20 Mai 2019
"Por décadas, difundiu-se a ideia de que ela era a saída para o atraso do país. Agora, além de bloquear recursos, bolsonarismo tenta estigmatizar os que lutam pelo ensino público. As ruas darão resposta — e está só começando", escreve Roberto Andrés, arquiteto, professor na UFMG e editor da revista Piseagrama, em artigo publicado por Outras Palavras, 16-05-2019.
Se havia um consenso no Brasil, era o da importância do investimento em educação. Nas manifestações de junho de 2013, pedia-se “Educação padrão FIFA” e “10% do PIB para educação”. Na maioria das pesquisas de opinião e mesmo em manifestações de direita, a educação sempre foi vista como prioridade para o país.
Não custa lembrar que o Brasil ocupa as últimas posições nos rankings internacionais de educação. E o gasto brasileiro por aluno é cerca de metade daquele realizado pelos países membros da Organização pela Cooperação e Desenvolvimento Econômico – a OCDE. Segundo esta mesma organização, o PIB brasileiro pode ser sete vezes maior em 80 anos, se o país assegurar que, em 2030, todos os jovens de 15 anos estejam na escola e com um nível básico de conhecimentos.
Pois bem, o consenso da educação acabou. Os governantes da vez decidiram atacar e jogar a população contra o ensino público. Além do corte de cerca de 30% das despesas discricionárias de toda a educação, iniciaram uma onda de difamação das universidades via redes sociais.
Na última semana, grupos de Whatsapp foram inundados por imagens de pessoas peladas e de plantações de maconha, que seriam a realidade secreta em universidades. As agências de checagem mostraram que as imagens foram tiradas de contexto e, quando de fato foram feitas em universidades, são antigas e minoritárias.
Os portões das universidades estão abertos: quem entra vê pessoas trabalhando, normalmente, como em qualquer outro lugar. Pergunte aos milhares de alunos, professores e técnicos quantas vezes se depararam com uma bunda de fora vagando pelos campi. Eu, em 20 anos na UFMG, nunca vi.
Mas basta uma pesquisa rápida na Internet para encontrar milhares de notícias verdadeiras sobre as universidades. Tem cientista inventando plástico biodegradável, isolando moléculas capazes de combater a leucemia ou descobrindo bactérias para recuperar ambientes contaminados.
A UFPB criou um sistema para evitar falsificação de diplomas. Na UFF, desenvolve-se um piso de concreto permeável; na UFU, um jogo para reabilitação de braços após AVC. A lista poderia ocupar todas as páginas deste site, em diversas áreas do conhecimento.
Para explicar os cortes, o ministro da Educação tentou uma performance com chocolates. Não deu muito certo. Talvez ele tenha faltado à aula de planejamento: no pote de vidro utilizado não cabia nem metade dos chocolates, que ficaram esparramados pela mesa. Deve ter faltado também às aulas de matemática, já que ele mesmo não consegue decidir se os cortes são de 30% ou se representam somente 3,5 chocolates em 100.
Mas parece que o governo errou na mão. Os protestos de ontem, o #15M brasileiro, mostraram que tem muita gente disposta a defender a educação pública. Foram milhões de pessoas nas ruas de todas as capitais e muitas cidades do interior. Manifestações bonitas e pacíficas, de gente que batalha por um futuro melhor para todos.
Já o presidente da República está em viagem para os Estados Unidos. Depois de ter uma homenagem recusada por patrocinadores, um museu e a prefeitura de Nova Iorque, Bolsonaro decidiu ir a Dallas. Da porta do hotel, chamou os brasileiros que estavam nas ruas de imbecis e afirmou que “não sabem nem a fórmula da água”.
É deste nível o presidente do nosso país. Como uma criança mimada, acha por bem atacar e difamar quem não se alinha a ele. Por isso, a ofensiva contra as universidades é tão importante para seu governo: porque ali há pensamento independente e pessoas que não vão concordar bovinamente com o que vier de cima.
Os professores e estudantes que dão duro para melhorar a vida da sociedade brasileira não têm vida fácil. A bolsa de mestrado é de R$1.500 e a de doutorado, R$2.200. Estas bolsas, que estão ameaçadas de cortes, são muito menores, por exemplo, do que os salários dos assessores parlamentares fantasmas que “trabalharam” nos últimos anos nos gabinetes dos filhos do presidente. Como um que passou 250 dias do ano em Portugal, mas recebeu salário todos os meses, no gabinete de Flávio Bolsonaro.
Como foi cantado nas ruas: “não é mole não, tem dinheiro pra milícia e não tem pra educação”.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
O consenso pela Educação acabou - Instituto Humanitas Unisinos - IHU