24 Setembro 2019
"O horizonte do apocalipse ecológico está estimado para 2050 e deve impactar fortemente a geração do milênio (“Millennials”). Os jovens que nasceram ao redor do ano 2000 e adiante estão sentindo que recebem uma herança ambiental de “Terra arrasada”. Se houver agravamento do aquecimento global rumo à “Terra estufa” e o prosseguimento do 1º evento de extermínio em massa das espécies – Ecocídio – haverá uma aniquilação da vida futura", escreve José Eustáquio Diniz Alves, doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE, em artigo publicado por EcoDebate, 23-09-2019.
Greve Global pelo Clima. (Foto: Divulgação)
Jovens de todo o mundo, uni-vos! Este foi o mote que mobilizou mais de 4 milhões de pessoas, em mais de 163 países, em mais de 5 mil cidades, somente no dia 20 de setembro de 2019, contra a crise climática e ambiental. Outras passeatas ocorreram no fim de semana. A maior mobilização global da história foi liderada pela greve de estudantes e por jovens que não aceitam o rumo e o ritmo insustentável da economia internacional, seja aquela liderada pelo capitalismo neoliberal dos Estados Unidos ou pelo socialismo de mercado da China.
As novas gerações têm muito a perder com a crise climática provocada pelo crescimento exponencial das atividades antrópicas. Uma Terra quente, inóspita e inabitável tornará a vida no Planeta um inferno e significará a extinção do futuro para as crianças e adolescentes que assistem bestificados o agravamento das condições ambientais do Planeta. Karl Marx, na modernidade, pediu a união dos trabalhadores de todo o mundo contra a contradição central entre capital e trabalho. Agora, na pós-modernidade, os jovens se unem contra a contradição fundamental entre o capital antrópico e o capital natural (Alves, 2015).
A emergência climática se transformou na contradição principal da dialética ecossocial, capitaneando o protagonismo das ações locais e internacionais. As lutas atuais são muito mais geracionais e ambientais do que da dinâmica econômica das classes sociais. A maioria absoluta dos mais de 4 milhões pessoas nas ruas foi formada por jovens brancos de classe média, com forte presença de meninas e mulheres. Enquanto o proletariado encolhe em todo o mundo devido ao processo de desindustrialização e à 4ª Revolução Industrial, os jovens de todas as classes e “raças” do mundo buscam tomar o leme do destino ambiental.
Existe uma ameaça existencial. O horizonte do apocalipse ecológico está estimado para 2050 e deve impactar fortemente a geração do milênio (“Millennials”). Os jovens que nasceram ao redor do ano 2000 e adiante estão sentindo que recebem uma herança ambiental de “Terra arrasada”. Se houver agravamento do aquecimento global rumo à “Terra estufa” e o prosseguimento do 1º evento de extermínio em massa das espécies – Ecocídio – haverá uma aniquilação da vida futura, pois o ser humano depende da natureza e da convivência sincrônica com as demais formas de vida do Planeta.
O colapso ambiental pode atingir em cheio as novas gerações. Estudo do Centro Nacional Breakthrough para a Restauração do Clima, um think-tank em Melbourne, Austrália (Barrie, 2019), descreve as mudanças climáticas como “uma ameaça existencial de médio prazo à civilização humana”. O documento argumenta que os “resultados extremamente sérios” das ameaças à segurança relacionadas ao clima são, com frequência, muito mais prováveis do que o convencionalmente assumido, mas quase impossível de quantificar porque “estão fora da experiência humana dos últimos milhares de anos”. Na atual trajetória, adverte o relatório: “os sistemas planetário e humano devem atingir um ‘ponto de não retorno’ até meados do século, no qual a perspectiva de uma Terra praticamente inabitável leva ao colapso das nações e da ordem internacional”.
Na semana da Greve Global pelo Clima, cientistas franceses alertaram para a possibilidade do aumento da temperatura global atingir até 7º C até o fim do atual século, quando comparado ao período pré-industrial. Cerca de 100 pesquisadores e engenheiros franceses elaboraram modelos climáticos que preveem, no pior dos cenários, um aumento na temperatura média mundial até 2100 muito superior aos 4,8ºC previstos em 2014 pelo IPCC. No novo relatório do IPCC, previsto para 2021, o sexto desde 1990, o cenário deve ser muito mais grave do que o anterior.
Qualquer aquecimento acima de 2º C já trará consequências incontroláveis e mudanças sem precedentes. Temperaturas mais altas significa maior degelo e aumento do nível dos oceanos que vai afetar diretamente mais de 2 bilhões de pessoas que vivem em áreas costeiras, além de inundar muitas áreas produtoras de alimentos. Haverá uma acidificação das águas e dos solos, o que vai afetar a produção de comida e reduzir significativamente as safras. Haverá aumento das inundações em algumas regiões e das secas em outras. Os furacões, os ciclones e tufões serão mais frequentes, mais intensos e mais danosos. As ondas de calor serão mais letais. Os incêndios florestais serão mais amplos, o que agravará a emissão de gases de efeito estufa. O aquecimento global pode espalhar uma ‘praga bíblica’.
