14 Novembro 2019
Os estudantes da Creighton University, nos EUA, estão aguardando uma decisão do reitor da instituição, depois que o campus aprovou majoritariamente, na semana passada, a recomendação de que a universidade “desinvista” os seus fundos patrimoniais em combustíveis fósseis.
A reportagem é de Brian Roewe, publicada por National Catholic Reporter, 13-11-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A universidade jesuíta de Omaha, Nebraska, é o mais recente campus católico dos EUA a enfrentar um debate sobre desinvestimento, impulsionado por preocupações morais com o impacto dos combustíveis fósseis sobre o planeta e as mudanças climáticas. A recomendação dos estudantes surge após as recentes mensagens do Papa Francisco e do Sínodo da Amazônia pedindo uma “transição energética radical” para evitar cenários catastróficos de um planeta em rápido aquecimento.
Os grupos religiosos têm desempenhado um importante papel no movimento de desinvestimento há oito anos, mas os esforços pelo desinvestimento nas faculdades católicas tiveram resultados mistos.
No dia 5 de novembro, os estudantes da Creighton aprovaram um referendo não vinculante com cerca de 86% de apoio, que recomendou que a instituição inicie o processo de desinvestimento dos seus fundos patrimoniais, estimados pelos estudantes em 568 milhões de dólares, em empresas de carvão, petróleo e gás natural.
O referendo pede que a Creighton congele imediatamente quaisquer novos investimentos em empresas de combustíveis fósseis e “desinvista” nas 200 maiores empresas de combustíveis fósseis com maiores emissões até 2025. Tais participações somam aproximadamente 2% dos fundos patrimoniais, de acordo com os estudantes, que também pedem que a universidade “desinvista” completamente quando a Creighton atingir a meta estabelecida de neutralidade de carbono em meados do século. Os estudantes estimam que 10% dos fundos patrimoniais, mais de 60 milhões de dólares, estão atualmente investidos em combustíveis fósseis.
O padre jesuíta Daniel Hendrickson, reitor da Creighton, disse no dia 6 de novembro que ele responderia ao referendo dentro de uma semana.
“Eu aprecio e elogio os nossos estudantes pela sua preocupação, comprometimento e paixão em buscar soluções para os sérios desafios ambientais que nós, como comunidade global, enfrentamos hoje”, disse Hendrickson em um e-mail à universidade sobre o referendo.
Emily Burke, estudantes de Sociologia da Creighton, disse ao NCR que o desinvestimento em combustíveis fósseis está alinhado com a identidade católica e jesuíta da instituição de trabalhar pela paz, justiça e melhoria da sociedade, incluindo o cuidado da criação.
“Não estamos pedindo nada antitético à missão da Creighton. Estamos realmente apenas tentando fazer o que a Creighton nos ensinou a fazer”, disse Burke.
Os estudantes da Creighton vêm pressionando pelo desinvestimento em combustíveis fósseis há mais de um ano. Em abril passado, mais de 200 estudantes realizaram uma manifestação pedindo que a universidade faça o desinvestimento e estenda a sua data-limite de neutralidade de carbono e padronize a formação sobre mudanças climáticas em todo o currículo.
Após a manifestação, a administração respondeu, dizendo que, embora comprometida com a sustentabilidade por meio da vida acadêmica e de tais iniciativas do campus – nas últimas semanas, ela formou uma comissão para revisar a data de neutralidade de carbono –, ela não “desinvestiria” nos combustíveis fósseis. Ela afirmou que o crescimento robusto de seus fundos patrimoniais são cruciais para a saúde e a vitalidade fiscais de longo prazo da universidade, incluindo o financiamento de bolsas de estudo, auxílio estudantil e apoio ao corpo docente.
Em um vídeo promovendo o referendo [assista abaixo], mais de 30 estudantes e um jesuíta – o Pe. John Shea, professor assistente de Biologia – defenderam por que a Creighton deveria cortar laços financeiros com os combustíveis fósseis, chamando tais investimentos de antiéticos e de um risco financeiro para a universidade, em longo prazo.
A liberação de gases de efeito estufa a partir da queima de combustíveis fósseis é um dos principais motores das mudanças climáticas globais, observaram os estudantes, que impactam desproporcionalmente as comunidades pobres e vulneráveis por meio do aumento da pobreza, da fome e de eventos climáticos mais extremos. Eles argumentam que o aumento das regulações governamentais – junto com relatórios científicos que documentam a necessidade de manter no subsolo as reservas de carvão, petróleo e gás para limitar o aquecimento global abaixo de níveis perigosos – torna os combustíveis fósseis um investimento volátil.
Além de cortar laços com as empresas de combustíveis fósseis, os estudantes pedem que a universidade reinvista em alternativas econômica, social e ambientalmente responsáveis.
“A Creighton precisa ‘desinvestir’ para garantir que a nossa educação seja financiada pelos frutos de investimentos justos, e não por lucros inseparavelmente ligados ao sofrimento de todas as pessoas afetadas pela crise climática”, diz no vídeo Angie Ngo, estudante de Administração da Creighton.
