'Cura gay' e as lições de uma devastação

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09 Março 2019

Usar 'Deus' como arma contra as pessoas é uma das formas de causar ''escândalo aos pequeninos''.

O artigo é de Luís Corrêa Lima, padre jesuíta e professor do Departamento de Teologia da PUC-Rio. Trabalha com pesquisa sobre diversidade sexual e de gênero, e no acompanhamento espiritual de pessoas LGBT.

Eis o artigo.

As terapias de suposta reversão de orientação sexual, ou “cura gay”, são tratadas no filme Boy erased, uma verdade anulada (Disponível aqui), baseado no livro autobiográfico de Garrard Conley, com o mesmo título, já lançado no Brasil (Editora Intrínseca, 2019) . O autor, gay e filho de um ministro religioso cristão, conta a história de como foi internado numa instituição para pessoas com “desvios sexuais”, no Sul dos Estados Unidos. Ele tinha entre 18 e 19 anos e lá sofreu um forte terror psicológico. Ouviu insistentemente que gays são pecadores, iguais a pedófilos; que se ele assumisse sua homossexualidade, perderia a família, não conseguiria emprego, morreria de Aids e iria para o inferno. Tudo isto o devastou, além de levar um de seus colegas de internação ao suicídio. A obra de Conley é um grito de alerta em favor de 700 mil norte-americanos que já foram submetidos a estas terapias, permitidas em muitos estados daquele país.

No Brasil, o Conselho Federal de Psicologia declarou, há 20 anos, que a homossexualidade não é doença, nem distúrbio, nem perversão; e proibiu os psicólogos de colaborarem em serviços que propõem o seu tratamento e cura, sob pena de perderem o registro profissional. Mas infelizmente isto não impede pessoas, familiares e instituições de exercerem terror psicológico. É quando pais dizem que preferem um filho morto a um filho gay, ou uma filha puta a uma filha lésbica. É quando igrejas realizam exorcismo em LGBT para libertá-los de suposto demônio, ou suavizam esta prática com o nome de “oração de cura e libertação”.

Conley tem um depoimento impressionante: “perdi a fé, infelizmente. Ela foi arrancada de mim cedo demais. Eu confiava na relação com Deus para encarar meus dilemas. E isso acabou. Deus foi usado como arma contra mim. [...] Não sei mais se acredito em Deus. [...] Continuo aberto à ideia. Se Deus existe, posso dizer que Ele me fez assim. Minha mensagem aos cristãos é que meu livro não ataca sua fé. Na verdade, tento honrá-la. A Igreja precisa de constantes reformas” (Disponível aqui).

É muito triste alguém constatar que Deus foi usado como arma contra si. Como podem fazer isto com o nome do Senhor? É muito triste reconhecer ao mesmo tempo a grandeza da fé, com seu precioso conforto espiritual, e a barreira perversa que a afasta das pessoas. O Evangelho chama isto de “escândalo”, palavra cuja origem é a pedra de tropeço colocada no caminho das pessoas. “Ai dos escândalos”, disse Jesus. A Bíblia, se for tirada de contexto e lida em perspectiva rigorista, sem amor, deixa de ser Palavra do Deus vivo e se torna palavra de morte, um instrumento diabólico. O mesmo acontece com o ensinamento da Igreja Católica, se submetido à mesma perspectiva: não comunica a vida que Jesus quer trazer, mas oprime.

Assim como Conley, há muitos LGBT em tantos lugares, em igrejas cristãs. Eles e elas nasceram e foram criados neste ambiente, têm fé e em certo momento descobriram sua condição ou identidade. Vários participam ativamente de suas comunidades, mas não poucos dentre eles se afastaram e se afastam por se depararem com incompreensão e hostilidade. Todos perdem com isto. É preciso que tais fiéis encontrem pessoas e ministros religiosos sensíveis às suas feridas e dificuldades, e também aos seus talentos e potencialidades. O papa Francisco convoca a Igreja Católica a ir às periferias existenciais, ao encontro dos que enfrentam diversos tipos de sofrimentos, conflitos e carências. Responder a tal apelo é também ajudar os LGBT na busca de Deus, de sentido para a vida e na elevação da autoestima.

Quando Conley deixou a terapia e retornou à sua casa, teve apoio de sua mãe e resistência de seu pai. No filme, ela explica: “Amo a Deus, Deus me ama e amo você; é simples. Mas para seu pai é mais complicado”. Na verdade, o Espírito Santo tocou seu coração, conduzindo-a através do amor e da intuição ao caminho certo, sem se deixar enredar pelo fundamentalismo religioso. O apoio desta mãe fez uma grande diferença. O grande legado do filme é o amor vencendo o preconceito, e as lições que se aprendem de uma devastação.

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