24 Mai 2019
A pouco mais de três dias das eleições europeias do dia 26 de maio, as batalhas de alguns políticos italianos têm se tornado cada vez mais agressivas. O exemplo mais claro foi o do ministro do interior e atual vice-ministro do governo, Matteo Salvini, do partido direitista A Liga, que não viu nenhum problema em agredir e ofender com suas palavras qualquer pessoa, em sua tentativa de demonstrar que suas ideias e seu partido são o melhor e os que resolverão todos os problemas da Itália e da Europa.
A reportagem é de Elena Llorente, publicada por Página/12, 23-05-2019. A tradução é do Cepat.
Não importa se os agredidos e ofendidos são a Igreja, a Organização das Nações Unidas ou a Magistratura italiana. Para exaltar suas ideias, defendeu as medidas tomadas contra os imigrantes que chegam pelo Mediterrâneo - como fechar os portos da península para não os receber -, contra os barcos de organizações governamentais que os ajudam - proibindo-lhes de ancorar -, contra o Vaticano e em especial o Papa Francisco, que sempre fala de “portas abertas” e em “construir pontes, não muros”, e contra alguns magistrados aos quais acusa de favorecer a “imigração clandestina”.
Salvini acredita que todas essas bandeiras o ajudarão a se colocar definitivamente como o primeiro partido da Itália, para assim poder ter o seu próprio governo e não um governo compartilhado, como o de agora, com o Movimento Cinco Estrelas (M5S). Além disso, também espera, após os resultados de domingo, poder construir um bloco poderoso de direita no Parlamento Europeu e mudar o rumo da Europa.
Com o Papa Francisco, as diferenças já haviam sido percebidas há tempo. Contudo, inicialmente, Salvini se mantinha bastante contido. Agora, ao contrário, quando o Papa falou em manter as “portas abertas” em relação aos migrantes, em tácita alusão às medidas de Salvini, mas também de outros governos da Europa, como Hungria e Áustria que fecharam suas fronteiras, o ministro disse claramente: “E por que o Vaticano não abre suas portas aos migrantes, portas que permanecem bem fechadas?”. “Quantos refugiados existem no Vaticano?”, acrescentou Salvini, referindo-se a um estado que tem apenas 0,44 km2.
Nestes últimos dias, o enfrentamento com a Igreja se tornou mais forte ainda, quando Salvini foi acusado de usar os símbolos do catolicismo apenas com o objetivo de ganhar votos. A polêmica surgiu depois que o ministro do Interior usou, em um ato eleitoral realizado em frente à igreja mais importante de Milão, o Duomo, um rosário com uma cruz que levantou com um punho fechado e depois beijou. Nesse ato, também evocou os santos patronos da Europa e o “coração imaculado da Virgem Maria”, que “conduzirão A Liga à vitória”, disse. A frase causou surpresa, mas também indignação nas organizações católicas, que imediatamente reagiram, acusando Salvini de ter manipulado o símbolo religioso em seu próprio interesse.
“A política partidarista divide. Deus, ao contrário, é de todos”, comentou o número dois do Vaticano, o secretário de Estado, cardeal Pietro Parolin. Antonio Spadaro, diretor da Civiltà Cattolica, a revista dos jesuítas, comentou em um tuíte: “Há quem na campanha eleitoral utilize Deus e os santos e há, inclusive, quem vende moedas para rezar pela reeleição do próprio candidato. O uso instrumental da religião não tem justificativa!”.
Salvini não ficou calado: “Não comento as palavras do cardeal (Parolin). Sou o último dos bons cristãos. Sou divorciado e pecador, digo más palavras, vou à missa três vezes ao ano, mas defendo nossa história. Se peço a proteção da Virgem Maria, causa incômodo a alguém? Peço a proteção de Deus para nossos jovens, para nossos filhos, pois a Europa está preparando um futuro de desemprego e precariedade”. Dito assim, até parece uma mensagem honesta e simpática, quando, na realidade, conforme alguns comentaram, é uma mensagem dirigida para manipular os ingênuos.
Os confrontos de Salvini não acabam por aí. Na semana passada, com uma carta de onze páginas, a expoente do Alto Comissariado para os Direitos Humanos, Beatriz Balbín, pediu ao governo italiano que interrompesse todas as ordens contra o salvamento de seres humanos no mar e também a aprovação do chamado Decreto de Segurança Bis, que Salvini quer que seu governo aprove nestes dias. Este decreto, escreveu a representante da Nações Unidas, “coloca em risco os direitos humanos dos migrantes, inclusive o direito a asilo, fomenta o clima de hostilidade e xenofobia e viola as convenções internacionais”.
O novo Decreto de Segurança Bis provocou muitas discussões dentro do governo italiano, sobretudo pelas diferenças entre o M5S e o presidente da República, Sergio Mattarella. E pelo que parece, teria sofrido algumas mudanças. Em um primeiro momento, previa multas por cada migrante que os navios salva-vidas desembarcassem na Itália, assim como revogar as licenças dos navios que façam tal procedimento e sejam italianos, entre outras coisas.
Não é a primeira vez que a ONU chama a atenção do atual governo a respeito do tema migrantes. Inclusive, recentemente, a Corte de Justiça Europeia também fez isso, reiterando que um refugiado em fuga de um país no qual corre risco de torturas e outros maus-tratos desumanos, proibidos pela Convenção de Genebra, não pode ser repatriado ou rejeitado em um país europeu, mesmo quando o status de refugiado lhe seja negado ou revogado por razões de segurança. Contudo, o ministro Salvini não parece ter dado importância a estas decisões da Corte Europeia.
Na carta do Alto Comissariado da ONU, que solicita ao governo italiano a proteção das vidas humanas no mar, também é mencionada a ordem do governo italiano de transferir à Guarda Costeira da Líbia a obrigação de salvar os migrantes no mar. Na realidade, isso poderia significar uma violação ao princípio da Convenção de Genebra, que proíbe impedir a entrada de um refugiado em um território, a deportação, expulsão ou transferência para territórios em que sua vida ou sua liberdade possam estar ameaçadas.
A Líbia, onde os traficantes de seres humanos têm muito poder e onde os migrantes muitas vezes são maltratados ou tratados como escravos, é considerado um país não seguro pelas organizações internacionais, inclusive muito tempo antes da atual guerra. A tudo isto, Salvini respondeu: “A ONU? Que se ocupe da Venezuela, melhor...”.
A terceira batalha de Salvini, destes dias, é contra os magistrados que permitiram que barcos de organizações não governamentais desembarquem migrantes na Itália, após salvá-los no Mediterrâneo. O caso mais significativo é do magistrado da cidade siciliana de Agrigento, Luigi Patronaggio, a quem Salvini ameaça denunciar por favorecer a “imigração clandestina”, ao ter permitido recentemente que o navio Sea Watch desembarcasse 45 migrantes na ilha de Lampedusa.
Foi Patronaggio que, há alguns meses, casualmente, iniciou uma investigação judicial contra Salvini por “prisão ilegal” de 177 migrantes resgatados no mar e detidos durante vários dias no navio Diciotti, que em agosto passado havia se aproximado do porto siciliano de Catania.
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Itália. Salvini briga com o Papa, a ONU e os juízes - Instituto Humanitas Unisinos - IHU