fundamental manter atualizado o bispo local a respeito do que se passava na instituição. Tenho certeza de que esta comunicação não precisa ultrapassar o limite do bom senso. O mesmo reitor assim explicou: “Eles [os bispos] podem gostar ou não da ideia, mas odeiam ser surpreendidos”. Muitas vezes, falar com eles sobre o assunto não é uma tarefa fácil e podem ocorrer mal-entendidos. É por isso que o diálogo e a abertura importam, especialmente nesse tópico. Eu convidaria aqueles que têm bispos diocesanos que não simpatizam com a causa para verem o seu próprio papel de defensores. Talvez você seja a única pessoa a alguma vez ter um encontro face a face com o seu líder eclesiástico, podendo defender as pessoas LGBTs. Que mensagem compartilharia com ele?

8 - Educar a nós e a nossa instituição

O tipo de educação que ocorre em torno das questões LGBTs é multifacetado. Primeiro, a melhor educação é simplesmente ouvir as experiências das pessoas desta comunidade. Se começarmos com a experiência, ajudaremos no que vem a seguir: ética, espiritualidade, teologia e assim por diante. Segundo, educar-se sobre tudo o que diz o ensino católico a respeito das pessoas LGBTs. Mesmo os católicos com formação tendem a achar que o Catecismo da Igreja Católica inclui apenas uma restrição às relações homoafetivas e ao matrimônio entre pessoas do mesmo sexo. Ele inclui isto, sim, mas também há o convite a tratá-las com “respeito, compaixão e sensibilidade” e a restrição contra a “discriminação injusta”. Mas mesmo isto é demasiado estreito. O magistério da Igreja sobre as pessoas LGBTs vai além de algumas poucas linhas escritas. O magistério católico é o Evangelho e a mensagem de amor, misericórdia e compaixão de Jesus, especialmente para com os marginalizados. Este é o cerne do magistério católico.

Por falar em ensino católico, um ex-reitor de uma universidade do centro-oeste dos EUA, hoje trabalhando em Roma, diz: “É importante notar o quanto a Congregação para a Educação vem essencialmente confiando nas instituições católicas americanas quando se trata de questões LGBTs”. Ele afirma que as autoridades romanas sabem que estas instituições de ensino têm auxiliado estes alunos. “Os bispos em particular podem não gostar, mas a Congregação não mostra um desagrado”.

Em terceiro lugar, há muitas possibilidades de nós mesmos ler sobre assuntos que ainda estão confusos e para os quais talvez não nos sintamos prontos a partilhar com a instituição. Recentemente, confessei aos pais de um filho que se identifica como “gênero queer”, que eu não entendi o termo empregado. Em resposta, eles me deram um livro chamado “Gender Queer”, que me ajudou a entender esta experiência que é nova.

Finalmente, ofertar programas educativos para toda a comunidade universitária. Oficinas são boas oportunidades para que alunos, funcionários, professores aprendam mais sobre sexualidade e questões de gênero, as quais frequentemente ajudam as pessoas a fazer o seguinte: definir e esclarecer o vocabulário relacionado a temas LGBTs; prover palestras e atividades que sirvam de espaço para o debate sobre preconceitos e identidade; oportunizar que as pessoas façam perguntas; empoderá-las para que se sintam envolvidas em questões que desafiam um número cada vez maior de alunos. Deixemos nossa faculdade, já um lugar de aprendizado, ser um lugar de aprendizado sobre este tema complicado também.

9 - Ouvir com humildade as pessoas transgênero.

Esta é a vanguarda em se tratando de questões LGBTs na educação superior católica, e eu particularmente não tenho grandes conhecimentos específicos na área. Mas poucas pessoas o têm, inclusive psiquiatras e psicólogos. Os dados médicos, científicos e psicológicos sobre este fenômenos são complexos. Somos todos aprendizes, então todos devemos parar e ouvir.

Ano passado, me convidaram para debater este tema na Congregação para a Educação depois da publicação da nota “Homem e mulher os criou: para uma via de diálogo sobre a questão de ‘gender’ na educação”. No encontro que tive com o Cardeal Giuseppe Versaldi, prefeito da Congregação, e com o seu subsecretário, Friedrich Bechina, FSO, li em voz alta as cartas de Luisa Derouen, OP, irmã dominicana que trabalhou durante 20 anos com pessoas transgênero, de uma mãe com filhos LGBTs e de um transgênero. Com a permissão do citado dicastério vaticano, posso dizer que as cartas falavam do contexto e do propósito do documento “Homem e mulher os criou”, o qual focaliza as instituições católicas de ensino. E posso dizer que Versaldi manifestou tristeza se caso alguém pensou que a Congregação estivesse acusando algumas pessoas de serem ideologicamente transtornadas e que ele queria dividir o cuidado da Congregação pelas pessoas transgênero bem como o seu desejo de continuar o diálogo para refletir sobre a experiência dessa comunidade.

E não importa o que ouvimos de parte dos doadores furiosos ou de sítios eletrônicos mal informados, as pessoas transgênero não resultam de uma “ideologia de gênero”. Ray Dever, diácono católico, pai de um jovem trans, notou isto em um estupendo artigo publicado numa revista católica americana: “Qualquer um com experiência em primeira mão junto de pessoas trans ficaria confuso com a ideia de que elas seriam, de alguma forma, o resultado de uma ideologia”. Não obstante, a posição de alguns católicos é de associar esta complicada experiência pessoal com algum tipo de agenda política. Então, peço que ouçam e aprendam – com as pessoas trans e com estudos científicos confiáveis. Também, lembremos que, embora muitos alunos em idade universitária já tenham assumido a sua homossexualidade – especialmente nas grandes cidades –, muitas pessoas trans ainda necessitam de grupos de apoio.

