22 Abril 2019
Monica Ribeiro é pesquisadora e docente da Universidade Federal do Paraná, doutora em educação pela PUC de São Paulo e pós-doutora na Faculdade de Educação da Unicamp. A professora Monica participa do Observatório do Ensino Médio e do Movimento Nacional em Defesa do Ensino Médio. Ao Parágrafo 2 ela fala sobre as recentes mudanças no Ministério da Educação, os ataques à universidade pública e o processo de privatização do ensino público.
A entrevista é de José Pires, publicada por Parágrafo 2, 16-04-2019.
Na última semana o país acompanhou a saída de mais um ministro do governo Bolsonaro. Desta vez a mudança foi no Ministério da Educação onde saiu Ricardo Vélez Rodriguez e assumiu o economista Abraham Weintraub. Vélez era ligado às Forças Armadas, colecionava polêmicas e parecia fadado a não vingar no cargo. Weintraub também é ligado a declarações absurdas, como por exemplo as que comparam o Socialismo à Aids e alardeia que as Farcs teriam ligação com o suposto Foro de São Paulo. Entretanto, o novo ministro é próximo a Paulo Guedes, profundo investidor em educação privada, cujos fundos de investimento têm lucros generosos atrelados à expansão do modelo EAD. A seu ver, a nomeação do novo ministro tem muito mais relação com um projeto de privatização da educação pública do que com meras polêmicas?
O Ministro anterior acabou sendo alvo de várias polêmicas, desde o pedido para que alunos fossem filmados cantando o hino nacional até falas preconceituosas sobre o povo brasileiro. Além disso, Ricardo Velez não demonstrava força dentro do próprio Ministério porque não conseguia sequer nomear as pessoas que de fato iriam compor a sua equipe. Assim, a saída dele, dadas as circunstâncias, era só questão de tempo.
O novo Ministro, Abraham Weintraub, é economista, compôs sua equipe com homens, brancos da área econômica e do setor empresarial. Essa situação não é inusitada, mas o que preocupa é que ele é uma figura afinada com a Reforma da Previdência, com o setor mais privatista do governo, ligado à área econômica e isso é preocupante já que suas posições podem se refletir em cortes de verbas ligadas a programas educacionais, principalmente aqueles voltados à educação pública em estados e municípios.
Atualmente, parte dos fundos criados por Paulo Guedes está no portfólio da Bozano Investimentos, e uma fatia do dinheiro aplicado ali é reinvestida em oito empresas de educação. Entre elas estão a “Ser Educação”, que tem uma rede de universidades com 150 mil alunos; a “NRE”, com focos em cursos de medicina e 8 mil alunos; e a “Q Mágico”, que vende soluções para ensino digital e ensino a distância. Na sua visão professora, as ligações do “superministro” com a expansão da educação privada e a indicação de Weintraub para o MEC podem significar a “tampa do caixão” da educação pública e gratuita no Brasil?
Existe uma tendência, que ganhou força principalmente durante o Governo Temer, que é a de privatização do setor público da educação. Fundações como o Instituto Unibanco, o Instituto Ayrton Senna, o movimento Todos pela Educação, o Instituto Natura e a Fundação Lemann têm atuado na formação de políticas públicas voltadas a educação como a Reforma do Ensino Médio e a nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Agora, com esse novo cenário no MEC, a tendência é que essa influência se expanda. Existe hoje uma fala dos atuais representantes do governo voltada a condenação das universidades públicas. Recentemente Bolsonaro deu declarações dizendo que elas, as universidades públicas, não produzem pesquisa. Isso é uma grande mentira, pois 94% da pesquisa científica é feita nas universidades públicas. Portanto, existe uma desinformação que a meu ver é proposital e tem a intenção de fazer com que a população fique do lado do discurso privatista.
Olavo de Carvalho, brasileiro que vive nos Estados Unidos há muitos anos e que opina sobre nossa política por meio de vídeos na internet, conseguiu influenciar a escolha de personagens decisivos para as políticas educacionais brasileiras desde que Bolsonaro assumiu o governo. Carlos Nadalim, titular da pasta de Alfabetização do MEC e Fabio Salgado de Carvalho, assessor técnico da mesma secretaria, Eduardo Melo, ex-secretário adjunto do Ministério da Educação e Abraham Weintraub, novo ministro, foram indicados por Olavo. Como explicar tamanha influência de um “professor/youtuber”?
