22 Julho 2019
Com a morte de Ágnes Heller desaparece uma das intérpretes mais autorizadas da crítica do sistema de Viktor Orbán. Brio e vivacidade intelectual fizeram dela um ponto de referência nos ambientes ativos, na Hungria, na difícil obra de resistência à involução antidemocrática que o país vem experimentando desde 2010. Sempre disponível e pronta para fornecer sua análise dos males que hoje afligem não apenas seu país, mas toda a Europa, Heller nos deixa um patrimônio notável em termos de produção intelectual. Um legado de testemunhos escritos e orais emitidos, estes últimos, nas numerosas aulas acadêmicas e palestras que a filósofa realizou por um longo tempo em vários países, entre eles, muitas vezes, a Itália.
A reportagem é de Massimo Congiu, publicada por Il Manifesto, 21-07-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
Nós de Il Manifesto a encontramos várias vezes para refletir juntos sobre a complexa situação em que a Hungria está há quase dez anos.
Seu juízo sobre Orbán sempre foi claro e sem apelo, Heller via nele uma espécie de intérprete moderno de "bonapartismo". A definição foi citada na entrevista que a filósofa concedeu a Mariarosaria Sciglitano, para o jornal, em 2011 (Il Silenzio Ungherese, junho de 2011). Nela, entre outras coisas, a intelectual falava de falso populismo por parte do primeiro-ministro húngaro e dizia que apenas a sua retórica é populista. "Seu governo não entra em negociações com os sindicatos, não age como intermediário entre empregadores e sindicatos. O que é fundamental para um poder populista está ausente no governo de Orbán. Então não vamos confundir retórica com política de facto".
Os sindicatos, como o Maszsz, a principal organização húngara no setor, não desmentem, confirmam que este sistema de poder não brilha pelo diálogo com as partes sociais (deve-se dizer que nem mesmo aquele liberal-socialista se destacava neste campo) e que se a Hungria cresce economicamente, como afirma certo viés oficial, isso é verdadeiro apenas para poucos.
Por outro lado, são muitos aqueles que vivem em meio a consideráveis dificuldades econômicas, tema este a que Heller frequentemente se reportava em seus comentários sobre a situação na Hungria, considerando como dados simplesmente baseadas em slogans desprovidos de adesão à realidade aquelas intervenções do governo para resolver o problema do desemprego. Problema enfrentado pelo executivo, de forma fictícia, com o sistema de empregos socialmente úteis, sub-remunerados e desprovidos de planejamento e vontade de investimento no mundo do trabalho O tema das liberdades fundamentais estava, também, no centro das reflexões da filósofa sobre a Hungria de hoje. Também eram constantes as referências à lei sobre a imprensa que para Heller criou um sistema de censura que silencia as vozes críticas e exclui o pluralismo, e sobre a situação em que hoje se encontra a pesquisa científica no país, dobrada aos interesses do sistema sob orientação Fidesz.
Para aqueles que lhe pediam para reconstruir a história de sua pátria desde o retorno de Orbán ao poder, a filósofa respondia que nesses anos havia acontecido o que ela tinha previsto em 2010: o governo trabalhou em todos os sentidos para concentrar o poder em suas mãos, criando um processo de aniquilação da liberdade da mídia e da oposição, pondo fim à vida de todas as instituições que pudessem se opor à sua linha política. Nesse sentido, sempre enfatizou a ausência de uma alternativa e de uma oposição verdadeiramente incisiva e o fato de que na Hungria a esquerda não tem nada a dizer e propor diante de um sistema que tornou árida a vida política do país. Um sistema unicamente interessado no poder, como o próprio Orbán, que para Heller não tem ideais a defender. Segundo a intelectual, ele só está interessado no poder.
Entrevistada pelo Il Manifesto do ano passado, pouco antes das eleições políticas, ela falou do declínio do primeiro-ministro e de seu sistema, uma análise que, especialmente à luz dos resultados, pode parecer talvez um pouco otimista demais. Contudo, nos últimos anos, Heller sempre fez questão de se expor, sem se poupar, mesmo à custa de parecer precipitada em suas conclusões. Sempre esteve disponível, como certa vez quando pediram para fotografá-la e ela respondeu "vá em frente, eu sempre digo que vocês podem fazer o que quiserem comigo".
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Agnes Heller. Um símbolo de oposição ao sistema antidemocrático de Viktor Orbán - Instituto Humanitas Unisinos - IHU