13 Agosto 2019
A derrota expressiva do presidente da Argentina, Mauricio Macri, nas eleições primárias deste domingo (11) deram origem a um debate sobre sua governabilidade até a data de passar a faixa presidencial ou, se reeleito, tomar posse para um novo mandato, no dia 10 de dezembro. O primeiro turno da votação ocorre no dia 27 de outubro.
A reportagem é de Marcia Carmo, publicada por BBC Brasil, 12-08-2019.
Um dia depois da votação nas chamadas Primárias Abertas Simultâneas e Obrigatórias (PASO), o dólar abriu com forte alta e as ações argentinas em queda de dois dígitos. A moeda americana costuma ser um termômetro para os argentinos porque é vista como sinal de confiança ou desconfiança interna e externa no governo.
Movimentos de alta costumam alimentar a inflação, cuja previsão, antes da votação, era de 40% para este ano. Na sexta-feira (9), o dólar era cotado em cerca de 46 pesos e nesta manhã de segunda-feira chegava a 60 pesos nas casas de câmbio de Buenos Aires, como exibiam as telas das TVs locais.
Com a disparada do dólar, o Banco Central argentino voltou a subir as taxas de juros. Elas estavam na casa dos 50% a 60%, e hoje subiram para 74%.
Pesquisas de opinião e análises políticas não indicavam a ampla vantagem da vitória da chapa opositora, encabeçada pelo ex-chefe de gabinete do kirchnerismo, Alberto Fernández, que tem como vice a ex-presidente Cristina Kirchner.
"Ninguém previu este resultado. Nenhuma pesquisa", afirmou Macri, após a divulgação do resultado. Segundo dados oficiais, a oposição recebeu pouco mais de 47% dos votos e a chapa governista, 32%. Para ser eleito em primeiro turno, segundo a lei argentina, o candidato precisa contar com 45% dos votos ou 40% e uma diferença de 10 ou mais pontos em relação ao segundo colocado.
"Reconhecemos a vitória da outra chapa política. Mas devemos destacar que o primeiro turno será no dia 27 de outubro e vamos continuar nossa campanha. Percorri o país de ponta a ponta mais de 70 vezes e sei das dificuldades das pessoas. Sei que a situação econômica é difícil e que foi um voto de bronca. Mas acho que outubro é uma grande oportunidade. Podemos pensar até lá se queremos continuar com mudanças e inseridos no mundo ou voltar ao passado", disse Macri nesta segunda (12).
"O erro das pesquisas de opinião pode voltar a ocorrer e vamos trabalhar forte até outubro. Achamos que nos espera um bom futuro, ou perderemos todos estes esforços que acumulamos nestes três anos e meio de governo", disse o presidente argentino.
Para analistas políticos, além da dificuldade de reverter o quadro nas eleições, a margem da derrota de Macri nas prévias indica que o atual presidente terá obstáculos de governabilidade na reta final do seu mandato.
"Macri pode continuar sendo candidato, mas sua vitória ficou quase impossível. O principal agora é saber como ele será como presidente depois do resultado de domingo", disse à BBC News Brasil o professor de Ciência Política da Universidade de Buenos Aires Marcos Novaro. Para ele, Macri deveria olhar o que aconteceu com o ex-presidente Raúl Alfonsín.
Alfonsín - que, como Macri, não era alinhado ao peronismo - governou a Argentina entre 1983 e 1989. Ele foi o primeiro presidente eleito após a ditadura (1976-83) e entregou o cargo ao sucessor, Carlos Menem (1989-1999), seis meses antes do fim do mandato em meio a um cenário de hiperinflação.
"Não digo que é para tanto (uma renúncia), mas Macri deverá ter muita habilidade ou terá um final penoso", afirmou o especialista.
A Argentina vive um período de forte crise econômica, com inflação alta, aumento nos índices de pobreza e queda no consumo. Os poucos sinais de recuperação vêm da colheita recorde do setor agrícola, essencial para o país, e a retomada de vendas externas de produtos como a carne bovina.
Em meio à onda de indicadores negativos e à ascensão da chapa rival nas pesquisas, o presidente argentino anunciou em abril medidas que vão contra a agenda liberal pregada por seu governo - entre elas, o congelamento de preços de 60 itens de consumo.
Além do delicado cenário econômico atual, intensificado a partir da crise cambial de abril de 2018, analistas entendem que a vitória de Fernández e Cristina nas prévias foi resultado também do apoio à oposição por parte do peronismo, maior movimento político do país, de governadores e de outros políticos importantes do interior do país.
Na tentativa de atrair este segmento, Macri tinha escolhido como vice o senador peronista Miguel Ángel Pichetto, visto como um dos principais articuladores políticos do movimento iniciado há mais de 70 anos pelo ex-presidente Juan Domingo Perón. Com o tempo, o peronismo se tornou um "guarda-chuva" que abriga diversas linhas ideológicas.
Num primeiro momento, o convite a Pichetto foi interpretado como "decisivo" para um bom desempenho nas urnas, mas isso não se confirmou. "Este resultado (das prévias) é um 'voto castigo' da classe média", afirmou Pichetto nesta segunda-feira.
Marcos Novaro e o analista político Rosendo Fraga, do Centro de Estudos Nova Maioria, afirmaram à BBC News Brasil que, com o resultado das prévias, Macri e Fernández já deveriam estar trabalhando juntos para que a transição não seja turbulenta.
"No Brasil, quando Lula venceu a eleição (em 2002), o então presidente Fernando Henrique e ele fizeram uma transição responsável. E é isso que Macri e Fernández deveriam fazer aqui também. Mas o discurso de Fernández foi muito mais equilibrado que o do próprio Macri", disse Fraga.
Na noite de domingo, ao discursar após o resultado, Fernández enumerou os problemas sociais vividos atualmente no país, como o aumento da pobreza, o fechamento de pequenas e médias empresas e as altas taxas inflacionárias.
Além disso, o país também precisa lidar com as consequências de ter precisado contrair um empréstimo junto ao Fundo Monetário Internacional (FMI) no ano passado.
"Não pode ser que 3 de cada 10 argentinos sejam pobres. Não pode ser que nossos jovens estejam enfrentando esta crise sem chances de futuro. Não é esta a Argentina que queremos. Nós somos a verdadeira mudança para o país, e não eles", disse Fernández.
E continuou: "Nunca fomos loucos governando. Vamos arrumar o que fizeram", afirmou ele, que sinalizou ao diálogo. "Não queremos mais uma Argentina dividida e de vingança."
Fernández voltou a prometer um aumento para os aposentados. O dinheiro, disse ele, viria por meio de uma redução dos juros com que o governo atualmente remunera os títulos públicos do país.
Essa promessa gerou preocupação e especulações em setores econômicos devido ao histórico recente de calotes da dívida argentina, como o da histórica crise econômica de 2001. Na manhã desta segunda-feira, em entrevistas a rádios locais, Fernández cobrou responsabilidade fiscal de Macri até o fim do mandato.
Num vídeo gravado e exibido na noite de domingo, Cristina Kirchner disse que "os argentinos deixaram de ser felizes e perceberam que temos que mudar" o caminho atual.
Ela diz ter desistido de encabeçar a chapa à Casa Rosada por questões pessoais - sua filha tem problemas de saúde e realiza tratamento em Cuba -, mas as pesquisas mostravam altos índices de rejeição a ela. Tanto a ex-presidente quanto Macri compartilham forte rejeição do eleitorado argentino.
A vitória do kirchnerismo foi ampla em vários pontos do país, incluindo regiões agrárias que foram majoritariamente pró-Macri na eleição passada.
Entre as derrotas que causaram surpresa está a da governadora da província de Buenos Aires, María Eugenia Vidal, aliada de Macri e tida, segundo pesquisas, como a política de melhor imagem junto ao eleitorado do país.
Candidata à reeleição, ela recebeu nas prévias 32% dos votos e o ex-ministro da Economia do kirchnerismo, Axel Kicillof, quase 50% da votação. Vidal governa a maior província argentina, que pelo tamanho e pelas desigualdades sociais, costuma ser apontada como decisiva para definir uma eleição presidencial.
Para Fraga, do Centro de Estudos Nova Maioria, as primárias argentinas deixaram derrotados para além do macrismo.
"Os responsáveis pelo marketing político (também perderam). A realidade da crise econômica e da crise social supera qualquer marketing e foi o que vimos nas urnas."
A polarização entre as chapas de Macri e de Cristina eclipsou outras candidaturas, como a do ex-ministro da Economia do kirchnerismo, Roberto Lavagna - que chegou em terceiro e levou 8,3% dos votos de domingo.
Lavagna repudiou a "polarização forçada" e, numa clara mensagem aos opositores Cristina e Macri, criticou a deterioração da economia argentina "que já leva oito anos" - quatro anos do segundo mandato da ex-presidente e os quatro anos do mandato macrista.
Cerca de 75% dos eleitores compareceram às urnas nas prévias deste domingo, segundo dados oficiais. O voto era obrigatório.
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Argentina. Vitória expressiva do kirchnerismo gera debate sobre governabilidade de Macri - Instituto Humanitas Unisinos - IHU