Eu considero que hoje se dá muita atenção ao Olavo de Carvalho. Ele de fato demonstra uma ignorância extrema, mas carreia muita gente para as suas falas absurdas. Mostra um desconhecimento profundo da realidade educacional e dos dados da educação brasileira, a qual é responsável por 90% da educação básica (ensino fundamental e médio). Assim, penso que quanto mais repercussão se der às falas absurdas dele, mais pessoas desinformadas vão aderir a elas, e a equipe que foi indicada pelo Senhor Olavo de Carvalho tende a repetir tais discursos. Esse sujeito demonstra uma ignorância profunda sobre todos os debates que se fez nos últimos 20 anos em torno dos métodos de educação. O método fônico, por exemplo, que é apregoado pelo MEC, é extremamente ultrapassado, reconhecidamente tido como um método que não auxilia as crianças a compreenderem em profundidade o processo de letramento e o processo de apropriação da linguagem escrita. Portanto, é lamentável que tenhamos esse tipo de mentalidade influenciando as políticas educacionais que são utilizadas nos mais de cinco mil municípios do país.
Os indicados por Olavo de Carvalho seguem uma “cartilha ideológica” que se vende como salvadora da educação frente a um pensamento hegemônico de esquerda que dominaria as escolas e universidades públicas do país. Essa linha de pensamento ganhou muita força nos últimos anos e culminou na proposta de projeto de lei conhecida como “Escola Sem Partido”. Esse fenômeno é apenas fruto da radicalização política/ideológica no Brasil, ou existem nela também elementos que são benéficos para o processo de privatização do ensino público que caminha a passos largos?
A pauta ideológica posta pelos adeptos do discurso do Olavo de Carvalho, em que pese serem pessoas que condenem a ideologia, que destacam que tudo deveria ser “não ideológico”, o que demonstra um desconhecimento muito grande da realidade e da produção de conhecimento, haja vista que todo ponto de vista expressa sempre uma forma de ver as coisas, ou seja, uma ideologia, se caracteriza em uma grande farsa. É o que está posto, por exemplo, no Projeto Escola Sem Partido, que prega que não se deve discutir gênero, desigualdade, mas ao colocar uma censura, obriga, por sua vez, a imposição de se propagar apenas um outro ponto de vista. Portanto, é lamentável que tenhamos tanta gente disseminando esse tipo de discurso quando isso, na verdade, significa um prejuízo na formação de crianças, adolescentes e jovens. É algo que às vezes beira a raia da esquizofrenia, de algo sem qualquer fundamento. Provavelmente o Escola Sem Partido não será aprovado, haja vista que o projeto é inconstitucional já que o Artigo 206 da Constituição Federal assegura a pluralidade de ideias e concepções, porém ele já faz estragos na medida em que existe uma disseminação de que os professores são doutrinadores.
Como a universidade pública deve reagir frente a ataques de viés ideológico e também de cunho estrutural como o enfraquecimento da ciência brasileira, cujo cortes de verbas, pode paralisar a execução de 11 mil projetos científicos e deixar mais de 80 mil pesquisadores sem bolsa?
A universidade pública, principalmente as federais, está na linha de frente desse combate ao “público”, que se dá pelo discurso de que elas não produzem pesquisas científicas, de que nelas só existem “esquerdistas”, que é um antro de formação de comunistas, quando na verdade ela, e isso é perceptível por nós que trabalhamos no meio acadêmico, se encontra ideologicamente tão dividida quanto o restante da sociedade. Essa disseminação de informações falsas e distorcidas com relação às universidades públicas vai ao encontro desse processo de privatização. Não demora e veremos um desmonte maior ainda das universidades públicas, por meio de cortes em pesquisas, a ausência de concursos públicos, para que com isso vá se justificando a iniciativa privada tomar cada vez mais lugar do público na oferta de ensino superior.
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“A desinformação sobre as Universidades Públicas é proposital e tem a intenção de justificar o discurso privatista”. Entrevista com Mônica Ribeiro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU