Por: Wagner Fernandes de Azevedo | 31 Agosto 2019
A situação socioeconômica da Argentina segue caótica. Na quarta-feira, 28-08, o governo declarou moratória ao Fundo Monetário Internacional – um prazo estendido para pagamento da sua dívida de 56 bilhões de dólares com o organismo. Na véspera, os bispos da comissão executiva da Conferência Episcopal Argentina se reuniram com o presidente Maurício Macri, na Casa Rosada para discutir sobre o atual contexto. Na sexta-feira, 30-08, a Comissão Episcopal de Pastoral Social emitiu um comunicado advertindo o país sobre a grave desigualdade e cobrando políticas públicas de segurança alimentar.
O anúncio do novo ministro da Fazenda da Argentina Hernán Lacunza sobre o pedido de moratória foi mais um episódio da crise que se encontra o país. Maurício Macri assumiu um país em que a dívida pública bruta do governo central estava 44,7% do PIB e está o entregando com 88,5% (dados oficiais do governo). A desastrosa política desenvolvida por Macri e sua equipe econômica, que chega ao seu terceiro ministro em apenas um mandato, escancarou a miséria no país, e chega agora força à classe empresarial-financeira. A tentativa de renegociar a dívida aumenta a instabilidade e o risco de um calote do país sobre os seus credores. Em maio de 2018, o presidente já havia feito o pedido de socorro ao Fundo, em um acordo que dizia ser o “maior da história do organismo”. Na ocasião, o FMI dirigido por Christine Lagarde, uma parceira-chave para a política econômica de Macri, demonstrou clara confiança nos rumos do país devido os acertos sobres as reformas trabalhistas e previdenciária – tal como condicionantes de um acordo.
Em setembro de 2019, Lagarde deixará a direção-geral do Fundo – renunciou por ter sido escolhida para a presidência do Banco Central Europeu – e a sucessão ainda está em processo de discussão pelo Conselho Executivo do organismo. Após a declaração de moratória, o FMI não emitiu nenhum posicionamento oficial, apenas que está avaliando o impacto. O mercado, no entanto, reagiu de imediato, mas sem uma queda brusca nas ações. Na quinta-feira, houve uma leve desvalorização do peso – segurada pelo governo, o que aumenta os temores do sistema financeiro de um novo controle cambial –, o risco-país disparou. Lacunza, que assumiu o ministério depois da renúncia de Nicolas Dujovne – ocorrida na mesma semana da derrota emblemática nas eleições primárias de 11 de agosto – culpabilizou a vitória da oposição, composta por Alberto Fernández e Cristina Kirchner Fernández, a instabilidade dos mercados e a necessidade de reprogramar o pagamento das dívidas. A confusão política e a falta de respostas e autocrítica do governo relembra o Argentinazo de 2001, quando o presidente Fernando de la Rúa também declarou moratória, em 23-12, em meio ao caos, com intensos protestos por todo o país. No mesmo dia, renunciou e fugiu da Casa Rosada em um helicóptero.
Bispos se reuniram com Macri, na terça-feira, 27-08. Foto: Presidência da Nação Argentina
A instabilidade da política macrista tem despertado em diversos setores sociais a necessidade de reestruturação de todo o país. A Conferência Episcopal Argentina tendo em vista a insegurança e o aumento da pobreza, tratou diretamente com o presidente sobre a necessidade de políticas sociais que assegurem os direitos básicos. Os bispos expressaram a necessidade de se pensar “mais além do processo eleitoral e da conjuntura”. E reforçaram o comunicado da 182ª Comissão Permanente de Bispos de “qualquer governo que seja, trabalhe especialmente pelo bem-comum e privilegiando os pobres”.
Três dias depois do encontro com Macri, a Comissão Episcopal de Pastoral Social emitiu um comunicado pedindo ao governo que declare “Estado de emergência alimentar e nutricional”. Um recente relatório da Universidade Católica Argentina aponta que 44% das crianças da região da Grande Buenos Aires sofrem com insegurança alimentar severa, isso é, não recebem nenhum tipo de assistência alimentar. Segundo o estudo, em todo o país, uma a cada três crianças passa fome.
O documento critica as políticas de ajuste fiscal perpetuadas por Macri. “Embora o Estado Nacional esteja assistindo com maior ajuda alimentar, não é suficiente para mitigar as deficiências deste tempo”, acusam os bispos. Os representantes da Igreja argentina urgem ao governo para que aplique “medidas necessárias para declarar a emergência alimentar e nutricional em todo nosso país de modo que se possam cumprir sem demora metas como as propostas”.
Entre as medidas, os bispos priorizam a implementação de um programa que garanta “uma Cesta Básica de Primeira Infância com produtos essenciais que possam ser distribuídos gratuitamente e/ou a custo subsidiado para garantir a segurança alimentar e nutricional”.
Ao concluir a Semana Social em 30 de junho, em Mar del Plata, nós bispos da Comissão Episcopal de Pastoral Social dizíamos o quão comovidos estávamos, ao advertir que o grau de desigualdade social em que estávamos imersos era muito grande e perigosíssimo para nosso país.
Nesses meses, adicionalmente, advertimos que, frente ao severo aumento da indigência, a pobreza, a desocupação e o aumento indiscriminado do preço dos alimentos da cesta básica, nos encontramos em uma situação de emergência alimentar e nutricional, que afeta essencialmente aos mais vulneráveis, em especial aos pequenos.
Por isso, entendemos que é urgente implementar uma Cesta Básica de Primeira Infância com produtos essenciais que possam ser distribuídos gratuitamente e/ou a custo subsidiado para garantir a segurança alimentar e nutricional, a saúde, os cuidados de qualidade de vida das crianças, incluindo medicamentos, vitaminas, leite líquido e em pó fortificados, e outros produtos lácteos, carnes, pescados, frutas, verduras, ovos, legumes, outros nutrientes e fraldas, entre outros produtos essenciais.
Do mesmo modo, é urgente aumentar o orçamento destinado aos Restaurantes e às Hortas Escolares, Comunitárias e Familiares, e a empreendimentos da Agricultura Familiar e Social, garantindo a equidade e qualidade federal dos serviços de assistência alimentar e nutricional.
Embora o Estado Nacional esteja assistindo com maior ajuda alimentar, não é suficiente para mitigar as deficiências deste tempo, por isso solicitamos que se disponham as medidas necessárias para declarar a emergência alimentar e nutricional em todo nosso país de modo que se possam cumprir sem demora metas como as propostas.
O papa Francisco nos recorda que a fraternidade é o principal fundamento da solidariedade e que se necessitam também políticas eficazes que promovam esse princípio da fraternidade, assegurando às pessoas – iguais em sua dignidade e em seus direitos fundamentais – o acesso aos bens de modo que todos tenham a oportunidade de desenvolver-se plenamente como pessoas.
Assim, do mesmo modo, queremos alentar as nossas comunidades e Cáritas, para esse grande voluntariado, a ser “artesãos de fraternidade e solidariedade”, sob a proteção da Virgem de Luján, Mãe de nosso povo, porque – como diz a canção Jesús Eucaristia – não é possível morrer de fome na Pátria bendita do pão!
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Argentina. Bispos cobram políticas de segurança alimentar de Macri, que aumentou a pobreza e está perto do calote - Instituto Humanitas Unisinos - IHU