O vídeo também faz referência à mensagem do papa para o Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação deste ano. “É hora de abandonar a dependência dos combustíveis fósseis, empreendendo rápida e decididamente transições para formas de energia limpa e de economia sustentável e circular”, disse Francisco. O papa repetiu o apelo por uma “transição energética radical” diretamente para executivos das principais empresas de energia do mundo em reuniões no Vaticano organizadas nos últimos dois anos pela Universidade de Notre Dame.
No vídeo, os estudantes também se referem às diretrizes de investimento socialmente responsável da Conferência dos Bispos dos EUA. Essa política não trata do desinvestimento, mas recomenda resoluções de acionistas que incentivem a energia limpa, a conservação de energia e a redução das emissões de gases de efeito estufa.
No Sínodo para a Amazônia recentemente concluído, os bispos, em seu documento final, recomendaram que a Igreja Católica na região amazônica “desinvista” e apoie campanhas de desinvestimento em empresas envolvidas em danos socioeconômicos, e ecoou o apelo do papa por “uma transição energética radical e a busca de alternativas”.
Em 2015, os estudantes da Georgetown University, administrada pelos jesuítas, pressionaram com sucesso a instituição para “desinvestir” os seus fundos patrimoniais de 1,5 bilhão de dólares em empresas de carvão. No Boston College, a administração resistiu a anos de esforços liderados pelos estudantes, incluindo várias resoluções de desinvestimento aprovadas pelos estudantes, a mais recente de fevereiro passado. A administração chamou o desinvestimento de uma solução “inviável”, preferindo se concentrar na redução das pegadas de carbono.
A Universidade de Dayton, liderada pelos marianistas, em 2014, tornou-se a primeira faculdade católica dos EUA a declarar publicamente que iria “desinvestir” os seus fundos patrimoniais de 670 milhões de dólares em combustíveis fósseis. A decisão não foi iniciada pelos estudantes, mas por um comitê de investimentos.
Da mesma forma, o conselho de administração da Seattle University, administrada pelos jesuítas, aprovou em setembro de 2018 a remoção completa dos combustíveis fósseis de seus fundos patrimoniais de 230 milhões de dólares dentro de cinco anos, após uma consulta com um grupo consultivo sobre investimentos socialmente responsáveis. Em um comunicado à imprensa, o reitor, o padre jesuíta Stephen Sundborg, citou a “obrigação especial” de uma universidade católica e jesuíta “de abordar a crise climática em curso” à luz da encíclica Laudato si’, sobre o cuidado da casa comum, de Francisco.
O referendo é relativamente novo na Creighton. Em 2018, o diretório de estudantes aprovou em 2018 que o instrumento fosse adicionado à sua constituição e estatutos. De acordo com a universidade, dois referendos foram aprovados no ano passado – um pela remoção de sacolas plásticas do campus e outro para eliminar gradualmente os canudos plásticos de seu serviço de alimentação. Em ambos os casos, eles apoiaram o trabalho já em andamento por meio do seu Escritório de Programas de Sustentabilidade e Serviços de Habitação e Auxiliares.
Em 2010, a Creighton estabeleceu a sua meta de neutralidade de carbono para 2050. Desde então, ela reduziu as emissões do uso de eletricidade em 25%, instalou sistemas solares e eólicos no campus, e estabeleceu o escritório de sustentabilidade e um programa interdisciplinar de estudos sobre sustentabilidade. A instituição também assinou a “Declaração Climática Católica”, comprometendo-se a cumprir a meta de redução de emissões dos EUA conforme o Acordo de Paris.
Como parte de seu plano estratégico que antecedeu o sesquicentenário da Creighton em 2028, a universidade declarou que deseja se tornar “uma grande contribuidora” da Igreja Católica na formulação de cursos sobre as novas questões sociais, incluindo a justiça ecológica.
“Em certo sentido, nós, na Creighton University, comprometemo-nos a ajudar a Igreja Católica a discernir respostas adequadas aos desafios contemporâneos, como a degradação ecológica e as mudanças climáticas”, disse Hendrickson em um discurso em junho, na abertura do congresso “Laudato si’ e a Igreja Católica dos EUA”, focado na integração mais ampla da encíclica de Francisco sobre o ambiente. O campus deverá sediar mais duas edições do congresso, co-organizadas com o Catholic Climate Covenant, em 2021 e 2023.
Em fevereiro, a Companhia de Jesus estabeleceu o “cuidado da nossa casa comum” como uma das quatro Preferências Apostólicas Universais da ordem jesuíta para a próxima década. Em particular, ela direcionou suas instituições de Ensino Superior “a identificar áreas nas quais elas possam fazer a diferença e contribuir para uma mudança de mentes e corações”.
A províncias jesuítas da Austrália, Itália e Canadá de língua inglesa anunciaram suas intenções de “desinvestir” em combustíveis fósseis, de acordo com uma lista compilada pelo Movimento Católico Global pelo Clima. Aproximadamente 150 organizações católicas “desinvestiram” em combustíveis fósseis. No total, as instituições religiosas representam a maior porcentagem (27%) dos 1.100 grupos que se comprometeram a “desinvestir” 11 trilhões de dólares acumulados em combustíveis fósseis.
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EUA: estudantes votam para que universidade jesuíta “desinvista” em combustíveis fósseis - Instituto Humanitas Unisinos - IHU