Por falar em escuta, pedi a um transgênero católico, doutor em teologia, que fizera a transição sexual no último ano de faculdade, que me desse algumas dicas. Aqui vão elas: facilitar para que os alunos vivam em residências que combinam com a identidade de gênero deles. Essencialmente, eles deveriam ter a opção de moradia que os ajude a se sentirem seguros.

Segundo, certificar-se da disponibilidade de banheiros neutros (sem gênero). Não todos, mas alguns. Terceiro, certificar-se de que o plano de saúde da instituição de ensino cubra os serviços relacionados à transição de sexo. A transição médica é uma condição reconhecida. Em geral, cobrir estes custos não eleva em níveis significativos o preço dos planos de saúde, já que poucos são os que acessam o benefício. A quarta sugestão é a de garantir que os alunos possam mudar o nome e o gênero em seus registros, e que os membros do corpo docente usem o nome e os pronomes de preferência do aluno. Por vezes, pessoas trans me falam da dificuldade que é continuamente ter de ouvir o pronome errado. A Irmã Luisa diz: “Referir-se a alguém segundo a forma como nos pedem é uma questão de boas maneiras. Não fazer isso é um reflexo de quem fala, não da pessoa trans”. Um professor de filosofia adotou a prática simples de passar uma folha de papel entre os alunos no primeiro dia de aula perguntando quais pronomes usar.

Há também como seguir em frente sem irritar os demais. Um vice-reitor para assuntos estudantis de uma faculdade localizada no norte dos EUA falou sobre ter o novo nome de um aluno impresso no diploma, retendo, porém, o nome original nos registros da instituição, até que uma mudança legal do nome seja firmada. Uma faculdade para mulheres apresenta esta explicação em seu sítio eletrônico:

Para promover a nossa missão, tradição e valores enquanto faculdade para mulheres, e em reconhecimento do nosso mundo em transformação, e de uma compreensão sempre a evoluir com respeito à identidade de gênero, a nossa Faculdade considerará, para ingresso, candidatos que vivam coerentemente e se identificam como mulheres, independentemente do gênero assinalado no certificado de nascimento. Nossa Faculdade continuará usando uma linguagem de gênero que reflita a sua missão enquanto faculdade de graduação para mulheres”.

Como curiosidade: as polêmicas em torno de banheiros neutros importam menos do que a segurança das pessoas. Irmã Luisa observa que a ideia de que as pessoas transgênero ou as pessoas LGBTs irão, de alguma forma, assediar as pessoas heterossexuais é um contrassenso. São as pessoas LGBTs que se sentem inseguras. Não é sem novidade, mas os jovens trans já passaram por muita coisa nessa vida. Proponho que deixemos eles e elas irem ao banheiro em paz, é o mínimo que podemos fazer.

Em resumo, quando o assunto for as pessoas trans nos campi, lembremos deste humilde pedido: ouçamos.

10 - Durante uma crise, discernir e optar preferencialmente pelos LGBTs

Aqui temos três coisas a considerar durante uma crise envolvendo a questão LGBT. Evitar respostas padrão para assuntos candentes. Descubramos o que se passa conosco e exercitemos a empatia. Reconhecer que os ataques contra a temática LGBT são, muitas vezes, ataques contra outras coisas: a educação superior, um partido político, os anos 60, o Vaticano II ou mesmo o Papa Francisco.

Alguns tópicos parecem inevitavelmente incitar polêmicas: apresentações de drag queens, banheiros sem gênero, pronomes sem gênero. O ex-reitor de uma universidade no centro-oeste americano diz: “Poucos temas são tão polêmicos quanto a pessoa trans e acesso aos banheiros”. Como exemplo, ele observou que a Igreja perde “muitos destes jovens que tiveram uma criação católica”.

Permitam-me dividir algumas respostas comuns à crise gerencial em torno de temas LGBTs dadas por representantes atuantes na educação superior católica. Em primeiro lugar, mantenhamos o nosso bispo diocesano informado. Em segundo lugar, abordemos estas coisas a partir de um ponto de vista educacional. Poderemos ter um painel ou uma apresentação sobre do que se trata um show de drag queen ou sobre por que banheiros sem gênero se tornaram tão importantes? Acima, mencionei a inclusão das histórias de pessoas LGBTs nas aulas. Fomentar um ambiente assim, onde a experiência LGBT se integre no currículo escolar, ajuda a comunidade toda em momentos de crise, pois a instituição perceberá estas questões dentro de um contexto mais amplo.

Por fim, discernir. Nada serve para todos de igual forma. Confiemos que Deus nos conduzirá para a melhor decisão, que esteja baseada em nossa faculdade, em nossa história, em nossa missão, em nosso corpo estudantil, em nossa diocese e em nosso bispo. Mas todo o restante sendo o mesmo: assumir uma opção preferencial por aqueles que têm poucos do seu lado na Igreja: as pessoas LGBTs.

 

Nota: 

[1] Este ensaio foi adaptado de uma palestra para reitores apresentada em um congresso da Associação das Faculdades e Universidades Católicas dos EUA, ocorrida em Washington, DC, em 2 de fevereiro. [Nota do editor da revista America]

 

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