Segundo Roger Hallam, co-fundador da Extinction Rebellion, o mundo caminha para colapso social e ambiental e, devido à inação das elites internacionais, pode haver fome em massa e colapso geral da sociedade neste século. Ele diz que seis bilhões de pessoas poderão morrer como resultado das mudanças climáticas nas próximas décadas, como mostra artigo de William Rees (18/09/2019).
O Acordo Climático de Paris de 2015 prevê limitar o aquecimento global abaixo de 2º C, ou mesmo 1,5º C. O mundo não segue este caminho, pois os compromissos assumidos pela maioria dos países levariam a um aquecimento acima de 3º C. Neste sábado, dia 21 de setembro, teve início a Cúpula do Clima a ONU. O secretário-geral da ONU, António Guterres, convocou a cúpula em Nova York para pedir aos líderes mundiais que aumentem suas ambições de cortes nas emissões de gases de efeito estufa (GEE). O Brasil, que atravessou a contramão do movimento ambiental, nem foi incluído entre os países que terão direito a discursar.
O fato é que as emissões de GEE estão aumentando e as metas do Acordo de Paris ficam cada vez mais distantes. Greta Thunberg, depois de liderar as maiores manifestações internacionais pelo clima, será a grande estrela da Cúpula da ONU. Ela disse ao Congresso Americano: “vocês não estão fazendo o suficiente”. Isto vale para a governança global.
Ou seja, os líderes mundiais não estão fazendo nem o necessário e nem o suficiente para evitar uma catástrofe ambiental e climática. Os adultos, no curto e médio prazos estarão mortos, como disse Keynes. Mas as crianças e os jovens estarão na flor da idade em meados do século XXI e não querem viver num mundo apocalíptico e sem as bases ecológicas fornecidas pela Mãe Natureza. A juventude reclama o direito ao futuro sadio, próspero e sustentável.
Como diria o grande escritor francês, Victor Hugo: “Nada é mais poderoso do que uma ideia que chegou no tempo certo”. Há um ano, uma adolescente nórdica sentava sozinha em uma greve individual em frente ao Parlamento Sueco, em protesto quando a crise climática. Mas a luta contra o aquecimento global é uma causa global e, em pouco tempo, estudantes de todo o mundo saíram às ruas chamando a atenção para a “Emergência Climática” e transformando Greta Thunberg em uma liderança mais importante do que os políticos que conquistaram votos nas urnas. A desobediência civil conquistando mais legitimidade do que a democracia formal.
Greve Global pelo Clima. (Foto: Divulgação)
A Greve Global pelo Clima do dia 20 de setembro é apenas uma primeira grande mobilização e que já prenuncia atitudes e ações ainda mais firmes no futuro próximo. As primeiras gerações do século XXI serão as últimas que poderão salvar a estabilidade do clima e evitar um desastre inominável. Não é aceitável romper a estabilidade climática. Cabe mudar a forma como a humanidade lida com a natureza, eliminando a antropocêntrica e egoística dominação e exploração ecológica.
“Nós (os jovens) faremos eles nos ouvirem”, diz Greta Thunberg em discurso para uma multidão em Nova York, dia 20/09, hoje no Battery Park, em Nova York. Ela também disse que as novas gerações demandam um futuro sadio. Confira abaixo trechos do discurso:
“De onde eu venho, as coisas são bem diferentes daqui, mas quando o assunto é emergência climática e as pessoas no poder, é igual. Na verdade, em todos os lugares em que eu estive, a situação é mais ou menos mesma. As pessoas no poder, suas lindas palavras, são as mesmas. O número de políticos e celebridades querendo tirar selfies, são os mesmos.
As promessas vazias são as mesmas. As mentiras são as mesmas, e a inação é a mesma. Não encontrei ninguém, que esteja no poder, que ouse dizer como [a situação] realmente é, porque não importa onde você está, até esse fardo eles deixam pra gente. Nós, adolescentes, nós, crianças.
Nesta segunda-feira, líderes mundiais estarão reunidos aqui, em Nova York, para o “United Nations Climate Action Summit”. Os olhos do mundo estarão voltados para eles. Eles têm a chance de provar que eles também estão unidos pela ciência. Eles têm a chance de tomar a liderança para provar que realmente nos ouvem.
Vocês acham que eles nos ouvem?
Nós faremos eles nos ouvirem! Porque isso é somente o começo. A mudança está vindo, eles gostando ou não.
Obrigada, novamente, a todos que estão aqui, todos que vieram”.
Greta Thunbert. (Foto: Divulgação)
Referências:
ALVES, JED. A crise do capital no século XXI: choque ambiental e choque marxista. Salvador, Revista Dialética Edição 7, vol 6, ano 5, junho de 2015
Chris Barrie. Can we think in new ways about the existential human security risks driven by the climate crisis? Centro Nacional Breakthrough para a Restauração do Clima, Melbourne, 30/05/2019
William E. Rees. Yes, the Climate Crisis May Wipe out Six Billion People, TheTyee, 18/09/2019
Greta Thunbert, Nova York, 20/09/2019
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